Mauro Forghieri: o engenheiro ferrarista por definição
Se a Ferrari conseguiu muita coisa nas pistas foi muito graças a Mauro Forghieri. Genial e genioso, o engenheiro italiano foi grande.
Se por acaso alguém chegasse e lhe dissesse que alguma das principais equipes da F1 resolvesse deixar a sua direção técnica a cargo de um engenheiro que havia se formado 2 anos atrás, você talvez desse risada, mas foi o que aconteceu...
No final de 1961, a Ferrari havia ganho o campeonato de pilotos com Phil Hill e o de Construtores. Porém, o clima era extremamente ruim. Após um acúmulo de brigas, ressentimentos e até bate-boca com a esposa de Enzo Ferrari, vários técnicos foram embora no que ficou conhecida como “A Grande Debandada” (explicamos um pouco aqui).
Uma temporada estava para começar e a Ferrari não disputava somente a F1. Também havia a F2 e o programa de Protótipos, que abrangia Le Mans, Subidas de Montanha e outras coisas. A escolha para assumir o comando de tudo recaiu em um jovem de 27 anos chamado Mauro Forghieri.
Forghieri havia se formado em Engenharia Mecânica 2 anos antes na Universidade de Modena e chegou à Ferrari trazido por seu pai. Inicialmente, era um estágio. O começo foi na área de motores, atendendo à área de competições e dos carros de rua. Mas com a saída dos técnicos, Enzo deu posto de Diretor Técnico àquele jovem alto e de óculos de lentes grossas. Tendo o apoio dos remanescentes como Franco Rocchi (o pai do motor Life W12) e Angelo Bellei, assumiu o comando. Onde ficou até 1984.
Dono de um pensamento brilhante, mas de temperamento forte, a relação com Enzo Ferrari era no mínimo curiosa. Em uma entrevista anos atrás, Forghieri lembrou que falava algumas coisas que poderia manter para si, mas falava de um modo que poderia ser escutado. Enzo vinha até ele e pergunta o que havia dito. O retorno? Nada. Mas sabia que o velho tinha escutado.
Enzo Ferrari tinha diversos defeitos, mas sabia reconhecer talentos. E ele apostou naquele jovem. Além de talvez ver nele o que poderia ter acontecido com o seu filho Dino, morto alguns anos antes e que se envolvia diretamente na fábrica, especialmente com motores.
Embora soasse como teimoso em certos momentos, por desdenhar do forte papel da aerodinâmica e demorar em adotar certas técnicas (por exemplo: a Ferrari foi fazer seu primeiro chassi totalmente monocoque em 1982, 20 anos depois de sua introdução), Forghieri foi responsável por desenvolver o campeão 158 de 1964, os carros de turismo 250 GTO, 275 GTB e o 330 P4 (que depois a Ford gastou mundos de dinheiro para bater em Le Mans).
Talvez a obra-prima de Forghieri tenha sido a série 312. Primeiro, concebeu um motor 12 cilindros praticamente deitados ao invés da disposição em V. Com algumas soluções vistas no Cosworth V8 e o orçamento garantido, garantiu um motor mais baixo, o que permitiu um carro mais próximo ao chão. Após bater na trave em 1971 e 1972, foi “chutado” em 1973 e voltou para conceber o carro de 1974, o 312B3.
Este foi a base para o modelo que disputou títulos entre 1975 até 1979. Suspensões que otimizavam o uso dos pneus, caixa de cambio transversal...isso permitiu a Ferrari ter um carro extremamente competitivo. Não satisfeito, começou a brincar nesta época com cambio de acionamento automático (falamos nisso aqui).
Mas a chegada dos carros com efeito-solo e os motores turbo deixaram a Ferrari mais uma vez para trás. Só que em pouco mais de 2 anos, conseguiu recuperar a diferença, desenvolvendo em tempo recorde um turbo e contando com o apoio de Harvey Postlewhaite, então vindo da Fittipaldi.
Seu reinado acabou em 1984, após o domínio da McLaren e da pressão da FIAT para “modernizar” o time. Foi deslocado para o desenvolvimento do 408M, que era um modelo de tração integral. Ficou no time até 1987, quando se mudou para a principal concorrente, a Lamborghini.
Os italianos tinham sido comprados pela Chrysler e, após considerar seriamente a compra da Brabham, resolveram entrar na F1. Forghieri montou a estrutura para desenvolver um motor para os novos regulamentos de 1989 e, posteriormente, um carro para quem quisesse entrar na categoria.
Forghieri desenvolveu um elegante e sonoro V12, que foi inicialmente dado em exclusividade para a Larrousse. O potencial estava ali, mas quebrava muito e a potência não vinha. Além disso, os italianos também desenvolveram uma caixa de câmbio. E o projeto do carro completo também chegou. Mas para quem quisesse pagar.
O carro ficou pronto em 1990. Um magnata mexicano, Roberto Gonzales Luna, estava disposto a gastar seu dinheiro no projeto. Na data marcada de apresentação e com o cheque sem fundos, Gonzales Luna sumiu. O projeto seguiu, mas sob a batuta italiana. A Chrysler já tinha seus problemas e a Lamborghini parecia um fardo naqueles tempos. E o programa de F1 ia minguando. No fim de 1991, saiu do projeto.
Ainda se envolveu com a Bugatti por 2 anos e em 94, partiu para sua empresa de engenharia, prestando consultoria para diversas empresas. Ainda foi um dos especialistas convocados pela Justiça Italiana no processo que investigou o acidente que levou à morte de Ayrton Senna. Nunca se afastou das pistas.
Genial e genioso. Como bem escreveu Mark Hughes, Mauro Forghieri é um daqueles nomes que tem um lugar especial quando se fala no aspecto técnico da F1. E a Ferrari deve muito a ele pelo seu tamanho nas pistas. Aos 87 anos, Forghieri nos deixa e fica na memória.