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30 anos sem Senna: e se o atirador realmente existisse?

Várias teorias surgiram sobre a morte de Ayrton Senna e seguem a todo vapor 30 anos depois. E se o atirador de Imola realmente existiu?

1 mai 2024 - 09h00
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Assassinado? Esta é uma das teorias que surgiram pela morte de Senna
Assassinado? Esta é uma das teorias que surgiram pela morte de Senna
Foto: F1

Tarde calma em Zagreb. Sentado em um dos cafés do Centro da capital croata, vejo a beleza da arquitetura antiga em meio à agitação cosmopolita. Bebo meu café, pensando no que me meti. Logo, minha cabeça voltou uma semana antes em um escritório brasileiro…

- E se uma teoria da conspiração fosse realmente verdade?

Foi assim que meu editor começou a conversa. Sabendo que eu era um louco por automobilismo, me chamou para fazer aquela que ele chamava de “a história da minha vida”.

Segundo ele, um amigo lhe deu a oportunidade de ter contato com um homem que dizia que teria assassinado Ayrton Senna em Imola. Essa conversa surgiu logo depois de tudo e até hoje circulam nas redes. Sinceramente, nunca engoli esta história.

Meu editor também não engolia muito, mas como chegava a hora de mais um Primeiro de Maio, resolveu dar trela. E atendendo a um pedido desse homem, queria uma reportagem pessoal. Segundo o intermediário do meu chefe, a “história era quente”. Como este amigo já havia lhe salvado a pele algumas vezes, seguiu a sua intuição e comprou a história.

Já reclamava de ganhar pouco e iriam gastar um dinheiro mandando alguém assim para a Croácia? Meu editor respondeu que teria que fazer também uma matéria para a parte de Turismo, falando das maravilhas da capital croata, que era bem barata para os padrões europeus. Como tinha uma verba sobrando de um patrocinador, a solução foi essa.

Não seria ruim fugir um pouco da rotina extenuante, mesmo tendo que encarar mais de 12 horas de avião e conexões sensacionais. Desta forma, lá fui eu juntar minhas coisas na mala e embarcar para os Balcãs….

Repassando tudo, era uma mistura de roteiro de espionagem com um daqueles encontros marcados em aplicativos. Simplesmente me foi informado onde deveria ir e qual horário. Na mensagem enviada por meu editor, vinha assim: Leia um jornal e aguarde. Ele vai te encontrar.

Os cafés de Zagreb trouxeram grandes emoções...
Os cafés de Zagreb trouxeram grandes emoções...
Foto: embark.org

Exatamente às 16:30h, um senhor alto e magro, muito bem vestido, com uma pasta 007, vem do nada e senta-se à minha mesa. Me saúda e pergunta meu nome. Surpreso, confirmo. Ele se ajeita e diz “Prazer, sou a pessoa que você esperava. Prepare-se, pois hoje você será meu convidado e falarei algo que não aguento mais trazer comigo. Um amigo me convenceu a falar e estamos aqui hoje. Mas você só vai ver. Não tire fotos de nada do que lhe mostrar”.

O homem se apresenta. Se apresenta como Ivan Stepanovic. E diz que procurou um brasileiro porque se sentia em dívida com Senna e o seu povo. Com 60 anos, se dizia um “pacato homem do campo”. Mas começa a desenrolar sua história: era oficial do Exército Iugoslavo e competiu como atleta em competições de tiro e esqui. Chegou a ser convocado para o time olímpico local para os Jogos de Inverno de 84 sediados em Sarajevo, mas ficou como reserva.

Ainda no Exército, começou a fazer alguns trabalhos por 'fora' para sobreviver e atender ao interesse do Regime e dos países da Cortina de Ferro. Mas o salto se deu com a explosão da guerra étnica na Iugoslávia. Para retirar sua família da linha de tiro e das agruras das batalhas, aceitou se tornar mercenário. Mas não conseguiu se livrar daquilo.

“No início, foi necessidade. Queria salvar minha família (esposa e uma filha) e consegui logo mandá-las para fora. Fiquei sozinho e a dureza da guerra me mudou muito: Passei a ser uma pessoa fechada, muito materialista. Um autômato. Mas como era bom em atirar, meu trabalho se expandiu”.

Expandir significava ser um mercenário profissional. Com uma boa reputação rapidamente construída, passou a aceitar diversas missões pelo mundo. Era simples: se o cliente pagar bem, o serviço estava feito. E assim foi.

Neste momento, ele poe a mala na mesa e faz menção de abri-la. Confesso que gelei de medo e isso ficou claro em meu rosto. Fui de moreno a pálido mais rápido do que uma Ferrari arrancando. Afinal de contas, o que um mercenário profissional poderia ter dentro de uma mala? Ele percebeu e logo diz para ficar tranquilo:

- “Calma. Entendo porque você ficou nervoso. Em outras ocasiões, seria para desempenhar minha função. Mas decidi há muito deixar de fazer mal aos outros”

Ele mexe e começa a mostrar fotos suas do tempo do Exército e nas competições como esquiador. Bem também de sua família, em uma era muito mais calma e bucólica. E seguiu com seu relato.

As coisas iam muito bem até que veio o que ele considerou o trabalho mais importante da sua carreira. Em janeiro de 1994, Ivan recebeu o contato de um cliente. Era alguém com quem trabalhara antes e pagava muito bem. Mas disse que era “coisa pesada”.

“Marcamos em um café no Chiado, em Lisboa”, lembra Stepanovic. “O meu cliente falou que representava um grupo que queria eliminar Ayrton Senna. Na época, não acompanhava corridas, mas obviamente o conhecia. A explicação é que muita gente que participava da estrutura da F1 (e está ligada de certa forma até hoje) se incomodava com a possibilidade de Senna se tornar um recordista absoluto na categoria”.

“Além disso, Senna também ameaçava abrir alguns segredos das negociações da F1 por conta da mudança de regulamentos para aquele ano. Era isso que realmente os incomodava. E foram me oferecidos 2 milhões de dólares para o serviço”.

“Meu cliente perguntou se eu aceitava. Diante daquela cifra, bem acima do que normalmente recebia, resolvi aceitar, embora ainda não acreditasse. Era uma quantia que me permitiria deixar tudo. E pediu que aguardasse, pois, um novo contato seria feito em breve para detalhar tudo”.

15 dias depois, o novo encontro aconteceu na cantina Cavallino, próxima à fábrica da Ferrari, em Maranello (Itália). Seu cliente falou que Senna deveria ser morto durante uma corrida ainda no início do ano, conforme fosse seu comportamento. E detalhou a proposta: Ivan receberia um sinal de US$ 500 mil para garantia, US$ 500 mil uma semana antes da corrida em que o serviço fosse feito e o restante após a execução.

Nesta mesma conversa, a ideia dos cérebros do plano era fazer o serviço em Imola, pois no Brasil seria muito óbvio e no Japão, o local onde seria a prova seria difícil para escapar com facilidade por conta da localização do circuito de Aida.

Perguntei se ele sabia quem eram as pessoas envolvidas neste ardil. Ivan respondeu que sabia, mas que, por uma questão ética, não poderia responder. Deu um gole em um copo d’água e continuou seu relato.

“Perguntei ao meu cliente: por que fazer durante uma corrida? Não seria mais fácil derrubar o avião, mexer no carro ou aproveitar algum descuido no deslocamento? A resposta que recebi foi que, após as ameaças que recebeu de sequestro no Brasil em 1990, Senna montou uma rede de segurança bastante presente, mas não aparente. A melhor forma seria fazer em uma corrida, onde este aparato não poderia atuar”.

Já que o serviço fora aceito, Stepanovic deixou tudo o que estava fazendo e começou a estudar qual seria a melhor arma para realizar o trabalho. Após vários dias de pesquisas e cálculos, Ivan foi até Donetsk (Ucrânia) para visitar uma figura determinante no processo: o especialista em armas Vladmir Timorochenko.

Timorochenko, conhecido como “Mira Certa”, era um ex-oficial do Exército Vermelho e mesmo antes do desmantelamento da União Soviética, atuava no contrabando de armas. Além do comércio, desenvolvia alterações em armas para melhorar o seu desempenho.

Nesta visita, “Mira Certa” mostrou o seu novo projeto a Stepanovic, um de seus melhores clientes: uma carabina calibre 12. Mas não era uma carabina qualquer: possuía uma mira laser conectada diretamente com uma rede de satélites espiões russos, o que tornava a possibilidade de erro quase nula.

Para ajudar a precisão do tiro, “Mira Certa” desenvolveu projéteis revestidos com uma substância especial, mas que tinham que ficar resfriados em um recipiente especial com hidrogênio líquido, em baixíssimas temperaturas. Por isso, ele a apelidava de “balas de gelo”.

Stepanovic tinha uma relação com Timorochenko estritamente comercial. Porém, neste caso, ele se sentiu impelido a entrar em mais detalhes: Após matarem 1 garrafa de vodka, os dois homens estreitaram o contato. Ivan não falou quem era seu alvo, mas disse que “teria que atirar em algo em alta velocidade”. E “Mira Certa” decretou que sua obra-prima seria perfeita para o caso.

A ocasião e a arma estavam certas. Mas e o local? O cliente entrou em contato dias depois e marcou mais um contato. Um telegrama dizia: “Dia 15/02, veja anúncio no alto da página de esportes Corriere Della Sera. Ligue telefone indicado e diga Sou Eu. S”.

No dia 15 de fevereiro, Stepanovic deu um jeito de catar o periódico italiano. Após rodar várias bancas do centro de Madri (uma de suas bases), o croata achou uma edição e ao ver a página de esportes, viu um único anúncio de “Passeios exclusivos por Monza”. Pegou um telefone público e ligou para o telefone indicado. Ao dizer a senha, uma voz falou: “venha para Milão amanhã. Você terá uma reserva em seu nome do voo da Alitalia em Barajas”.

A cada virada, eu ficava impressionado. Era uma história muito estranha, saída de um daqueles almanaques de espionagem que lia quando era garoto. Mas a frieza daquele senhor, que falava um inglês com forte sotaque eslavo, dava cada vez mais credulidade àquela narrativa.

Mais uma vez, abre a mala e me mostra a edição do Corriere della Sera com o tal anúncio. Aproveita para pedir um café com waffles antes de prosseguir a história.

Stepanovic vai para Milão e é recebido em Malpensa por um motorista. Entra em um Lancia Thema preto. Nele, está um homem que o venda. E por cerca de 2 horas circulam. Param em um estacionamento completamente vazio e Stepanovic se vê à frente de seu cliente.

No meio daquele descampado e um calor forte, o croata recebe um envelope e seu cliente diz: os treinos de pré-temporada acontecerão em Imola de 7 a 11 de março. Aqui está um passaporte falso e uma credencial de imprensa para você poder andar sem problema algum e fazer o estudo para o serviço. Dali a alguns dias, Ivan seria Vitaly Riskov, repórter da revista russa “Volante”.

Pacote entregue junto com a passagem de volta. O cliente falou que entraria em contato em breve. De volta a Madri, Stepanovic inicia mudança de aparência, coloca uma nova foto em sua documentação e se prepara para voltar à Itália. Agora seria o intrépido repórter de uma nova revista russa de automóveis....

Como parte da preparação para o serviço, Ivan começou a ver corridas e materiais para montar bem o seu personagem. Afinal, ele teria que estar acima de qualquer suspeita.

Dias depois, Ivan, ou melhor, Vitaly adentrou ao paddock do circuito Enzo e Dino Ferrari para sua pesquisa de campo. Máquina fotográfica, mochila e gravador a tiracolo, o “matador” circulava por aquele novo mundo. Absorvido pelo burburinho, mal ouviu quando o alto-falante pediu para que se dirigisse à administração...

No escritório, a secretária lhe entrega um novo envelope. Nele, havia uma carta: “Vitaly, bem-vindo à F1. Aproveite tudo. Procure o Vincenzo na Administração e se apresente. Ele é um dos nossos poderá te dar mais acessos. Aguarde novos contatos. S.” (Esta foi a única indicação que Ivan deu de seu “cliente”).

Cão bem adestrado, perguntou por Vincenzo. E foi orientado a ir à sala da Manutenção, não longe dali. Três portas depois, encontrou o seu “amigo”. Logo foi recebido e, como estavam à sós, seu contato no circuito lhe deu acesso a plantas e possíveis locais. Vincenzo estava ali há mais de 15 anos, participou ativamente das diversas obras de remodelagem e conhecia bem tudo.

Ivan aproveitou os 4 dias para conhecer bem o circuito. Tirou fotos e até se misturou em várias entrevistas para dar credibilidade ao personagem. Acabou descobrindo que era o único “russo” na cobertura, fez contato com vários jornalistas e se enturmou especialmente com um brasileiro. “Quando soube que era russo, me fez várias perguntas e disse que seu sonho era visitar Moscou. O meu era visitar o Rio de Janeiro”.

Fim dos treinos, Stepanovic voltou para a sua base e agora sabendo do local, fez uma análise detalhada de tudo. E resolveu seguir a dica de Vincenzo: se posicionar na curva Tamburello. Conseguiria com um tiro resolver a situação. Também dependeria das condições de tempo, especialmente o vento.

A temporada começou e Ivan acompanhou a F1 com uma atenção que nunca havia tido. E foi tendo a dimensão do seu alvo. Senna não era um desconhecido para ele. Mas por conta das pesquisas, percebeu o quão especial era o piloto. Não que fosse melhor do que outros. Já tinha matado políticos, ativistas, empresários e militares de alta patente. Mas a situação era diferente.

Imola ia se aproximando. E uma semana antes da corrida, como combinado, recebe um contato de seu cliente. Um novo telegrama. “Combinado cumprido. Estacionamento Circuito Montmeló amanhã 15h para fechamento” (Neste momento, Ivan apela novamente à pasta e mostra este telegrama e a credencial em nome de Vitaly Riskov).

Ivan consulta sua conta bancária e vê que o valor de US$ 500 mil combinado está em sua conta. Pega um trem e vai até Barcelona. De lá, aluga um carro e encontra com seu cliente no vazio estacionamento do circuito de Montmeló.

Trocam cumprimentos e logo o plano é descortinado: Ivan procuraria Vincenzo novamente para ter acesso e pegar um bip de contato. Quando apitasse, era o sinal de que o tiro deve ser dado durante a corrida. Sumir com a bala não seria problema, pois teria gente do esquema na equipe médica e um legista já estava devidamente comprado para dar um laudo falso. Além disso, mecânicos da Williams tinham sido subornados para dar um jeito no carro de Senna e garantir que o serviço seria feito.

O sinal de sucesso por parte de Ivan era a entrega de um envelope na Administração aos cuidados de Vincenzo. A confirmação seria dada através de um recado pelo bip. Aparentemente, não havia como dar errado.

Ivan volta para Madri, se prepara e entra em contato com Timorochenko para pegar a arma especial do serviço. Se encontram em um galpão em Leipzig, antigo centro industrial da Alemanha Oriental. “Mira Certa” entrega a carabina, bem como uma pequena mala com o recipiente de hidrogênio com as balas. Stepanovic repassa uma mala com US$ 250 mil dólares e encerram a transação, prometendo se falar em breve. Estranhamente, de um modo de que nunca usara, “Mira Certa” fala com ele: cuidado com o que está fazendo. Esta arma é especial e dê um jeito de se desfazer disso logo.

Perguntei porque ele citou o nome do armeiro e não poderia citar os seus “clientes”. Placidamente, Ivan respondeu que “Mira Certa” não estava mais entre nós. Morreu executado em uma briga de grupos na Rússia..., mas aí era outra conversa e que não cabia falar naquilo. Bebeu mais um gole de água e prosseguiu.

Fazendo um caminho por estradas secundárias em um carro alugado, Ivan chegou à Imola. Havia feito reserva em um hotel pequeno, perto da pista, para não chamar a atenção e não ter problemas para escapar. Incorporou seu personagem Vitaly Riskov, e chegou no autódromo logo no instante em que Rubens Barrichello bateu com sua Jordan.

No meio da confusão, teve que se fazer de jornalista mesmo, aprontando sua máquina para algumas fotos, bem como o gravador. Afinal, era preciso manter o personagem. E logo que o treino recomeçou, foi procurar Vincenzo. O italiano bonachão o recebeu no meio da confusão e lhe entregou uma bolsa. Ali teria uma roupa de fiscal de prova, além de um molho de chaves para acesso. A recomendação foi que, tão logo fizesse o serviço, se desfizesse de tudo e esquecesse dele.

Ivan se aproveitou do clima tenso e fez mais um giro pelo circuito. No treino da tarde, foi no ponto sugerido: a curva Tamburello, logo atrás de uma placa de patrocínio da cerveja Kronenbourg. Pegou sua mira, fez um buraco para que a carabina encaixasse e acompanhou o traçado dos carros. Era a situação perfeita. Não precisaria fazer muito esforço, a concentração seria máxima e ficaria devidamente escondido. Afinal de contas, o painel era mal montado e mais um buraco não seria problema.

Recolheu tudo e voltou ao “personagem” Vitaly. Fez algumas fotos e ainda teve tempo de pegar uma coletiva improvisada. E reencontrou alguns colegas feitos na pré-temporada. Inclusive o tal brasileiro com fixação nas coisas soviéticas. Um papo rápido tomou forma e lá foi Ivan de volta para o hotel.

Ao chegar, a recepcionista entregou um envelope. Mais uma vez “S” o contatava. Uma simples carta “Atentar ao BIP. Tudo certo para ação. Todos os lados ao mesmo tempo. Domingo é o dia. S”.

Ao ler, Stepanovic conferiu o bip e pegou as instruções dadas por Timorochenko. As balas deveriam ficar, no mínimo, em 12 horas mergulhadas no hidrogênio líquido. O recipiente parecia uma pequena panela. No caso, era ligada na energia elétrica. Ivan calçou as luvas especiais e pegou 3 balas. Abriu o recipiente, as colocou cuidadosamente e ligou a tomada. Uma pequena resistência foi acionada e a máquina começou. Em poucos minutos, graças às ligas especiais, o gelo começou a aparecer em volta da tampa. Por isso o apelido de “balas de gelo”.

Naquele sábado, Stepanovic tiraria o dia para os detalhes finais. Só iria ao circuito à tarde. Desceu para tomar café e deu ordens expressas para não entrarem em seu quarto. Viu e reviu a carabina, bem como o sistema de mira. Tudo muito bem preparado, como era o seu padrão.

Após tudo pronto, incorporou novamente o repórter e foi em seu carro para o autódromo. Antes, parou em um chaveiro para fazer cópia das chaves que Vincenzo havia dado. O clima não era dos melhores após o acidente de Barrichello na véspera. Foi tão forte que o jovem brasileiro não tomaria parte na prova. E ao chegar na sala de imprensa, presencia outra batida: desta vez, a Simtek de Roland Ratzenberger.

“Naquele momento, mesmo com tudo que vi ou fiz, me espantei. E gritei: ele 

está morto! Aquilo detonou um processo de me questionar se aquele trabalho deveria ser realmente feito. O valor que me pagariam seria maravilhoso. Mas compensava?

Fui até o banheiro em estado de choque e fiz uma coisa que não fazia há tempos: rezei. E pedi para que me acalmasse. Vomitei e fui voltando à normalidade. E resolvi seguir minha missão”.

Stepanovic não viu boa parte da confusão armada por conta do resgate do piloto austríaco. Resolveu pegar suas coisas e voltar para o hotel. Para fazer um bom serviço e entrar no ritmo habitual, foi passear para esvaziar a cabeça. Após meia hora, voltou ao quarto e durante um banho, foi repassando todo o plano passado....

Ao sair do banho, batidas na porta e um envelope por debaixo da porta. O abre e mais um recado de “S”. “Tudo certo. Se não for por um jeito, irá de outro. Os mecânicos esta noite trabalharão na direção do carro. Mas o tiro é o nosso plano A. Quando o BIP tocar, será o momento de agir. Não esqueça do envelope. Boa sorte, S.”

Enquanto as balas “cozinhavam” no hidrogênio, Ivan montava a sua estrutura, enquanto repassava os cálculos e preparava o envelope para Vincenzo. Uma bala seria suficiente para resolver a situação. Mas levaria 3 para garantir a situação.

Ivan dormiu um sono como um dos poucos em que tivera em toda a sua vida. E acordou cedo para ir ao autódromo. Tomou café, fechou sua conta e entrou no VW Polo alugado para o seu principal trabalho até então.

Prevendo a confusão que se criaria, Stepanovic estacionou o carro fora do autódromo para poder facilitar a sua saída da "cena do crime". E saiu com a sua mochila, devidamente paramentado como Vitaly Riskov, mas com todo o equipamento e o uniforme de fiscal de pista.

"O plano era ir para a sala de imprensa e acompanhar o warm-up. Terminando tudo, colocaria o macacão de fiscal de pista e iria para o posto que escolhi. Mas tive um problema que não havia considerado…"

Ao entrar no circuito, Ivan viu que a segurança havia sido reforçada: Carabinieri (policiais italianos) estavam revistando algumas pessoas antes da catraca de acesso. E se ele fosse escolhido? Veriam a carabina. E como explicar tudo? Agora, era a hora do sangue-frio...,Mas à medida que a fila andava, a tensão aumentava...

Quando chegou sua vez, o policial o encarou. Vendo a credencial de imprensa, deixou que passasse, parando duas pessoas atrás. O obstáculo havia sido passado...

Chegando na sala de imprensa, viu a confusão toda normal de um GP e buscou um lugar para colocar o seu laptop e o restante do equipamento de "jornalista". Obteve espaço ao lado de um búlgaro e do jornalista brasileiro, fascinado pelas coisas russas. Que logo puxou conversa, sobre como estava sendo a repercussão daquele fim de semana na Rússia.

Stepanovic teve que emendar uma conversa, dizendo que estavam 

impressionados, mas que assistiriam a corrida mesmo assim. Disse que os russos adoravam automobilismo, falou rapidamente de alguns projetos soviéticos para entrar na F1 e que só a pouco tempo é que estavam vendo as corridas ao vivo de forma oficial.

Warm-Up terminado, era hora da missão. Momento de ir ao banheiro e fazer a transformação: Entrava o jornalista Riskov e saía o mercenário Stepanovic. Colocou o macacão por cima para ajudar na saída. Afinal, era só tirar e sair. Boné, óculos escuros e protetor de ouvido. Carabina pronta e as balas ainda "cozinhavam" no recipiente, embora desligado.

Mais uma vez, Ivan ia refazendo seu plano. E se posicionou no ponto escolhido por ele. Testou o bip para ver se estava funcionando. OK. Carabina montada e já posicionada. O que seria colocado em último lugar seriam as balas. Timorochenko havia explicado que as balas deveriam ser colocadas no momento em que fossem usadas, pois quanto mais tempo fora do hidrogênio, menos efetivas seriam, pois perderiam alcance.

Naquele cenário bucólico de Ímola, Ivan só repensava os planos. O barulho do público não o incomodava. Ligou o rádio para poder acompanhar os preparativos da corrida e se posicionou quando ouviu que os carros estavam saindo para o alinhamento. Mais uma vez, teve certeza de que o barulho dos motores abafaria tranquilamente os tiros.

Quando foi dado o sinal de saída para a formação do grid, Stepanovic abriu o recipiente, colocou sua luva especial e pôs duas balas na arma. Era só o momento de esperar o bip soar e executar o serviço. O rádio estava ligado para acompanhar a largada e o bip a postos. Mas houve o acidente com Letho e Lamy. Tudo atrasou...

Lamy após o acidente com Letho na largada
Lamy após o acidente com Letho na largada
Foto: F1

Sua preocupação agora era com as balas. Não saia da cabeça a informação de que cada vez mais tempo fora do hidrogênio, perdiam a eficiência. E os carros passavam devagar por sua frente...e nada do bip tocar...

O rádio gritava: vão relargar! E o bip acionou. Era o sinal. E Ivan Stepanovic fez o seu papel de mercenário. Viu a Williams 2, mirou e atirou. Um único tiro. E o carro saiu rumo ao muro da Tamburello, batendo e ricocheteando para o meio da pista. No meio da adrenalina, ouvia o rádio gritar que Senna parecia imóvel dentro de seu carro. Aparentemente, o objetivo foi cumprido.

Enquanto desmontava sua estrutura, com um misto de medo e surpresa no ar, surgiu a dúvida. Foi o tiro ou a possível "gambiarra" dos mecânicos? Não havia como saber naquele momento. A preocupação agora era sair dali e entregar o envelope para Vincenzo, que era o sinal combinado. Logo saiu da área, viu um espaço e tirou toda a fantasia de fiscal. Voltava a ser Vitaly Riskov.

Naquele momento, Ímola era uma balburdia. Os jornalistas queriam informações sobre Senna e se preparavam para ir ao Hospital Maggiore para acompanhar o brasileiro. Ivan se diria à recepção e entregava o envelope na administração aos cuidados de Vincenzo. A recepcionista estava em estado de choque, mas recebeu o material.

Pronto. Estava feito. Agora, era sair dali e se desfazer de tudo. Conseguiu sair do estacionamento e pegou seu carro. Era hora de abandonar tudo e se preparar para um novo trabalho.

Ligou o rádio e acompanhou a corrida. Seu italiano não era muito bom, mas entendia o desespero do narrador ao declarar tudo que acontecia. Parou na estrada, se desfez do macacão, o queimando em um terreno baldio, junto com o bip. Em seguida, encheu o tanque e fez uma ligação para o bip indicado por "S" e seguiu para a sua base na Espanha.

Daquela vez, alguma coisa era diferente. Havia a opção de ir até Milão e pegar um avião. Mas a medida que ouvia as notícias, um aperto batia no seu peito. Neste momento, Ivan dá uma pausa. Bebe mais um gole d'água e continua seu relato.

"Dirigi até minha casa. Só parei para encher o tanque. Precisava arejar minha cabeça. Nem quando fiz o meu primeiro serviço, me senti deste jeito. Desliguei o rádio, mas em uma parada, entendi o narrador falando da morte de Senna, com as imagens do povo no Brasil. Mais um motivo para chegar logo em casa".

Ao chegar, um longo banho e sono. No dia seguinte, buscou todas as notícias do que poderia sobre o assunto. E nenhuma delas dizia em tiro. Falava-se em desaceleração, uma peça batendo no capacete..., Mas nada de tiro.

E a pergunta ecoava: acertou ou não? foi o tiro ou a "gambiarra"? ou ainda foi fatalidade mesmo? Por dias esta pergunta ecoou. Até que na 5ª, recebe um telegrama. Era de "S". Dizia " Serviço feito com sucesso. Nenhuma pista havia ficado. Dinheiro depositado. Parabéns e até a próxima. S".

Finalmente a resposta veio. Havia sido o tiro. E chorou copiosamente como há muito não fazia.

Ivan ficou semanas em casa, em uma depressão inexplicável. Não tinha vontade de fazer nada e se questionava muito. Principalmente vendo o sofrimento do povo brasileiro e as matérias. "Matei muita gente. Muitos que mereceram. Mas Senna foi o cara que não merecia".

No meio desta situação, foi conferir sua conta. O trato havia sido cumprido. E aos poucos, foi entrando na sua "normalidade" e voltou a fazer seus serviços. Mas o fantasma de Senna sempre ficou o rondando....

Uma das primeiras teses que apareceram sobre a morte foi a do sniper. Mas soava tão maluca que ninguém a levava muito à sério. Com o passar dos anos, imagens apareceram, mas não conclusivas. Até mesmo a "bala de gelo" apareceu. Mas era muito inverosímil...

Neste momento, Stepanovic abre mais uma vez a mala e mostra uma bala. Aparentemente normal. Mas ele garantiu: esta era uma das "balas de gelo". Foi uma delas que botou na carabina e não disparou. Gelei na hora.

"Era isso", Stepanovic falou. "Precisava botar isso para fora. Matei muita gente. Parei com isso 10 anos atrás. Ganhei muito dinheiro e algo em mim disse para parar. Precisava acertar as contas comigo mesmo e voltar a ser o Ivan que sempre sonhei. Aproveitei para ver o que havia acontecido com a minha esposa e minha filha. Ambas conseguiram refazer a vida e não quis procurá-las. Sabe porquê? Vergonha."

"Vergonha de dizer que depois de tanto tempo eu aparecia. E explicar o que? Olha, sumi e virei mercenário? Não tinha como. Mas fiquei feliz por saber que seguiram suas vidas, que estavam bem. E voltei para a Croácia".

Depois disso, tornou-se um pacato homem do campo. Comprou uma pequena propriedade no interior e resolveu sumir. Mas seu semblante demonstra agora uma paz genuína. Agradece por ter dado aquela oportunidade. Reforça o pedido para que não tire fotos de nada.

"Minha conta agora está paga. Não aguentava trazer mais isso comigo. Eu matei Senna. Quem quiser, acredite. E depois daquilo, eu optei por não saber de nada. Quando via algo sobre o assunto, mudava de canal ou pulava. Nunca mais vi uma corrida de F1."

Maravilhado com toda aquela narrativa, onde horas passaram como minutos, agradeci. E como o combinado, Ivan pagou minha conta e sumiu da minha vista. Depois, ao chegar ao hotel, procurei por este nome na internet e não encontrei nada sobre um Ivan Stepanovic. Todo caso, contactei meu editor e disse que tinha a história.

Nos dias seguintes, dou um giro pela cidade para fazer as matérias que estariam pagando a minha ida até a Croácia e escrever a minha. Normalmente, este tipo de coisa não passa pelo Editor. Com o advento da internet e a escravidão do clique imediato, eram raros os textos que mereciam uma análise prévia. Mas este era diferente.

Fiz tudo e mandei para análise. Enquanto arrumava as malas e entregava o quarto, meu editor me respondia dizendo que havia adorado a matéria e garantiria um bom engajamento para o site. Além disso, voltaria a conversar sobre o meu projeto de um site de automobilismo que estava tentando emplacar há tempos.

Quando chego ao Brasil, recebo um e-mail com um remetente cheio de letras e citando a entrevista. Era Ivan.

Ele agradecia mais uma vez a oportunidade, pediu para que passasse a reportagem para que lesse antes da publicação e confirmava o que desconfiava: seu nome real não era Ivan Stepanovic. “Peço que entenda. Vários de meus crimes ainda não prescreveram e ainda tem muita gente que quer ver minha cabeça”.

Como fui muito bem tratado, mandei para a avaliação, mesmo sem a autorização do meu editor. 2 dias depois, recebi uma nova mensagem. Simples e direta. "Parabéns. Era o que queria. Posso ficar em paz. Ivan".

Dia 1º de maio chega e a minha matéria aparece na página inicial do portal, com o maior destaque possível. Logo, começa a se espalhar e ganha as redes sociais, ganhando espaço com força inclusive em vários portais internacionais. O orgulho foi enorme.

Enquanto saboreava o sucesso do artigo bebendo uma bela cerveja, o celular toca. Era meu Editor. Primeiro, parabenizando pelo trabalho e que a audiência estava sensacional. Mas que tinha uma péssima notícia: seu amigo havia ligado minutos antes dizendo que Ivan havia se suicidado na véspera.

E aí vim saber que, o nome verdadeiro de Ivan era Bogdan Latkic. Mas o resto de sua história era verdadeira. Logo depois, recebi no Whatsapp as mesmas fotos que havia visto no café em Zagreb.

Se antes eu não acreditava, naquele momento eu estava mais do que convencido: o inverosímil pode acontecer. Senna foi realmente assassinado. Mas quem mandou matar? Quais as reais motivações deste assassinato? Estas e outras perguntas ficam por aí. E um dia poderão ser respondidas. Mas parte delas morreram com Ivan Stepanovic. Ou melhor dizendo, Bogdan Latkic.

*****

Obrigado por chegar até aqui. Cabe ressaltar que este texto se trata de uma ficção. Ele foi originalmente postado em abril de 2020 e agora é republicado com algumas alterações. A morte de Senna foi amplamente investigada pela justiça italiana e se chegou à conclusão de que um ajuste mal-feito na coluna de direção ocasionou o acidente. A possibilidade da ação do sniper ainda é citada 30 anos depois e sempre soa tão fantasiosa.

Em momento algum se questiona a memória do piloto e de seus feitos ou fazer pouco caso. Mas porque não fazer um exercício de imaginação considerando que fosse verdade? Afinal de contas, muitos eventos aconteceram ao longo da história e não sabemos quais foram suas reais motivações ou encadeamento de fatos. A história é contada do ponto de vista dos vencedores.

Mas segue o jogo. Teorias conspiratórias seguem surgindo para tudo e fazem parte do fluxo. A do sniper é uma delas. E era tão boa que merecia ser desenvolvida. Nestes momentos, cabe sempre citar a célebre fala do personagem de Kirk Douglas no filme “A Montanha dos Sete Abutres”: entre o fato e a ficção, a ficção será sempre mais interessante...

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