Pandemia reduz 25% da receita dos clubes brasileiros com vendas para o exterior
Sem negociações internacionais, equipes passam dificuldades e mercado pensa em alternativas
A pandemia do novo coronavírus afetou de vez agora um dos segmentos mais importantes para o funcionamento dos clubes brasileiros. A atual janela de transferências do meio de ano deixou de ser um período movimentado de saídas de jogadores dos clubes da Série A do Brasileirão rumo ao exterior. Entre junho e o início de setembro deste ano, as equipes nacionais embolsaram 25% menos com negociações do que conseguiram no mesmo período do ano passado.
Segundo levantamento feito pelo Estadão no site Transfermarkt, especializado em monitorar negociações de atletas, a janela correspondente ao atual verão europeu tem sido muito tímida, para a tristeza dos brasileiros. Ao todo, os times da Série A embolsaram em 2020 cerca de R$ 713 milhões com as transferências de 44 atletas rumo ao exterior nos três últimos meses. No ano passado, o dinheiro movimentado foi de R$ 945 milhões com as saídas de 76 jogadores.
O impacto disso nos times do Brasil é enorme. Um estudo recente feito pela consultoria E&Y mostrou que em 2019, os clubes brasileiros da Série A tiveram 27% das receitas dependentes exclusivamente do lucro feito com a saída de jogadores. Nos orçamentos dos times nacionais, somente as cotas de televisão correspondem uma fatia maior, correspondente a 38% dos recursos recebidos.
"O cenário é preocupante. O futebol brasileiro vive uma situação caótica na parte financeira. A possibilidade de receitas diminuiu drasticamente", resumiu o diretor de futebol do Atlético-MG, Alexandre Mattos. Fora não conseguir vender atletas como era esperado, os clubes não têm receita de bilheteria porque precisam jogar com os portões fechados e passaram por perdas de patrocinadores.
Com experiência de 15 anos na profissão, Mattos disse que o principal problema da queda nas transferências é não concretizar vendas de atletas que geralmente estão pouco cotados. "A possibilidade de se vender algum titular sempre existe. Mas geralmente você precisa negociar jogadores pouco utilizados para se poder completar um projeto, atingir uma meta. Com a pandemia isso ficou inviável", explicou.
Fora a quantidade e a receita com as vendas ao exterior serem menores neste ano, em outro aspecto comparativo 2020 perde para 2019. No ano passado, o Santos fechou a venda de Rodrygo ao Real Madrid por cerca de R$ 281 milhões, na maior transação do período. Agora, a grande venda desta janela foi por um valor bem inferior. O atacante Éverton deixou o Grêmio rumo ao Benfica, de Portugal, por R$ 125 milhões.
Para um dos empresários mais atuantes do mercado, Marcelo Robalinho, a pandemia não mexeu apenas com as finanças dos clubes estrangeiros, mas atrapalhou até a dinâmica de como as operações são feitas. "Quando um time europeu vai fazer uma contratação importante, envia ao Brasil vários observadores para ver partidas presencialmente e até conversar com o jogador, para ver como ele age, qual é o comportamento dele e se vale fazer o investimento. Mas sem poder viajar, fica difícil", disse o agente, que tem 20 anos de atuação.
Segundo outro empresário do ramo, Giuliano Bertolucci, o volume de vendas do Brasil para o exterior só deve se normalizar daqui dois anos. "Os jogadores que se destacam nas competições já estão no radar dos grandes clubes, porém serão negócios pontuais para aquelas equipes com muita necessidade do atleta específico", afirmou ao Estadão.
POSSIBILIDADES
Os clubes europeus têm estudado formas de continuar a se reforçar, porém com o cuidado para gastar menos. Segundo a advogada inglesa Liz Soutter, especialista na área financeira do direito esportivo do escritório Effori Sports Law, um novo formato de operação está em alta. "Os clubes compradores estão atentos a esse contexto e utilizando modalidades de pagamentos parcelados feitos a partir de financimentos com bancos e investidores", contou.
Sócio do mesmo escritório, o advogado Nilo Effori avaliou que o mercado europeu continuará com postura cautelosa para fazer negociações ainda pelos próximos anos. "Existe uma grande insegurança na Europa sobre uma nova onda do coronavírus. Ninguém quer contratar um jogador caro. A quantidade de empréstimos gratuitos entre as equipes aumentou muito na Europa", disse.
Aos times brasileiros, uma oportunidade futura para compensar as perdas desta janela do meio do ano pode ser vender as revelações mais badaladas. De acordo com a estimativa do próprio site Transfermarkt, os atletas mais valiosos em ação no futebol brasileiro são Gabriel Veron, do Palmeiras, cuja multa rescisória é de R$ 377 milhões. O outro nome é o volante Matheus Henrique, do Grêmio, cuja multa contratual é de R$ 530 milhões.
Por não ser possível vender por um bom valor, a manutenção das principais peças pode ser uma boa alternativa. "Se eu não realizo mais as vendas pelos valores, consigo reter o atleta e formar uma equipe muito mais sólida para conquistar títulos importantes que também geram receitas para o clube, podendo suprir a lacuna de uma necessidade de vender", analisou Rui Costa, diretor executivo de futebol com passagens por Grêmio, Chapecoense, Athletico e Atlético-MG.