Kevin Magnussen: a coroação do homem-plot twist da Fórmula 1
Descartado ao final de 2020, Magnussen fez retorno inesperado e acabou coroado com uma das poles mais surpreendentes de todos os tempos
Plot twist é um daqueles anglicismos que surgiram com força em nosso vocabulário há alguns anos. Até temos equivalentes em português que funcionam muito bem, obrigado, como a boa e velha “reviravolta”, mas o tal do plot twist virou quase onipresente quando se fala de uma mudança inesperada nos rumos do roteiro de uma obra artística.
Mas os plot twists não se restringem à ficção. A vida real está cheia deles. E que bom! Imaginem quão entediante seria o mundo se tudo fosse exatamente como o planejado e o imaginado em todas as situações? O inusitado, o surpreendente, o atípico são parte da natureza humana. (Ainda) não somos regidos por algoritmos frios e estéreis.
Porque nenhum algoritmo poderia prever os rumos tortos que a carreira do dinamarquês Kevin Magnussen tomou. Apesar de bom piloto, ele nunca teve em mãos um carro verdadeiramente competitivo, e vive uma trajetória repleta de idas e vindas na Fórmula 1.
Campeão da Fórmula Renault em 2013 e vice da F-3 inglesa em 2011, Magnussen foi uma aposta da McLaren para 2014. A equipe havia tentado Sergio Perez para substituir Lewis Hamilton em 2013, mas a parceira com o mexicano não deu muitos frutos. O time estava em franco declínio, e havia certa desconfiança se a aposta daria certo. E não é que, logo em sua primeira corrida, Magnussen surpreendeu o mundo com um pódio? O primeiro plot twist estava concluído com sucesso.
Mas a McLaren teve dificuldades ao longo daquele ano, foi atrás de Fernando Alonso para a temporada seguinte e rebaixou Magnussen ao posto de reserva após um ano, deixando-o sem carro para 2015. Poderia ser o fim de sua carreira na F1, mas as negociações com a Renault avançaram e o piloto voltou ao grid em 2016. Mais: apesar da pouca idade e experiência, ele teria papel importante no audacioso projeto francês, já que seu colega seria o limitado e ainda mais novato Jolyon Palmer. Eis o segundo plot twist.
Para 2017, outra troca de ares e um acordo com a Haas para correr ao lado de Romain Grosjean, que viria a ser a parceria mais longeva da carreira de ambos. Ao contrário da Renault, o projeto era modesto, mas Magnussen fazia o possível para entregar sempre o máximo que o carro permitia. Pontos viraram uma constante em 2017, 2018, 2019.
Até que veio 2020, e a Haas ficou para trás. A situação financeira da equipe se complicou ainda mais, o carro só era páreo para a Williams, e os maus resultados em pista agravaram a situação do caixa. A solução foi dispensar a azeitada e, sim, competente dupla Magnussen-Grosjean e abrir as portas para novatos que aportassem recursos. O recursos viriam principalmente através dele: o russo Nikita Mazepin.
Já no auge de seus 28 anos, com seis temporadas como titular e uma como reserva na F1, Magnussen era dado como carta fora do baralho. Sua chance havia passado, dizia-se. Ele foi respirar novos ares, recomeçar em outras bandas. Cruzou o Atlântico e foi fazer a IMSA pela Cadillac. Se arriscou na Indy, seguindo os passos de Grosjean. Acertou com a Peugeot para fazer os próximos anos com a equipe francesa no WEC. A F1 já estava ficando no passado. Até que... plot twist!
A Rússia decide abrir guerra contra a Ucrânia, e começa a receber retaliações por isso. Empresas do país entram em listas de boicotes. Uma delas é a Uralkali, do pai de Mazepin, e, na prática, quem bancou a Haas em 2021. A equipe se vê forçada a romper com o patrocinador e com o piloto às vésperas da abertura da temporada de 2022. Diversos nomes foram especulados, e o escolhido foi um de quem pouco se falou em um primeiro momento: Kevin Magnussen, aquele mesmo que já era carta fora do baralho da F1.
O dinamarquês apareceu apenas no último dia dos testes coletivos no Barein, radiante e entusiasmado com a nova chance que nem ele mesmo imaginou que fosse ter um dia. E aproveitou! Logo na (re)estreia, conseguiu pontuar. E ainda repetiu a dose na segunda corrida. Pode parecer pouco, mas é coisa que a equipe não havia feito uma vez sequer em 2021 inteiro.
O carro da Haas tem se mostrado um tanto imprevisível. Performou bem em algumas pistas e muito mal em outras. O primeiro dia de atividades do GP de São Paulo, em Interlagos, deu a entender que pista e carro parecem ter encaixado bem. Ou ao menos o carro que está nas mãos de Magnussen, já que Mick Schumacher não foi além do último lugar na classificação realizada em pista úmida, enquanto K-Mag sempre esteve entre os líderes.
No Q3, ele se antecipou à previsão de chuva e foi o primeiro a ir à pista, fazendo 1min11s674. Quem veio atrás não o superou em um primeiro momento. Mas ainda haveria tempo para pilotos de equipes maiores encaixarem voltas melhores e o superarem. Bom, talvez houvesse, mas George Russell mudou tudo. O inglês errou e causou uma bandeira vermelha. Pausa de poucos minutos, mas suficiente para que a chuva chegasse de vez a Interlagos. Quem tinha tempo marcado, tinha. Quem não tinha, não teria mais. E ninguém tinha mais tempo que ele, o homem-plot twist, o improvável, o terror das casas de apostas: Kevin Jan Magnussen.
Primeira pole de sua já longa carreira e uma belíssima coroação ao renascimento de uma trajetória bastante interessante na Fórmula 1. O resultado coroa, ainda, a bela parceria entre piloto e equipe. A comemoração entusiasmada de todos da Haas, uma equipe que, assim como Magnussen, foi moldada na base do contratempo, é mais do que justa. A pole para a sprint do GP de São Paulo está em boas mãos.