Na Garagem: Senna vence em Detroit e inicia gesto marcante sem exibição ao vivo na Globo
Um dia depois da derrota para o Brasil contra a França na Copa do Mundo de 1986, Ayrton Senna ia à desforra, vencia o GP dos EUA em Detroit e comemava com um gesto simbólico que virou sua marca registrada. Mas o público brasileiro não viu aquela corrida ao vivo
O 38º de 162 GPs. A quarta de 41 vitórias. A 11ª de 65 poles. Enquanto em um sábado, há 35 anos, o Brasil se via derrotado nos pênaltis pela França nas quartas de final da Copa do Mundo de 1986, o circuito de rua de Detroit entregava, no dia seguinte, um alento a quem chorou com a derrota da Seleção. Em 22 de junho, Ayrton Senna conquistava uma vitória marcante e empunhava a bandeira do Brasil pela primeira vez em sua carreira na principal categoria do automobilismo, gesto que tornou um símbolo da sua trajetória na Fórmula 1. Curiosamente, contudo, o público brasileiro não viu aquela corrida ao vivo e tampouco o nascimento de uma marca registrada eternizada por Senna.
21 de junho de 1986. Um sábado que poderia ter sido marcado pela glória da Seleção de Zico e Sócrates, com o Brasil tendo a chance de chegar à semifinal da Copa do Mundo. Mas o tetra ainda não seria conquistado daquela vez. Depois de empate em 1×1 no tempo normal, Sócrates e Júlio César perderam suas cobranças na decisão por pênaltis, e os franceses passaram para a semifinal.
No entanto, um pouco acima do mapa, o mesmo sábado guardava uma boa notícia para os brasileiros. Ayrton Senna, aos 26 anos, conquistou com a Lotus a pole-position do GP dos EUA no circuito urbano de Detroit, com a melhor de suas voltas em 1min38s301, mais de 0s5 à frente de Nigel Mansell.
Em temporada vista como uma das mais parelhas da história da F1, o brasileiro alcançou sua quarta pole-position em sete GPs disputados em 1986. No entanto, até no momento de deslumbre, o fantasma da eliminação do Brasil aparecia: a França, vencedora do dia no México, era o país da grande maioria de mecânicos ligados à Renault, fornecedora de motores da Lotus. Restaria a Senna, então, vingar a derrota do seu país no domingo.
"No sábado, em Detroit, eu tinha acabado de fazer a pole-position. Quando entrei no box, vi o placar 'Brasil 1 x 0 França'. O Brasil tinha acabado de fazer o gol contra a França. E tinha uma coletiva de imprensa logo depois, eu tinha de ir, do contrário diriam que eu não estava dando bola pra imprensa. Fui lá, estava assistindo o jogo e meu projetista é francês, meus mecânicos são franceses. Foi uma confusão. Depois do jogo, eu sabia que eles iam me alugar, nem apareci depois. Só apareci domingo de manhã", brincou.
Conheça o canal do Grande Prêmio no YouTube! .
Siga o Grande Prêmio no Twitter e no Instagram!
22 de junho de 1986. Um domingo ensolarado havia chegado. Senna não participou dos ajustes de seu carro no fim da tarde de sábado, mas isso não o atrapalhou muito. Antes da largada, o dono do carro #12 tinha apenas uma missão, a pedido da torcida presente no circuito de Detroit: dar um 'olé' em Prost, que ainda não era o arquirrival que viria a ser nos tempos de McLaren no fim da década de 1980.
Logo no início do que viria a ser uma caótica corrida, o brasileiro errou uma marcha, situação que o fez perder a liderança para o 'Leão' Mansell, mas Senna recuperou a primeira posição na volta 8 e conseguiu abrir boa vantagem. O que Ayrton não podia esperar era um pneu furado voltas depois, que o fez cair para oitavo, 20s atrás do líder no momento, René Arnoux, da Ligier.
Depois de parar nos boxes na volta 14, Senna retornou à pista em sexto lugar. À sua frente estavam Jacques Laffite, em primeiro, seguido por René Arnoux, Mansell, Prost e Nelson Piquet. O brasileiro da Lotus retomou a primeira posição quando os cinco primeiros foram aos boxes. Ayrton abriu grande vantagem e trocou mais uma vez de compostos. Na volta 15, passou Michele Alboreto e, na 17, pelo sueco Stefan Johansson, os dois da Ferrari.
Arnoux, Prost, Mansell e Laffite fizeram suas respectivas troca de pneus e Ayrton se aproveitou para assumir a segunda posição, somente 1s7 atrás do líder de então, Piquet.
Com a Williams, Nelson Piquet, no giro 41, fez a melhor volta da corrida com 1min41s233, média de143,07 km/h. Mas, na volta seguinte, Piquet cometeu um erro e abandonou a corrida. Isso deixou Senna mais tranquilo na ponta. O carro do tricampeão estava em um ponto muito perigoso da pista e precisaria ser retirado logo para que não ocorresse mais acidentes.
"Quando estava atrás de Nelson [Piquet] e o vi entrando nos boxes, sabia que poderia ultrapassá-lo. Depois, ele ainda bateu no muro", explicou Senna.
Depois do abandono de Piquet, Senna somente controlou a liderança de mais de 30s e venceu com boa folga, à frente de uma dupla de franceses que foi ao pódio: Laffite em segundo, Prost em terceiro. Dos 26 carros que foram à pista naquele acalorado domingo, apenas dez pilotos finalizaram a corrida. Depois do top-3, vieram Alboreto, Nigel Mansell, Ricardo Patrese, Johnny Dumfries, Jonathan Palmer, Philippe Steiff e Derek Warwick, que fechou a lista dos dez competidores que concluíram a corrida.
Depois de cruzar a linha de chegada, Senna protagonizou uma cena que virou sua marca registrada na Fórmula 1. Na volta de regresso aos boxes, o piloto da Lotus viu um brasileiro do lado da pista com uma bandeirinha do Brasil. Ayrton não hesitou em parar, pegar o pequeno pavilhão e dar uma volta com ele em punho.
"Por uma grande felicidade, a gente venceu a corrida. Tinha muitos brasileiros lá. Quando passei pela linha de chegada, quando diminuí a velocidade, estava muito esgotado, foi uma corrida muito dura fisicamente. Vi um brasileiro com uma bandeirinha do Brasil. Foi instinto. Parei, fiz um sinal e ele não entendeu. Até que o fiscal [de pista] olhou pra mim, olhou pro cara e entendeu. Aí, ele foi lá, tomou a bandeira do torcedor pendurado na cerca e a trouxe para mim. Dei uma volta com a bandeira. Foi um dia especial", disse Senna logo depois da corrida.
Só que o público brasileiro não assistiu aquele histórico GP dos EUA. Domingo à tarde, na segunda metade de junho, em uma corrida com o mesmo fuso horário da sede da Copa, era inevitável que houvesse uma partida do Mundial no mesmo horário da F1. E havia. A Globo passou a vitória de Senna em compacto, preferindo transmitir ao vivo o futebol.
A Globo exibiu Argentina x Inglaterra. O Argentina x Inglaterra que ficou marcado para sempre pelos gols que entraram para a história das Copas pelos pés e pela chamada 'mano de Dios' do genial Diego Armando Maradona.