Mulheres crescem entre o público da F1 e impactam os negócios
Estudo recente da Nielsen Sports mostra que 41% do publico atual da F1 é feminino, trazendo uma grande mudança nos esportes e nos negócios
Que a F1 é enorme, todos sabemos. Mas um estudo divulgado pela consultoria Nielsen Sports nesta terça (02/12) mostra que a F1 atualmente é o campeonato esportivo mais assistido do mundo, com cerca de 750 milhões de fãs.
Entre outros dados, mostrou que 41% deste público é presentado por mulheres e o grupo que mais cresce é do mulheres entre 16 a 24 anos. Se uma das preocupações da Liberty Media quando comprou a F1 era renovar o publico, pode se dizer que o objetivo foi cumprido.
Não é preciso ir longe e perceber este movimento também no Brasil: o numero de mulheres falando sobre F1 nas redes sociais cresceu exponencialmente nos ultimos anos, o público feminino na F1 e em corridas aumentou bastante (o GP de São Paulo este ano teve uma presença feminina de 36,9% no público total). Iniciativas como a Girls Like Racing não são mais algo estranho ou uma campanha de respeito nos autódromos como a #Respect Woman (que falamos em outras oportunidades em 2022 e 2023).
Cabe ainda citar que, pelo jornalismo, a presença brasileira na temporada completa in loco é 100% feminina: Julianne Cerasoli e Mariana Becker. Além da firme presença de Alessandra Alves nos comentários das transmissões de F1 da Band News FM (e que foi uma das fundadoras deste espaço, junto com a Priscila Cestari).
Com base em alguns dos dados divulgados, Vincenzo Landino (@vincenzolandino no X), um americano que se aprofunda no lado econômico da F1, escreveu um artigo interessante em sua newsletter chamada Business of Speed, abordando o impacto deste crescimento do publico feminino no modo da F1 fazer negócios e criar padrões para que outros esportes também se adaptem a esta nova realidade.
Com a devida autorização do Vincenzo, reproduzo o seu texto, devidamente vertido para o português, na integra. O original pode ser acessado aqui.
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Como o impacto feminino está conduzindo o crescimento da F1.
O dinheiro fala no esporte a motor. Números contam histórias. A transformação da F1 de um espetáculo predominantemente masculino para um fenômeno de entretenimento equilibrado de gênero representa uma mudança nos paradigmas do lado econômico esportivo.
Um relatório liberado nesta terça (02/12) pela Nielsen Sports dá conta que a F1 acumulou 750 milhões de fãs pelo mundo. Mulheres constituem cerca de 41% desta base e o segmento que mais cresce é o de mulheres entre 16 a 24 anos.
Esta evolução demográfica demonstra amplas mudanças nos padrões de gastos do consumidor, com a projeção de que as mulheres devem controlar 75% dos gastos discricionários mundiais em 2029.
Esporte a motor, moda e streetwear
A transformação se estende aos ecossistemas de varejo. Iniciativas independentes como a Two Girls 1 Formula gerou cerca de US$ 100 mil em receitas por identificar lacunas no material oficial das equipes. O mercado expos limitações nas ofertas atuais. Helena Hicks, fundadora da Females in Motorsport, percebeu que o material de venda dos times ainda segue “pesadamente masculino”, com limitadas opções para mulheres.
A demanda do consumidor ultrapassa a evolução do produto. A Puma tentou encontrar soluções através da colaboração com a A$AP Rocky, criando coleções unissex. A iniciativa representa um reconhecimento mais amplo das lacunas de mercado. As tradicionais parcerias com as marcas de luxo persistem (LVHM assinou um acordo de uma década e Tommy Hilfinger mantem a sua parceria com a Mercedes, por exemplo), ainda que novas possibilidades apareçam.
Um exemplo é o Grandstand Project, criado por Sherry Ma, que cristaliza maiores mudanças de mercado. Sua iniciativa, provocada por uma frustração pessoal com as opções de material para venda disponível, espelha a evolução cultural da F1 do puro esporte a motor para uma marca de estilo de vida.
A trajetória de Ma de uma estudante de Administração para empreendedora de moda F1 representa a correção de mercado em ação. Sua percepção de que as fãs procuravam peças representativas para os finais de semana de corrida do que o material tradicional das equipes acabou por delinear a lacuna entre o tradicional varejo de esporte a motor e as demandas do consumidor contemporâneo.
O foco do projeto em coleções específicas para determinadas provas, lançando peças com o tema de Las Vegas, por exemplo, demonstrou um tremendo potencial de venda para eventos direcionados da F1.
A autenticidade desta iniciativa vem da integração com a comunidade. Ma recruta modelos de encontro de carros, inclui criadores de conteúdo do Tik Tok e parcerias com a Car Girls of Los Angeles. Esta abordagem mais próxima contrasta com as estratégias corporativas vindas de cima para baixo. Seu compromisso de doar 3% das receitas para iniciativas para as mulheres no esporte a motor coloca o negócio em narrativas mais amplas de transformação.
O momento do “dinheiro da maquiagem”
O setor de beleza conduz a metamorfose do lado comercial da F1, transformando modelos de patrocínio no que chamo de “dinheiro da maquiagem”: a interseção do capital dos cosméticos com o marketing do esporte a motor. Esta evolução mostra a grande virada demográfica da F1, com os dados da Nielsen Sports confirmando que cerca de 300 milhões de fãs femininas pelo mundo e mulheres representam 41% da base de fãs mundial. Mais notável é que o grupo que mais cresce está entre as mulheres entre 16 e 24 anos, representando uma mudança impressionante no posicionalmente cultural do esporte.
A Rimmel, uma empresa de beleza britânica, estrategicamente fechou uma parceria com a F1 Arcade, enquanto Charlotte Tilbury fez história como a primeira empresa fundada por uma mulher a fechar parceria com a F1 Academy, patrocinando a Rodin Motorsport.
Esta invasão do setor de beleza não é coincidência: corresponde a uma maior inteligência de mercado, mostrando que as mulheres serão responsáveis pelo controle de 75% das despesas discricionárias em 2029, criando uma necessidade urgente para as marcas de criar conexões autenticas com as consumidoras.
As marcas americanas Anastasia Beverly Hills e e.l.f optaram por patrocinar diretamente pilotas, apoiando Bianca Bustamante e Katherine Legge, respectivamente. Estas parcerias representam mais do que uma mera colocação de marca. Elas sinalizam fundamentais mudanças no DNA comercial do esporte a motor, refletindo o que Susie Wolff, Diretora da F1 Academy, de “autenticidade por trás na criação de uma positiva e impactante mudança no esporte”.
Wolff orquestrou esta convergência de beleza e velocidade com precisão estratégica. Sua iniciativa garantiu parcerias que transcendem os limites do esporte a motor tradicional, como a American Express usando uma pintura de carro como uma base para negócios de mulheres. Este movimento produziu uma ressonância emocional quando a dona da Caja Caliente, uma marca do Sul da Flórida, viu sua marca em um cenário global. Isto exemplifica o que Wolff chama de “pacotes que podem ser muito interessantes comercialmente para parceiros”.
Um documentário sobre a F1 Academy,produzido pela Netflix e que está previsto para 2025, promete cristalizar esta mudança de narrativa. Wolff descreveu como uma “forte e disruptiva” abordagem, com três “parceiros de sonho” que ainda serão anunciados, sugerindo que a força que o setor de beleza está promovendo na F1 está se fortalecendo. Isto se alinha com as tendências mais amplas do mercado: os acordos médios de patrocínio da F1 pularam de US$ 2,87 milhões em 2019 para US$ 5,08 milhões em 2024, indicando um crescimento confiável no apelo de diversidade no esporte.
As métricas de mercado validam esta estratégia. Uma pesquisa mostra que as fãs são 50% mais suscetíveis a apoiar patrocinadores de esportes femininos, reduzindo os fãs masculinos a uma taxa de 0,1%. Se a parceria da Il Makiage com o time feminino do Arsenal serve como prova, esta levou a um aumento de 33% na preferência pela marca desde 2022.
Estes números iluminam um paradoxo: enquanto patrocínios tradicionais de esporte a motor buscam dados masculinos, o setor de beleza identificou um potencial comercial ainda intacto no publico feminino. Como Hicks percebe, a F1 precisa “aumentar suas opções para mulheres e ver como se vender”.
Para Susie Wolff, o sucesso não está meramente em levar pilotas para a F1. É sobre “desafiar sua percepção de que é um mundo masculino” e demonstrar que “este esporte tem oportunidade para mulheres, tanto dentro como fora da pista”. O crescimento do setor de beleza sugere esta visão está se materializando, incentivado por marcas que reconhecem o valor comercial e cultural do autêntico engajamento feminino no esporte a motor.
Mudança Comercial
As implicações comerciais aparecem nas estruturas de patrocínio: a média dos acordos de parceria com times de F1 aumentou de US$ 2,87 milhões em 2019 para US$ 5,08 milhões em 2024. Por outro lado, a duração dos acordos caiu de 5,2 anos para 3,2 anos, criando espaço para uma rotação de marcas e testes de mercado. As companhias de TI presentam 20% dos gastos de patrocínio na F1 atualmente, saindo dos 3% em 2019. Serviços financeiros passaram de 2% para 17%.
Patrocinadores principais dos grandes times geram um valor médio de exposição de US$ 6 milhões por etapa. As equipes mudam seus pacotes de patrocínio. Marcas recalibram suas estratégias de marketing. Os guardiões de esporte equilibram tradição com evolução. O engajamento feminino cria pressão para mudanças estruturais: medidas de segurança, projetos de estrutura e planejamento de evento.
Além disso, esta transformação também sugere maiores implicações para os modelos de negócios esportivos. A adaptação da F1 para a mudança demográfica cria padrões para outros campeonatos. A interseção de moda, beleza e esporte a motor cria novos territórios comerciais. Patrocinadores tradicionais encaram a competição de setores anteriormente considerados periféricos para o esporte a motor.
A expansão geográfica acompanha estas mudanças demográficas: Arabia Saudita traz um aumento de 11% na base de fãs, com um aumento de 22% no grupo entre 50 a 69 anos. Emirados Árabes mostram uma ampliação de 6%. Os europeus também mostram crescimento: Reino Unido sobe 2,3% e a Alemanha ampliou seu público em 4,5%.
A influência do “Drive To Survive” da Netflix ainda persiste, com 35% dos espectadores indicando um aumento de intenção de assistir a série. Um em cada quatro fãs creditam à série o seu incentivo a acompanhar a F1.
Mas ainda existem desafios à frente.
O esporte ainda depende de personalidade de pilotos para engajamento. Estratégias de marketing requerem refinamento. Infraestrutura depende de modernização. A oportunidade comercial apresentada pelas fãs femininas permanece parcialmente inexplorada. Alguns críticos sugerem que uma confiança exagerada em alguns aspectos demográficos específicos pode trazer riscos de instabilidade para o mercado.
O dinheiro fala no esporte a motor. Os números indicam um futuro em que a diversidade de gênero leva ao sucesso comercial. A Adaptação da F1 a esta realidade pode dar uma referência para outros esportes buscarem igual transformação. Mas a pergunta de um bilhão de dólares ainda permanece: a infraestrutura esportiva acompanhará a velocidade de sua audiência?