Os protestos de Lewis Hamilton na F1 realmente fazem alguma diferença?
Sabemos e conhecemos Lewis Hamilton por suas ações dentro do mundo da F1. Mas será que fazem diferença para os movimentos em que acredita?
Não é nenhuma novidade que a F1 é um esporte elitista fundado dentro de uma bolha extremamente difícil de ser furada quando o assunto são movimentos sociais. Fato que começou a mudar parcialmente de 2020 para cá com as ações do heptacampeão mundial Lewis Hamilton que, sabendo da força de sua imagem e o impacto que elas têm perante a mídia, frequentemente toma atitudes em prol dos movimentos que acredita quando está nos holofotes e fora deles, por meio da participação em passeatas nas ruas e imagens políticas em seu Instagram.
O que também não gera nenhuma surpresa é a antipatia ocasionada por esses protestos, tanto na própria F1 como fora dela. Apesar de possuir um enorme apoio de sua comunidade, em troca também recebe grandes reprimendas por seus atos, com os clássicos discursos como “política não se mistura com esporte” ou ”ele deveria focar apenas em correr, ficar falando de política não vai mudar em nada”. Mas será que não?
Aí que está: vemos essas ações feitas pelo piloto, seu esforço para enfrentar esse sistema estagnado. Mas como podemos ter certeza de que suas ações e protestos de fato tem alguma influência no mundo?
Para entendermos o impacto das ações de Lewis nos dias de hoje, é necessário fazer uma breve contextualização da história dos movimentos sociais: a definição mais comum é a de que buscam, baseado na visão de mundo de um grupo, expressar sua identidade. geralmente decorrendo de uma luta sociopolítica, econômica e cultural. Querem que sua identidade seja reconhecida, buscando mudanças no sistema social em que vivem a fim de fazerem parte dele.
Por conta de sua natureza “disruptiva”, já que buscam mudanças sociais, nem sempre eles foram bem-vistos na sociedade. Nos anos 60, as análises os colocavam como fontes de conflitos, tensões e fomentadores de revoluções. Na época, havia também uma grande relação dos movimentos sociais com a palavra “trabalhador”, como se fossem uma única massa com objetivos e visões únicas. Chegando, inclusive, a serem comparados com a teoria da Anomia Social de Durkheim.
Os movimentos sociais do século passado tinham focos diferentes do que os dias atuais. Quando voltamos para as décadas de 70 e 80, por exemplo, era comum vermos lutas por direitos básicos, com foco na questão da igualdade ou recuperação dos direitos sequestrados de forma que as lutas eram massificadas, um conjunto de todo o grupo oprimido a fim de recuperar esses direitos. Como aconteceu no Brasil no caso das Diretas Já, por exemplo.
Os movimentos sociais do século atual não são homogêneos, mas sim, heterogêneos. Termo trazido por um sociólogo contemporâneo de quem gosto muito, Ernesto Laclau, que diz: “Nas décadas passadas, os movimentos ‘lutavam para terem direitos’. Não eram autocentrados. Os movimentos da atualidade não têm o universal como horizonte, mas sim o direito de sua categoria ou grupo social”.
Basicamente, as pessoas no mundo moderno escolhem os movimentos apenas baseados em suas realidades, nas dificuldades impostas sobre sua situação atual que precisam de uma mudança. O universal fica em segundo plano. Não há mais essa homogeneidade das lutas, ficam heterogêneas. Ou seja, vários grupos sociais, cada um lutando pelos seus direitos, sem a força coletiva, enfrentando apenas seus próprios adversários.
E é aí que entra o ponto em relação à importância das ações de Lewis como uma celebridade global. O esporte é algo que pode ser tratado como o elo do universal. Um ambiente em que pessoas, sem conexão alguma umas com as outras, em diferentes locais do mundo, estão de certa forma "juntas", compartilhando o mesmo momento, vendo a mesma imagem e, muitas vezes, torcendo pela mesma pessoa.
Dessa forma, essa enorme admiração que se adquire por atletas, gera, de certa forma, uma união entre pessoas do planeta inteiro, criando um elo que as conecta mesmo tendo realidades, problemas e enfrentamentos diferentes.
Assim, atletas que usam de sua voz para manifestar o ativismo, como o caso de Lewis Hamilton, não estão falando para um pequeno grupo que busca combater seus próprios antagonistas, mas sim para todos os grupos, em uma tentativa de unir os pontos de vista de um objetivo final em comum.
Dois exemplos famosos dessa união advinda do esporte são os casos que aconteceram no Brasil e no Egito. No Brasil, tivemos o caso da Democracia Corinthiana, que foi um movimento ocorrido no início da década de 80, tendo a luta pelo fim do regime militar no Brasil como uma das principais bandeiras. Neste contexto, diversos atletas do Corinthians participaram da campanha pela volta do direito ao voto para Presidente, o que não ocorria desde 1960. Mensagens eram estampadas na em camisas que os jogadores usavam debaixo do uniforme, com frases como "Diretas Já" e "Eu quero votar para Presidente". Além de que durante a final do Campeonato Paulista de 1983, os jogadores entraram em campo com uma faixa que dizia: "Ganhar ou perder, mas sempre com democracia".
Mais recentemente no Egito, durante os eventos da Primavera Árabe, torcedores de clubes rivais se uniram para combater o governo ditatorial do país, usando de sua força e alcance nas redes para divulgar vídeos dos protestos. Só que o mais notável nessa ocasião, foi o caso do Al Ahly e seu rival Zamolek Sporting, dois clubes conhecidos por uma rivalidade extremamente ácida e violenta, com enorme histórico de brigas e agressões entre seus torcedores.
Mas quando o assunto eram movimentos sociais e protestos contra o governo ditatorial egípcio, eles deixaram de lado os seus antagonistas locais - no caso, eles mesmos - e se uniram para enfrentar o mal comum. Sendo o futebol o esporte mais popular do país e o Al Ahly e o Zamolek os clubes com mais torcedores, essa divulgação em massa foi essencial para ajudar a espalhar os vídeos e imagens dos protestos. Com isso, podemos afirmar que o esporte sempre teve uma ligação direta com os movimentos sociais.
Entretanto, algumas modalidades se isolaram em bolhas da elite, como é o caso da F1. Isso torna ainda mais difícil alguém conseguir levantar a voz, praticamente dentro do território inimigo. Dessa forma, para que haja novamente uma união desses movimentos, que passem a buscar objetivos semelhantes, uma universalização dos objetivos, é necessário alguém que cause esse sentimento de identificação com as pessoas e, que ao mesmo tempo, consiga passar a ideia de união por um mesmo fim. Por isso, pessoas como Hamilton são essenciais na articulação dos movimentos sociais atuais.
O atleta e a utilização de sua voz, principalmente dentro da mídia, chamando aqueles que pode alcançar para tentar provocar as mudanças dentro dos campos que luta e enfrentando os que estão diretamente acima dele na hierarquia, é capaz de trazer esse sentimento antagonista local nas pessoas, articulando-as com suas falas e ações a entender esse objetivo comum dos movimentos sociais.
Dessa forma, ele consegue unir o global novamente com o local, reunindo a massa de pessoas que, antes se separaram em suas lutas individuais, para se unirem e voltarem a olhar novamente para um mesmo horizonte. Assim, Lewis Hamilton acaba transcendendo o atleta, se tornando um ícone que representa as pessoas, furando a bolha na qual está inserido, a partir de sua visibilidade de celebridade internacional para não só promover mudanças, como participar ativamente das manifestações e protestos nas ruas.
Esse é um caso que pode ser elevado para outros atletas, como Collin Kaepernick ou LeBron James, que vem tornando o universo esportivo cada vez mais ligado ao das causas sociais. Com tantos movimentos perdendo sua força por estarem “individualizados”, ações como essas são necessárias para provocar o sentimento de união que é capaz de torná-los homogêneos novamente.
Atletas como Lewis Hamilton são essenciais para mudar a mentalidade que ainda reina no universo esportivo de “separar esporte dos movimentos sociais”, afinal de contas, como podemos separá-los, se o esporte é algo diretamente ligado à sociedade?