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Eduardo Freitas: o todo poderoso Diretor de Provas do FIA WEC  Foto: Paulo Abreu / Parabólica

Exclusivo: Conversa com Eduardo Freitas, Diretor de Provas do WEC

Aproveitando as 6 Horas de São Paulo, o Parabólica teve a oportunidade de conversar com Eduardo Freitas, Diretor de Provas do FIA WEC

Imagem: Paulo Abreu / Parabólica
  • Rodrigo Mattar
  • Sergio Milani Sergio Milani
  • Felipe Meira Felipe Meira
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5 ago 2024 - 08h00
(atualizado às 14h17)
Eduardo Freitas: o todo poderoso Diretor de Provas do FIA WEC
Eduardo Freitas: o todo poderoso Diretor de Provas do FIA WEC
Foto: Paulo Abreu / Parabólica

Normalmente, o Diretor de Provas acaba levando muitas das culpas das decisões tomadas durante as corridas. Ele tem a sua importância, mas acaba sendo na maioria das vezes um executor das decisões dos Comissários. Mesmo assim, tem muita força nos rumos de uma corrida.

Um dos principais nomes no mundo para este posto é o português Eduardo Freitas, 62 anos. Desde 2012, Freitas é o Diretor de Provas do FIA WEC, mas também atua em diversos outros campeonatos como o Europeu de Endurance, o Asian Le Mans Series e o TCR World Tour. Também foi um dos responsáveis pela gestão de parte das provas da temporada 2022 da F1, com conjunto com Niels Wittch.

Os fãs de Endurance conhecem sua voz de trovão em suas intervenções nos rádio durante as provas. E nos preparativos para as 6 Horas de São Paulo do FIA WEC, a equipe do Parabólica, com o auxilio luxuoso de Rodrigo Mattar, Milton Rubinho e Paulo Abreu, teve a oportunidade de ter uma conversa exclusiva com o dirigente. Uma conversa inicialmente prevista em trinta minutos que se desdobrou em mais de hora e será publicada aqui em duas partes.

Nesta primeira parte, Freitas fala da sua carreira, do processo de tomada de decisões durante as provas e sobre os motivos que levaram a repor o tempo das 6 Horas de Spa-Francorchamps do FIA WEC neste ano.

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Parabólica: Antes de tudo, obrigado por nos receber. Para começar, gostariamos de saber como foi que Eduardo Freitas chegou até aqui...

Eduardo Freitas: Primeiro, cabe esclarecer que não comecei direto nos karts. Desde garoto, sempre gostei de mexer em mecânica. E comecei a mexer em motores de motocicleta. Um dia, um amigo meu disse-me assim: "Há-me um convite para irmos mexer num motor a dois tempos de um carro". Quatro rodas não. Isto ia-nos dar em 1977, por aí.

E ele, muito amigo, tipo irmão, tem-se de vir. E eu disse, ok, vou. Entrei. A primeira coisa que me saltou à vista foi o fato da coroa estar presa direta no semieixo. Isto pode ser interessante...

Não tem embreagem, não tem caixa de câmbio, não tem nenhum sistema por meio, portanto a coroa estar presa direta no semieixo. Se é capaz de ser legal, por esse motivo, ou para os karts, foi o fato de não ter caixa de câmbio. E pronto.

Fui mecânico de karts por dois anos, no Estoril. Aliás, Eu moro muito perto do circuito Estoril. Eu costumo dizer, se estiver no circuito e tirar o freio de mão, estou na porta. Em linha reta, deve estar a dois quilómetros, talvez. E foi assim que começou.

E entretanto, com a história dos karts, como falo bem inglês, o piloto que eu trabalhava decidiu comprar um chassi. Estámos em 1979, decidiu comprar um chassi a um "pilotinho" inglês, da Zipkart, que era o Martin Hines, que foi campeão do mundo várias vezes (1983, 1991 e 1993)

Eu fui ao Estoril para comprar o chassi. Entretanto, consegui arranjar umas entradas para a bancada B, e fiquei na parte da frente da bancada, por cima de um posto de comissário. E passei o fim de semana todo ali, comprei o chassi e o guardei em casa.

Passei para o circuito e estava a ver o trabalho dos comissários, que eu, estando nas boxes, nunca me tinha percebido. Comecei a pensar, eu aqui não sujo as mãos, não me queimo, não tenho que andar a levantar o peso do piloto para pôr o motor a trabalhar. Achei que aquilo podia ser interessante e na segunda-feira, a seguir ao campeonato de 1979, Foi ganho por um holandês, Peter Koene. O Senna correu nesse campeonato. Foi vice-campeão mundial.

E então? Na segunda-feira foi o meu primeiro trabalho como comissário de pistas: Desmontar o kartódromo. Na altura tinha que se tirar os corretores da pista, que eram uns blocos de cimento, Tinha que se tirar e armar a palha por causa da chuva. E pronto, comecei por aí.

Depois fiz várias provas, sempre debaixo desse meu amigo, debaixo do olhar dele. E fiz tudo aquilo que você pode fazer num circuito, exceto cronometragem e a parte médica. A parte médica para não ter formação e cronometragem não é interessante. Não é muito meu estilo.

E fui comissário de pista, vulgar bandeirinha, não é?

E fiz tudo. Fui chefe de posto, chefe de setor, chefe de pista... Depois comecei a subir na hierarquia: Fui adjunto do Diretor de Corrida, Fazia sempre adjunto nas corridas internacionais por causa da tradução, incluindo o GP de Portugal de F1. Fiz N corridas com o Diretor de Corrida, já corridas em Diretor de Prova. Na altura não havia tanto a imagem do Diretor de Corrida.

E em 2001, o FIA GT veio aos Estoril, juntamente com o Campeonato Europeu de Turismo.

Na altura o Diretor de Corrida era o Jurgen Barth (ex-engenheiro e piloto alemão, vencedor das 24 Horas de Le Mans de 1977). E em Fevereiro de 2002, estava disponível para ser o Diretor de Corrida do FIA GT. A famosa frase, “a dream come true”.

"Pronto, vais fazer, mas é só um ano. Isto é assim, é só um ano, só precisamos de ir para um ano, fazes o Europeu de Turismos e fazes o FIA GT". Já vês, é só mais um ano do que nada. Pronto, cá estamos. Um ano que virou vinte e dois.

Parabólica: Até aproveitando esse seu crescimento, tem uma pergunta que até um colega nosso, que é também do Band Sports, que também faz parte até da parte de gestão de kart aqui do Brasil, o Ricardo Molina. Tem uma coisa que ele pergunta assim, dentro dessa linha, você vê que é uma coisa, um caminho, para ser um diretor de prova, é algo que se constrói ou é algo que pode ser, entre aspas, preparado. Ou seja, você tem uma escola para preparação de direção de prova ou é uma coisa que tem que ser exatamente uma evolução natural dentro do interesse da pessoa.

Eduardo Freitas:  Para mim foi o que eu fiz. Eu fiz de porteiro no Rali de Portugal, fiz N Serviços, Parques de Assistência em Rallys. Fiz quase tudo aquilo que se pode fazer na atividade de desportivo. Fiz quase tudo o que se pode fazer, menos cronometragem, e Parque Médico. De resto, não vejo nenhum serviço, até Piloto Safety Car já fiz. Isso dá um ganho enorme. E tenho pena de algumas que entram e querem ser logo Diretores de Corrida.

Depois falta desembaraço. Estar num Race Control e pedir a um comissário para fazer qualquer coisa que eu não seria capaz de fazer, será algo que eu nunca farei. Porque felizmente tenho essa formação, digamos assim. E acompanho muitos comissários e quando posso, também lá estou a dar parte. Porque é preciso ser à base, é preciso estar na realidade para conseguir comunicar com eles. E pronto, eu fiz a minha carreira assim.

Há outros que pretendem fazer a carreira de uma maneira diferente, começar logo por cima. Eu acho que não deve ser assim. Acho que a pessoa tem que passar por vários estágios para compreender o que é a gestão da pista, para compreender o que é impossível de pedir, onde é que vou pôr o comissário em risco, como é que eu consigo proteger o comissário, como é que eu como comissário vejo a situação.

Isso é um ganho para quem está no Race Control porque nos permite comunicar de maneira diferente. E não é a primeira vez que meto no carro para ir ao local explicar qual é a melhor maneira de fazer. Muitas vezes é tudo uma questão de comunicação. Pegar mal, são quatro pessoas a pegar trabalhos conforme como duas pessoas fazem. Mas se não souberem a técnica, não acaba-se perdendo: acaba por meter quatro pessoas, estragam e não conseguem fazer.

Portanto, eu tivesse o privilégio de ter uma formação de 18 anos em que permitiu-me ir acumulando informação que hoje uso não só para formar gente. Mas também, quando está em ação, para poder saber o que é racional, o que é que é lógico.

Parabólica: Sim, aliás, até para uma observação, então, aqui o nosso fotógrafo, ele também já trabalha aqui em Interlagos como comissário em outras posições, até por uma coisa que ele até, quando soube que a gente ia ter aqui, ele fez questão de vir também para fazer o registro, que até você comentou, na prova de 2014, que houve uma intervenção que foi aqui no Laranjinha, eu não lembro exatamente, foram dois GTs, não lembro se foi, teve um enrosco, e eu lembro que a pessoa que estava no posto reportou, e você pegou e perguntou pra pessoa o que realmente havia acontecido, pediu a opinião dela, porque normalmente aqui no Brasil a gente só reporta, mas não perguntam para a gente a opinião.

Eduardo Freitas: Se voltarmos a 2014, a cobertura de vídeo no circuito era feita pela televisão. A cobertura da televisão, que é muito boa em casos, do ponto de vista da análise desportiva, muitas vezes induzem erro. Eu dou-lhe vários casos que na televisão é uma coisa e no CCTV é outra.

O circuito, por motivos vários, nunca teve um CCTV permanente. E, para ter feito essa pergunta, deve ter perguntado primeiro no Race Control quem é a pessoa e qual experiência que tem. Porque faltavam elementos para poder completar a decisão.

Quando temos CCTV, puxa para trás, puxa para a frente, vai a outra câmara, às vezes vai a uma câmara mais longe, porque se vê no campo da imagem. Quando é a televisão, às vezes estão a filmar num ângulo certo, às vezes estão a filmar num ângulo que não nos serve rigorosamente para nada. E se o comissário é alguém experiente, eu não tenho problema em perguntar qual é a opinião dele.

Por quê? Porque isso ajuda depois a fazer a decisão lá em cima. E o comissário que está há 15 anos a trabalhar no mesmo posto pode-me dizer: não, porque com este carro nós entramos na curva desta maneira e ele entrou exatamente ao contrário, portanto, tinha sempre de dar mal.

Portanto, ter a opinião de um comissário de pista para nós é um ganho. Embora cada vez se peça menos, eu ainda uso, ainda trabalho dessa maneira, então pergunta lá qual é a opinião dele. Porque a partir de um comissário é um pouco como polícia, relata o que vê.

A opinião da polícia é um bocado arrogante. Ela é suposta a relatar aquilo que vê. E depois o juiz é que vai criar uma opinião. Agora, se eu tenho alguém que tem 20 anos naquele posto, e que já fez 35 corridas de GTs naquele posto, a opinião dessa pessoa tem algum peso, tem algum valor.

Nem sempre é uma escolha, depende. Muitas vezes depende até da maneira como aqui, como tenho a vantagem de entender as comunicações e na altura não havia as fontes, a maneira muitas vezes como o comissário relata a situação, provoca-me perguntas. E não é raro eu perguntar, em países onde domina a língua e ouça as comunicações, Ele que repita isso de outra maneira.

Vamos refrasear a afirmação. Para perceber qual é o feeling depois que conseguimos perceber o feeling do comissário. E se insistirmos muito conseguimos a opinião do comissário.

E faço isso. Uso esse jogo especialmente quando não tenho meios. Hoje em dia com os meios que temos no Race Control é muito mais a tecnologia que nos dá a informação do que o feeling do comissário. Agora, tendo alguém no local que tenha experiência e que possa dar o seu feedback, seria uma estupidez, pelo menos, não o ouvir.

Não quer dizer que seja daí que vá partir a decisão. A decisão, normalmente, é composta pela adição de vários elementos. Agora, se eu consigo ter algo para meter mais na equação que me vai ajudar a tomar uma melhor decisão, por que não aproveitar?

Parabólica: Aqui o FIA WEC conta com o Yannick Dalmas, que dá esse apoio. Ele dá a perspectiva dele do ponto de vista de piloto?

Eduardo Freitas: Ele é um piloto experiente, ele fez Fórmula 1, é o único piloto no mundo que ganhou o Le Mans com 4 construtores diferentes. Portanto, ele dá-nos a opinião, ele dá-nos o feeling dele, de que se o piloto nos está a puxar a perna, ou se o piloto está efetivamente a falar a verdade, ou, mas porque é que você freou 50 metros mais tarde, se o ponto de freada é aqui, neste carro freia-se aqui, porque é que você foi freiar ali? Ou porque é que freiou 50 metros mais cedo?

Ele tem esse feeling, que nós não pilotos, que eu nunca liguei a caixa de poeira. Ou melhor, nunca competi, é mais o que eu quero dizer. O meu feeling é diferente do feeling de alguém que já competiu.

Em sentido horário: Eduardo Freitas, Rodrigo Mattar, Felipe Meira e Sergio Milani em Interlagos
Em sentido horário: Eduardo Freitas, Rodrigo Mattar, Felipe Meira e Sergio Milani em Interlagos
Foto: Paulo Abreu / Parabólica

Parabólica: Então nesse caso é porque a gente, assim, na questão de cultura, nós estamos acostumados a acompanhar mais a Fórmula 1. Então ficamos muito com essa visão de sempre colocar um ex-piloto também nessa figura. Então, já até colocou, inclusive, um brasileiro. Então, ele dá a visão, participa. Então, acaba funcionando aparentemente da mesma forma: Ele dá a informação dele, mas a decisão acaba sendo dos comissários.

Eduardo Freitas: Isto, no fundo, acaba por ser como um tribunal. Quer dizer, é só uma das evidências todas que vai dar o veredicto do juiz. Aqui é só uma das declarações do piloto, é só um dos relatórios dos comissários, é só um relatório feito pela direção de prova. E depois, agora tendo essa ferramenta que é o Driver Advisor, também é um elemento importante na decisão.

Nenhum destes elementos tem capacidade para poder ser o fator decisivo por si só. Portanto, tendo mais meios, há que explorar os meios todos.

Mas todos juntos podem levar que a decisão vá mais para um lado ou vá mais para um outro. E hoje em dia, vessem algumas decisões mesmo escritas, é maioritariamente culpado. Não é a única razão, mas ele é que tem a maior parte da...

Parabólica: Acaba levando para isso... Então, já puxando essa linha, existe essa diferença de abordagem tanto da direção de prova quanto do comissariado em relação à dinâmica de prova? Porque, assim, nós temos provas aqui, nós estamos falando do WEC, do Europeu, que são provas de quatro, seis horas, de maior duração. Mas, por exemplo, no caso da Fórmula 1, há uma diferença de abordagem ou é uma questão sempre de, como assim, do bom senso? Independente da duração da prova e da abordagem, porque depende também dos jogadores.

Eduardo Freitas: A lógica manda que haja bom senso. Seja numa corrida de montanha, seja numa corrida de carros que são um grande prêmio de Fórmula 1, é importante que o bom senso impere. Não é só porque agora é aquilo, vamos a isto. Não funciona assim. Portanto, tem que haver sempre bom senso.

O problema que se tem, muitas vezes, é que existem dados que são consultados e são utilizados que nem sempre, por motivos diversos, nem sempre são tornados públicos.

Na grande parte das vezes, sabe-se a decisão de quem quiser ler o teor completo, vai ter que ler a ata todo do tribunal, que é... Todo o processo. Estamos a falar, às vezes, em 300 ou 400 volumes. Portanto, o resultado final foi aquele. Mas o bom senso manda que tudo seja tido em linha de conta para a decisão. E sem regressá-lo a todos os campeonatos.

Parabólica: E sobre essa questão do bom senso, cabe aqui a gente falar exatamente da corrida de Spa-Francorchamps, onde, acho que de forma inédita na história da competição, um tempo de uma bandeira vermelha foi reposto. Isso é uma prerrogativa que a gente gostaria de entender e clarificar, que você nos clarificasse. Essa é uma prerrogativa existente no regulamento, você deu uma palavra final, houve uma consulta, como foi aquilo?

Eduardo Freitas: A nível do WEC, isto funciona da mesma maneira que os carros têm uma equipe de pilotos, nós aqui temos uma equipe no Race Control e uma equipe na sala dos comissários. O trabalho no WEC é todo ele em equipe. Ou seja, uma equipa formada entre a FIA e o ACO, ou seja, é daqui funciona tudo em equipe. Portanto, o WEC não é o piloto, é a equipe de pilotos, a equipe do carro 728.

O que se passou em Spa, foi produto de uma prova já há vários anos no Japão, em que, por motivos de meteorologia, não se conseguiu fazer a corrida. 2013. Cada vez que se tentou recomeçar, começava a chover outra vez.

E então, chegou-se à conclusão: ok, porque não garantir que, se a corrida dura 6 horas, porque não garantir que, não passando as 6 horas de corrida, de parada, de corrida, porque é que não arranjamos uma cláusula na regulamentação que nos permita deixar passar a tempestade? E a seguir, fazer o que falta da corrida.

Não foi com base numa reparação de raios, foi com base numa perspectiva de meteorologia que a ideia aparece. E isso já está nos regulamentos, penso eu, desde 2014.

Foi a primeira vez que foi usado? Foi. Não foi a primeira vez que tivemos uma interrupção tão longa. Agora, não se pode partir daí para dizer que agora vai ser sempre assim.

Parabólica: É isso que a gente gostaria de saber.

Eduardo Freitas: É muito mais amplo do que parece. Nós temos policiamento na rua, por causa do trânsito. Será que a polícia pode ficar mais duas horas?

Parabólica: São questões que precisam ser levantadas. Tem questão de luminosidade.

Eduardo Freitas: Estamos num país onde há limitação de ruído. Podemos passar aquela hora a fazer barulho? As equipes médicas podem ficar, ou têm serviços já marcados. Comissários têm disponibilidade para ficar, ou se chegam ao circuito muito cedo de manhã.

Aqui (Interlagos), por exemplo, sei que o pôr do sol aqui andará perto das 5:50 da tarde, que é 20 minutos depois da bandeira de chegada.  O circuito não tem condições para correr à noite? Não, não tem.

Ok, portanto aqui seria sempre um cenário muito difícil, não sei que a corrida começasse às 9 da manhã. Portanto, temos outro problema que muita gente pode não se lembrar, mas as retiradas de pilotos são feitas por helicóptero. Será que se eu acabar a corrida, àquela hora o helicóptero pode levantar voo e aterrizar no hospital? Muitos helicópteros não vão à noite.

E à noite, o helicóptero é ao pôr-do-sol geográfico. O helicóptero, tendo em conta o trajeto que tem de fazer, tem de fazer as contas. Ele não pode pular sem ter a certeza que é terra antes do pôr-do-sol geográfico. Com agravante no parque do hospital, nenhum helicóptero pode ficar.

Portanto, tem que ter tempo de decolar do circuito, aterrar no hospital, descarregar o piloto e voltar ou ir para outro lugar qualquer. Portanto, são uma série de fatores que têm que ser conjugados, que não se conseguem, isto não se decide em 10 minutos.

Parabólica: Aquela vez acabou que deu certo. Em Spa foi possível pela luminosidade.

Eduardo Freitas: Sim, mas o tempo todo o pôr-do-sol na Europa, nesta altura do ano, é bastante mais tarde.

Como o país está mais a norte, tem um pôr-do-sol mais tardio, com a posição da Terra em relação ao Sol, quer dizer, tem o número de consultas que é preciso fazer, falar com bombeiros, falar com polícia, tem que falar com N entidades que estão envolvidas, para poder perceber se é possível ou não retrasar a bandeira de xadrez.

Eduardo Freitas no grid das 6 Horas de Xangai de 2013
Eduardo Freitas no grid das 6 Horas de Xangai de 2013
Foto: FIA WEC

Parabólica: Quer dizer, por mais que tenha desagradado, e certamente algumas equipes não ficaram contentes com aquela decisão, prevaleceu, tipo, vamos poder continuar? Se houve a garantia, continuou-se, não é?

Eduardo Freitas: Podendo fazer seis horas de corrida, é que vamos limitar a quatro, ou a três, ou a duas.

Ainda para mais o revoamento (voo de helicópteros), tem essa possibilidade. Não significa que se vá acabar as 24 horas de Le Mans na segunda-feira às 9 da manhã. Não está de todo na equação.

Mas a ideia é, entramos com uma corrida de seis horas e agora fazemos 20 minutos e vamos embora? Não. Não é para isso que as equipes treinam, não é para isso que os patrocinadores cá estão.

Parabólica: É para isso que o público está esperando uma coisa de 100 dólares?

Eduardo Freitas: O que levou ao atraso foi uma reparação que correu mais difícil. Eu estava no local.

Parabólica: Nós vimos, a televisão mostrou.

Eduardo Freitas: Tentou-se várias soluções e havia dois apoios de guard rail que, curiosamente, não queriam entrar.  Agora os apoios têm que ser colocados a dois metros, senão são obrigados a ter que movimentar a parede. Pensou-se em várias soluções, de colocar uma solda, de meter isto, de meter aquilo. Soldar não dava, porque atrás é uma base e a solda não prende.

Tentou-se ali encontrar outras soluções alternativas. E aí surgiu a hipótese, mas nós temos esta privativa do regulamento, atrasar o momento da bandeira quadriculada, desde que em competição não haja mais de 6 horas.

Parabólica: Um pouco falando mais em relação a Le Mans, uma coisa que até o Mattar sempre fala: em Le Mans não existe. Até eu acho que existe uma prerrogativa no regulamento, mas não existe.  A questão de se colocar bandeiras vermelhas, porque a gente tem horas e horas como foi na elevação da bandeira de corrida.

Eduardo Freitas: A bandeira vermelha está regulamentada.

Parabólica: Mas ela nunca foi implementada em corrida até hoje.

Eduardo Freitas: A bandeira vermelha é, no fundo, juridicamente é a pena mais alta, não é?

Parabólica: Sim, sim.

Eduardo Freitas: É preciso haver um grande problema de segurança para que a bandeira vermelha saia.

A pergunta pode ser feita ao contrário : Houve alguma coisa durante esse período de safety car que opusesse os pilotos em perigo? Que justificasse a bandeira vermelha? A pergunta pode ser feita assim?

Parabólica: É, porque, assim, teve ali a hora da batida da BMW, né?

Eduardo Freitas: Que talvez em outras corridas fosse um procedimento para colocar a bandeira vermelha ali em Le Mans e se manter por, não sei, duas horas ali. Uma batida na Pouhon ou em São Paulo pode ter um desfecho diferente no nível de direção de prova do que de uma batida na curva 7. Tem a ver com os meios que estão no local: Como é que os meios entram e saem no local ?

Em circuitos urbanos a bandeira vermelha salta muito mais, porque não há vias de serviço. Portanto, é mais frequente uma bandeira vermelha num circuito urbano, não permanente, do que num circuito permanente. Portanto, tem muito a ver com o circuito, com a perceção que o diretor de corrida tem do circuito, que tem muito a ver com as condições de um lugar onde acontece o acidente.

São muitos fatores que são tidos em linha de conta, embora a decisão seja relativamente rápida, mas são muitos fatores que são tidos em linha de conta. A minha decisão em Spa começa por um safety car, e quando a televisão muda o ângulo passa para a bandeira vermelha. Há aqui 15 segundos de diferença.

Porque na primeira imagem que eu tenho, eu não tenho a verdadeira grandeza do acidente. Quando percebo a grandeza e a violência do acidente, aí é que passo para a bandeira vermelha. Porque, muito provavelmente, o Cadillac iria precisar de uma intervenção mais séria do ponto de vista da distração do piloto.

Felizmente, toda a construção dos dois carros funcionou. Acho que destruiu a pista toda, mas o que é importante é o ser humano lá dentro. Ambos os pilotos saíram por seus próprios meios. O resto é uma questão de chapa e tempo.

Portanto, a decisão da bandeira vermelha também tem um bocado a ver com a percepção que quem decide tem do acidente no momento em que ele acontece.

Tinha feito uma pergunta entre a decisão de uma corrida de sprint e a decisão de uma corrida de Endurance. Eu fiz o campeonato brasileiro ao campeonato mundial de marcas, o WTCC. Estamos a falar de corridas de 20 minutos, 25 minutos. Estamos a falar de um sprint puro e duro. Aquilo, dois décimos, mais vale parar ao carnaval, que chegar não vale a pena. Não tem hipóteses e buscar.

O Endurance tem sempre... Pode haver um safety car, pode correr mal num pitstop ou outro. Portanto, há outros fatores que podem ajudar a prejudicar os pilotos, dependendo de que lado é que se está. Em sprint, nós não temos tanto tempo para revisualizar as imagens, para perceber “Para que sentido é que vamos?” Tem que ser tudo muito mais intuitivo.

É Endurance, felizmente. Temos mais tempo, mesmo para ver as situações em pista, antes de passar para o colegiado. Nós fazemos um pacote com as imagens todas, calmamente, para eles terem tempo de avaliar. Em sprint, quando é para dar um drive-through, tem que ser na hora mesmo.

Parabólica: Acho que também outra pergunta que é legal de fazer é sobre o final de Le Mans, na hora que a porta da Ferrari abriu, que teve ali um drama muito grande, né?

Eduardo Freitas: Pra eles? Não, não foi drama nenhum.

A porta no lado do condutor, que o piloto parou o carro sem perguntar a ninguém. Por quê? O Descanso de Cabeça está na porta. Se a porta está aberta, o piloto não está segura para parar. A porta do lado oposto, aí já é diferente.

Aí perguntei. Não sou técnico, embora gostasse muito de mexer com motores, estes carros são construídos num mundo completamente diferente daquilo que era o meu mundo da mecânica na altura. E também já passaram algumas semanas.

Eu vejo a porta aberta e pergunto ao técnico, como é que é a relação ao carro? Isto é estrutural? Ele diz-lhe, sim, é um elemento de segurança. Então, Bandeira preta e negra, preta e laranja.  Logo, sem contestação.

Se for um farol que falta, estamos durante o dia, repara no próximo pitstop. Há peças do carro que têm que lá estar para garantir a segurança do piloto.

Parabólica: O espelho retrovisor, por exemplo.

Eduardo Freitas: Em certos carros é uma redundância, porque eles usam mais a câmara do vídeo.

Parabólica: Sim, mas houve o caso, por exemplo, na prova de Barcelona, do campeonato europeu, que a peça caiu e teve que pôr a porta. (Carro de Takeshi Kimura)

Eduardo Freitas:  Há mais tolerância aí do que em certos elementos do carro, que para nós são elementos de segurança, e aí é melhor parar.  Mas isto sempre com consulta?

Sim, à parte técnica, porque eu não sou técnico. Não sei fazer técnico nos tempos de cartas, medir as vias e tal, para dar um aspecto que tem que perceber da coisa, mas o tipo de tecnologia que é aplicada aqui, a maneira como os carros são construídos... Isso vai muito para além do meu conhecimento técnico. Tenho uma ideia de como é que funciona, mas não é suficiente para muitas vezes tomar uma decisão consolidada.

Aí a solução é perguntar a quem sabe. Temos uma excelente equipe de técnicos que acompanharam tudo o desenvolvimento desta regulamentação para os carros que temos hoje. Eles, muito melhor do que eu, sabem dizer se aquele bocado para lá, mas é uma peça fundamental ou se pode ser reparado no próximo dia.

Parabólica: E logicamente isso se traduz numa via de mão dupla entre os comissários da direção de prova e as equipes. Porque acho que ambos se comunicam o tempo inteiro, não?

Eduardo Freitas: Tudo isto funciona em equipe. Nós a nível direção corrida, nós com os outros oficiais de prova, nós com os times e nós com aos times e com os pilotos. Isto só funciona se trabalharmos todos juntos em equipe.

Parabólica: Todos em equipe?

Eduardo Freitas: Todos em equipe. É assim que o WEC funciona.

Eu lembro-me de em Austin ter havido um LMP na altura que teve um problema complicado de chassi. Às 11 da noite, os dois concorrentes principais estavam lá a ajudar-lhe a dar peças. Na pista, não há ajudas para ninguém. Fora disso....

Parabólica: E a questão, Eduardo, da abordagem, por exemplo, que alguns pilotos fazem com relação, por exemplo, você tem o tráfego, logicamente, cada um tem que gerenciar a sua corrida, e há pilotos que têm reclamado da conduta de alguns carros mais rápidos, talvez do Hypercar, uma abordagem mais agressiva nas ultrapassagens. Mas desde que eu acompanho o Endurance, desde as outras regulamentações, sempre os pilotos tiveram que fazer as ultrapassagens. Mas como é que você gerenciou isso, do comportamento bom ou mal de pilotos na pista?

Eduardo Freitas: No caso de Le Mans, existem 4 corridas ao mesmo tempo. E cada uma dessas 4 corridas tem que fazer o seu corrido. E elas têm que aprender a conviver juntas.

Os pilotos dos Hypercars com certeza queriam que eu dissesse que os GTs andam sempre do lado esquerdo e não saem do lado esquerdo.  O que é dito aos pilotos é, compete ao piloto mais rápido saber qual é a maneira e o sítio mais seguro para ultrapassar o piloto mais lento. Se o piloto lento estiver na trajetória, o piloto de trás sabe de onde é que ele vai.

Se eu digo ao piloto que quando aparecer um Hypercar, tu chegas a estar à direita ou chegas a estar à esquerda, esse piloto começa a ser imprevisível. Não só para mim, mas para os pilotos.

Para mim é indiferente, porque estou sentado numa cadeira, com televisões, ar-condicionado e às vezes até me oferecem café... (risos) Os pilotos na pista é diferente, aquilo passa-se tudo muito depressa.

O que eu lhes digo no briefing e é transversal aos campeonatos todos, é: O piloto mais lento fica na trajetória. E compete ao piloto mais rápido para encontrar a sua maneira a volta dele. Ok?

Ainda ma semana passada em Imola, tive um piloto da LMP2 que me disse, “mas a gente podia dizer aos pilotos que entre a curva tal e a curva tal eles ficam sempre a esquerda”. Excelente ideia.

Temos dois GTs em guerra e dois LMP2. Os GTs saem de trás para ultrapassar, o LMP2 bate na traseira e quem é o culpado. Passa a ser o GT porque eu disse que ele só podia andar do lado esquerdo. Agora se você andasse num GT gostaria? Não. Pimenta no do outro é referência.

Tudo isto faz parte do Endurance, esta diferença. Diferença de andamentos, diferenças de pilotagens. Diferença também da performance do piloto, se é mais rápido ou não. Começar com as ultrapassagens à 8ª volta, tudo isto faz parte daquilo que é o encanto do Endurance.

Parabólica: É tudo em equipe, é um trabalho de equipe realmente. Hoje, é que ele se utiliza da estrutura que a FIA tem na Suíça, que seria a sala de controle remota?

Eduardo Freitas: Essa sala, neste momento, só está preparada e só tem as condições para a Fórmula 1. Por quê? A operação dessa sala é uma operação complicada. Não é uma chamada do WhatsApp daqui à Suíça. Estamos a falar em reproduzir na Suíça os onboards, as CCTVs, tudo isso.

Estamos a falar de um fluxo de dados colossal, em tempo real, que requer meios no circuito de transmissão e requer todo um esquema até lá chegar bastante complexo. É uma máquina bastante pesada, foi um ganho. Felizmente a FIA trouxe para o desporto motorizado, mas por enquanto só se adapta à realidade da Formula 1. Não sei se daqui a 1, 2, 3, 4 anos o WEC também vai ter o seu próprio centro.

Parabólica: Toda a parte da direção, o Race Control fica no circuito...

Eduardo Freitas: Temos que adequar aquilo que pretendemos fazer com o campeonato. É em função daquilo que são os meios, possíveis, onde acabam de ser os orçamentos de cada campeonato. Eu não posso pedir a um FIA/ACO para ter orçamentos do nível que tem na Fórmula 1, até porque é um campeonato que está nesta altura em fase de crescimento, é um campeonato que requer investimento noutras zonas, antes de conseguirmos chegar aí. No mundo ideal, era cada campeonato ter 3 bilhões de euros para gastar em tecnologia.

Isso seria o mundo ideal, mas não é real. Não é real porque não existe, não é exequível.  Portanto, não sei se daqui a 1, 2, 3 anos o FIA/ACO vai poder utilizar o Centro Remoto também, porque a nível de Race Control é uma grande ajuda. Porque o Race Control pode se concentrar em detalhes, e ao invés de sermos 4 como somos aqui, acabam por ser 8. Obviamente, com 8 pessoas vem melhor do que 4, não é?

Portanto, acaba por ser um alívio e uma ajuda grande à direção de corrida, e é uma ideia fantástica e bastante positiva, traz um ganho à análise dos incidentes de corrida.

Parabólica
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