As provações de longa distância do escritor/corredor Ricardo Hirsch
Autor do livro "Correndo atrás para chegar na frente", o atleta teve mais do que maratonas e provas de triatlo para vencer
Já era quase final de entrevista com Ricardo Hirsch, passadas três horas da tarde e quase uma de gravação, quando ele contou o motivo do seu pequeno atraso para começar: fora avisado de que o filho, que estava em um acampamento, tinha se machucado. A bola do pebolim bateu na boca do menino e quebrou o dente pela raiz. O pai já tinha cuidado das coisas para, naquele mesmo dia, levar a criança ao dentista rumo a um tratamento de canal. E eu só conseguia pensar: “gente, vamos logo encerrar esse podcast [no caso, o Vale do Suplício], ele deve estar aflito para sair”.
Mas a aflição era só minha, pois Hirsch não demonstrava ter um pingo de pressa ou preocupação. O que não é algo de impressionar em alguém decidido a respeitar o tempo, como um amigo sábio que nem sempre é gentil, mas deve ser ouvido. “Quando a gente é novo, acha que só há uma maneira de fazer as coisas: o mais rápido possível. A maturidade faz com que a gente entenda que a jornada é mais longa”, ele diz.
Ricardo Hirsch é atleta e treinador, diretor da Personal Life Assessoria Esportiva, uma referência, especialmente, na corrida. Criou a empresa no começo dos anos 2000, quando havia algo como dez concorrentes, ele recorda, e não existia uma cultura disseminada de cuidado com a saúde pelo esporte, muito menos pela corrida. Hoje, segundo Hirsch, há mais de 400 assessorias especializadas. E, em média, São Paulo recebe quatro provas de corrida por final de semana.
“Ter 23 anos de empresa no Brasil em um mercado que não movimenta tanto dinheiro é uma das maiores conquistas que eu tive”.
Junto ao empreendedorismo, Hirsch competiu em grandes provas de resistência, entre elas diversas maratonas e o Ironman, o maior desafio de triatlo no mundo. “Você vai aceitando as limitações que o processo de envelhecimento traz. Imagine se eu tiver agora, com 46, o mesmo comportamento que eu tinha com 22? O amadurecimento no esporte é fundamental, e se você não entende isso no amor, aprende na dor”.
Não que ele tenha aprendido apenas no amor. Uma maratona de mais de duas décadas de profissão também o golpeou, diversas vezes. “Já passei mal porque fiquei doente, porque esqueci de alguns cuidados, já me dei mal pagando em euro e não em dólar, porque comi algo ruim, ou porque não era o dia. Tudo o que acontece com meus alunos, em grande parte, já aconteceu comigo. E isso me dá um respaldo de interpretações das dificuldades deles”.
Os pequenos descuidos na vida de um atleta podem custar tempo, medalhas e, no pior dos casos, expectativas. É somente ao final da prova, porém, que a memória metaboliza derrotas e vitórias. Hirsch completou a sua primeira maratona, no auge da juventude, em 2 horas e 56 minutos. Levou, então, 20 anos para superar a própria marca, o que ocorreu em 2018. Depois dessa informação, o título “Correndo atrás para chegar na frente”, que dá nome à autobiografia de Hirsch, é quase autoexplicativo.
Mas nenhum desafio esportivo se compara ao momento em que, ao sair de um treino de ciclismo, viu 25 ligações perdidas de sua sogra. A esposa havia passado mal e estava no hospital. Foi constatado um AVC, com demonstração de sequelas graves, como perda da capacidade de fala e deglutição. Recebeu do médico a notícia de que não havia o que fazer. Hirsch conta que ela ficou uma semana na UTI, dormindo sentada, monitorada, enquanto ele tocava a vida com três filhos em casa, com todas as atividades de uma rotina de pai e a santa assistência da família.
“Tem que ter calma, racionalizar aquela notícia ruim para que você possa ter uma atitude. Essa foi a maior porrada que eu tive na vida. Veio a reforçar coisas que a gente ouve a vida toda, mas aí você sente aquilo na pele… Tem que viver feliz, servir às pessoas”
Hoje, ele comemora a recuperação plena da esposa, graças, inclusive, ao esporte - uma história contada em detalhes na biografia. “Melhor corredor não é o que corre mais rápido ou que corre muito, é aquele que se conhece melhor. Eu escrevo na planilha de alunos: ‘não pense em ritmo, em distância ou tempo. Desligue’. Primeiro faça o que tem que fazer, depois olhe para trás”.
Este texto é baseado no depoimento de Ricardo Hirsch ao Vale do Suplício, podcast criado pelas jornalistas Adriele Marchesini e Silvia Noara Paladino, e que conta histórias de empreendedores que falam pouco, mas fazem muito. Ouça no Spotify.
(*) Silvia Paladino é jornalista e escritora especializada em narrativas de não-ficção, com pós-graduação em Escrita Criativa pela Universidade de Berkeley, na Califórnia. É autora de três biografias de empresários brasileiros. Colaborou com veículos setoriais e da grande mídia, como Folha de S. Paulo, e foi editora de CRN Brasil, uma das maiores revistas de tecnologia do mundo. É sócia-fundadora das agências essense e Lightkeeper, e também editora do projeto Destino Paralelo.