Fora de filme, Emerson foi chamado para vaga de Lauda na Ferrari; relembre
Brasileiro foi chamado por Enzo Ferrari para ocupar vaga de Niki Lauda após acidente em GP da Alemanha de 1976, mas recusou; austríaco voltou antes do previsto
Quem seria o ator ideal para interpretar Emerson Fittipaldi no filme Rush – No Limite da Emoção, que entra em cartaz nesta sexta-feira (13)? Pense na pergunta até o fim deste texto (que é longo), porque ela será importante adiante. Embora bastante aguardada pelos fãs do automobilismo, a obra da dirigida por Ron Howard (um fã de Fórmula 1) peca por não abordar uma página pouco conhecida da temporada de 1976 da F1, e fundamental para contar o dramático acidente de Niki Lauda no Grande Prêmio da Alemanha Ocidental daquela temporada: o convite para Emerson Fittipaldi substituí-lo na Ferrari.
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Emerson poderia ter sido o primeiro brasileiro a pilotar pela equipe italiana, embora não tenha sido o primeiro brasileiro convidado – Chico Landi seria piloto oficial da equipe em 1951, mas dizem que não houve acordo com o Comendador Enzo Ferrari porque o paulista queria pintar seu carro de verde e amarelo. A nova chance veio apenas em 1976, com Emerson, e mais uma vez não se concretizou. O Brasil só conseguiu correr na escuderia de Maranello em 2000, quando Rubens Barrichello aceitou deixar a Stewart para competir ao lado do então bicampeão Michael Schumacher.
Voltemos a 1976, ano da disputa entre o inglês James Hunt (McLaren) e o austríaco Niki Lauda (Ferrari) na qual Rush – No Limite da Emoção se concentra. Antes do acidente em Nurburgring, décima etapa do ano, os dois pilotos já haviam sido pivôs de polêmica na corrida anterior, em Brands Hatch (Inglaterra). Naquela prova, a Ferrari dominou a primeira fila do grid de largada: Lauda em primeiro e o companheiro Clay Regazzoni em segundo. Porém, já na primeira volta, os dois se espremeram e o suíço rodou em uma curva, causando um grande acidente. Os organizadores então deram bandeira vermelha.
James Hunt foi um dos prejudicados na batida. Para se recuperar para a relargada, o britânico da McLaren pegou um atalho e foi para os boxes. Com o carro original consertado (exigência feita pela organização para que os pilotos relargassem), o piloto da casa partiu, para delírio do público que lotava as arquibancadas para gritar “we want Hunt” (nós queremos Hunt). Não só isso: na 45ª volta da corrida (que teve 76), o ousado competidor da McLaren partiu para cima do líder Lauda e conquistou a primeira posição, que manteve até o fim da corrida.
A festa dos mais de 70 mil torcedores e da McLaren, no entanto, durou pouco. Após a corrida, a Ferrari entrou com um protesto para denunciar o atalho que Hunt tomou após a batida da primeira largada e pediu sua exclusão da prova. “As regras permitiam que eu fizesse isso. Era meu trabalho protestar, porque James pegou o atalho”, justificou Daniele Audetto, gerente de competições da Ferrari na época, em entrevista para a série documental Clash of Titans, da BBC. A apelação foi aceita, e James Hunt foi desclassificado. Assim, as seis primeiras posições ficaram com Niki Lauda (Ferrari), Jody Scheckter (Tyrrell), John Watson (Penske), Tom Pryce (Shadow), Alan Jones (Surtees) e Emerson Fittipaldi (Copersucar).
Duas semanas depois, a Fórmula 1 chegava à Alemanha Ocidental para a décima etapa da temporada. Antes mesmo da largada, a prova já era marcada por um ambiente de tensão: o próprio Niki Lauda liderava um movimento para que os pilotos boicotassem o Grande Prêmio, uma vez que a pista de Nurburgring era considerada perigosa. O traçado estreito tinha intermináveis 22,8 km de extensão, o que obrigava os competidores a passar por características excessivamente diversas (pista seca e molhada, por exemplo) com um mesmo acerto. O boicote, no entanto, foi descartado pelos próprios pilotos em votação.
Sem surpresas, foi o que aconteceu naquele 1º de agosto de 1976. Com chuva na largada, a maior parte dos pilotos optou por iniciar com pneus para asfalto molhado – apenas Jochen Mass (McLaren), esperando a virada do tempo, escolheu compostos para tempo seco. Hunt fez a pole position, mas foi superado por Regazzoni logo nos primeiros quilômetros. Em desvantagem, Lauda aproveitou que o tempo melhorava e foi para os boxes mudar os pneus. “Niki decidiu trocar os pneus, de chuva para pista seca. Foi um dos primeiros, muito cedo. Estrategicamente, foi uma ótima decisão, mas, infelizmente, o circuito ainda estava molhado”, contou Audetto à BBC.
O austríaco vinha forçando o ritmo para recuperar terreno quando o acidente aconteceu: na segunda volta, ao entrar na Curva Bergwerk, a Ferrari perdeu o controle e se chocou contra o guard-rail à direita, explodindo em chamas, rodopiando e atravessando a pista. Guy Edwards (Hesketh) vinha atrás e desviou, mas Harald Ertl (Hesketh) e Brett Lunger (Surtees) acertaram o carro de Lauda. Os três pararam para ajudar no resgate, e logo ganharam o reforço do italiano Arturo Merzario (Wolf-Williams). Preso no carro, Lauda respirou gases por quase um minuto. Levado de helicóptero para o hospital, só saberia depois o resultado final da corrida, reiniciada mais tarde: James Hunt em primeiro, Jody Scheckter em segundo, Jochen Mass em terceiro, com pouca festa no pódio após 14 voltas.
Posição | Piloto | País | Equipe | Tempo |
1 | James Hunt | GBR | McLaren Ford | 1h41min42s7 |
2 | Jody Scheckter | AFS | Tyrrell Ford | +27s7 |
3 | Jochen Mass | ALE | McLaren Ford | +52s4 |
4 | José C. Pace | BRA | Brabham Alfa Romeo | +54s2 |
5 | Gunnar Nilson | SUE | Lotus Ford | +1min57s3 |
6 | Rolf Stommelen | ALE | Brabham Alfa Romeo | +2min30s3 |
7 | John Watson | GBR | Penske Ford | +2min33s9 |
8 | Tom Pryce | GBR | Shadow Ford | +2min48s2 |
9 | Clay Regazzoni | SUI | Ferrari | +3min46s0 |
10 | Alan Jones | AUS | Surtees Ford | +3min47s3 |
11 | Jean-Pierre Jarier | FRA | Shadow Ford | +4min51s7 |
12 | Mario Andretti | EUA | Lotus Ford | +4min58s1 |
13 | Emerson Fittipaldi | BRA | Copersucar Ford | +5min25s2 |
14 | Alessandro P. Rossi | ITA | Tyrrell Ford | + 1 volta |
15 | Guy Edwards | GBR | Hesketh Ford | + 1 volta |
Abandono | Arturo Merzario | ITA | Wolf-Williams Ford | |
Abandono | Vittorio Brambilla | ITA | March Ford | |
Abandono | Patrick Depailler | FRA | Tyrrell Ford | |
Abandono | Carlos Reutemann | ARG | Brabham Alfa Romeo | |
Abandono | Ronnie Peterson | SUE | March Ford | |
Abandono | Hans-Joachim Stuck | ALE | March Ford | |
Abandono | Jacques Lafitte | FRA | Ligier Matra | |
Abandono | Chris Amon | NZL | Ensign Ford | |
Abandono | Niki Lauda | AUT | Ferrari | |
Abandono | Brett Lunger | EUA | Surtees Ford | |
Abandono | Harald Ertl | AUT | Hesketh Ford | |
DNQ | Lella Lombardi | ITA | Brabham Ford | |
DNQ | Henri Pescarolo | FRA | Surtees Ford |
O capacete modificado de Lauda foi incapaz de conter as chamas, que destruíram sua orelha direita, parte de seu couro cabeludo, suas sobrancelhas e suas pálpebras. Por pouco não perdeu a visão. O piloto entrou em coma, e passou por uma cirurgia com o brasileiro Ivo Pitanguy para recuperar as pálpebras. Assim, a Ferrari optou por não disputar a etapa seguinte da temporada, na Áustria, 15 dias depois – vitória de John Watson (Penske), com Jacques Laffite (Ligier) em segundo, Gunnar Nilson (Lotus) em terceiro e James Hunt em quarto.
É neste intervalo que surge o convite da Ferrari para Emerson Fittipaldi. Com desempenho discreto na temporada até então, o já bicampeão foi convocado pelo próprio Enzo Ferrari para assumir o posto de companheiro de Clay Regazzoni. Ainda na Alemanha, o brasileiro - que tinha apenas três pontos em dez corridas com a Copersucar - recebeu uma ligação do comendador, que lhe ofereceu a vaga.
“Eu estava andando ao lado do quarto do Niki (no hospital), que praticamente tinha mínima chance de sobreviver. Meu médico pessoal estava com o Niki e saiu muito preocupado - ele estava totalmente intoxicado com a inalação que ele teve dos gases, o que foi o pior para o Niki. Ele queimou todo o pulmão por dentro, e o sangue começou a inverter. Você envenena o sangue, o sangue passa a ser um veneno. Ele estava crítico quando eu recebi o convite da Ferrari”, contou Emerson ao Terra.
Na época, o brasileiro não acertou com o time, e o argentino Carlos Reutemann acabou contratado para o posto de piloto para o restante da temporada. No entanto, os dois sul-americanos foram preteridos para o posto: Lauda, que admitiu que achou que fosse morrer, deixou o estado crítico em cinco dias, saiu do coma, recuperou a condição física e retornou às pistas em menos de um mês – neste intervalo, James Hunt venceu o GP da Holanda, no qual a Ferrari teve apenas Clay Regazzoni em ação. Evidentemente, Lauda trazia marcas e sequelas cobertas por curativos por toda a cabeça. Ainda assim, decidiu superar o pânico e disputar a prova na Itália, conquistando um improvável quarto lugar – Reutemann, em sua única prova com a prova naquele ano, correu com um terceiro carro e foi nono. Como James Hunt rodou, o austríaco ganhou terreno e permaneceu em primeiro na briga pelo título: 61 a 56.
“Isso mostra o mundo difícil que é a Fórmula 1. Me chocou na época quando o Comendador (Enzo Ferrari) me ligou para entrar no lugar do Niki, mas graças a Deus o Niki se recuperou. Em Monza, ele já foi para o Grande Prêmio da Itália”, disse Emerson, que dá a entender que não trocaria sua equipe para correr pela Ferrari a partir do Grande Prêmio da Itália. “Eu estava contratado da Copersucar, não podia. Mas isso foi verdade: o Niki estava morrendo e a Ferrari me convidou para entrar no lugar dele”, completou.
Nas duas corridas seguintes, entretanto, James Hunt diminuiu a diferença para o líder da temporada. O britânico venceu no Canadá e nos Estados Unidos (Leste), enquanto Niki Lauda foi respectivamente sexto e terceiro. Assim, após a prova em Detroit, o piloto da Ferrari tinha 68 pontos, contra 65 do rival da McLaren. Ao chegarem para a última prova da temporada, no Japão, Jody Scheckter era o terceiro com 49 pontos e já não tinha chances de brigar pelo título.
Em 24 de outubro de 1976, o Circuito de Fuji amanheceu sob chuva – a mesma que provocou o acidente de Lauda 84 dias antes. Durante o briefing, os pilotos conversaram e, desta vez, concordaram em não largar caso o temporal continuasse forte. Porém, por pressão dos organizadores, a prova começou no horário previsto, com Mario Andretti (Lotus) na pole position, James Hunt em segundo e Niki Lauda em terceiro. E com o asfalto encharcado.
Piloto | ALE | AUT | HOL | ITA | CAN | EUA | JAP |
Hunt | 44 | 47 | 56 | 56 | 56 | 65 | 69 |
Lauda | 58 | 58 | 58 | 61 | 64 | 68 | 68 |
Não demorou para o tempo feio cobrar seu preço: Andretti perdeu o primeiro lugar logo na largada para Hunt. Três voltas depois, Niki Lauda decidiu não arriscar e abandonou a prova, assim como fariam pouco depois José Carlos Pace (Brabham) e Emerson Fittipaldi. Jochen Mass continuou, mas se acidentou na chuva na volta 35. James Hunt, precavido, passou pelos boxes e trocou os pneus – voltou na quinta posição, que lhe tiraria o título por um ponto, mas ganhou as posições de Clay Regazzoni e Alan Jones para conquistar o terceiro lugar. Ali no pódio, ao lado de Mario Andretti e Patrick Depailler (Tyrrell), James Hunt conquistava o título da temporada de 1976 por um ponto: 69 a 68.
Era a vitória de um dos pilotos mais populares da época, talvez o mais, sobre um dos nomes mais técnicos e talentosos da história da F1. “Acho que é uma rivalidade que foi um pouco exagerada. Do jeito que aconteceu o campeonato, ninguém esperava que o James fosse ganhar”, comenta Emerson. “Na última prova em Fuji, eu também parei. Estava uma aquaplanagem absurda, você não via nada, você não tinha condição de pilotar o carro. O James continuou, terminou a corrida e passou na frente do Niki. Foi um fim de campeonato muito emocionante”, completou.
Os pilotos do filme e seus respectivos atores:
Piloto | Equipe | Ator |
James Hunt | McLaren | Chris Hemsworth |
Niki Lauda | Ferrari | Daniel Bruhl |
Harald Ertl | Hesketh | Tom Wlaschiha |
Clay Regazzoni | Ferrari | Pierfrancesco Flavino |
Stirling Moss | (já aposentado) | Alistair Petrie |
Arturo Merzario | Wolf-Williams | Cristian Solimeno |
Mario Andretti | Lotus | Kristofer Dayne |
Guy Edwards | Hesketh | James Norton |
Hans-Joachim Stuck | March | Antti Hakala |
Brett Lunger | Surtees | Robert Christopher Austin |
Gunnar Nilsson | Lotus | Robert Finlay |
John Watson | Penske | Butchy Davy |
Jochen Mass | McLaren | Chris Penfold |
Piloto francês (não identificado) | Xavier Laurent |
Será esta a história resgatada por Rush – No Limite da Emoção, que entra em cartaz nesta sexta-feira. Com Chris Hemsworth (de Thor) no papel de James Hunt, e Daniel Bruhl (de Adeus, Lênin!) interpretando o papel de Niki Lauda, o filme retrata ainda diversos outros nomes conhecidos da época: Suzy Miller (então mulher de Hunt, interpretada por Olivia Wilde), Clay Regazzoni (papel de Pierfrancesco Favino) e Mario Andretti (Kristofer Dayne no filme), entre outros. Mas quase nada de Emerson Fittipaldi. preterido da obra de Ron Howard - o brasileiro é mencionado apenas uma vez, em uma passagem a respeito da contratação de pilotos da McLaren.
E então? Já pensou quem poderia interpretar Emerson Fittipaldi nas telas do cinema?