Porque as equipes e a Liberty não querem novos times na F1
É uma posição egoísta não deixar novos times entrarem agora? É. Mas do ponto de vista do negócio, faz todo o sentido.
O assunto de entrada de novas equipes na F1 segue gerando muito barulho. Após a grande discussão entre a Liberty Media e a FIA e até se previu uma ruptura, a poeira abaixou. A FIA fez várias mudanças internas, o presidente Ben Sulayem se afastou diretamente da categoria e a própria Liberty também abaixou as armas. Uma trégua foi conseguida entre as partes...
Logo depois do armistício, a FIA iniciou um processo de escolha para até 2 novas equipes para as temporadas 2025 a 2027. Embora a entidade seja a responsável final pela categoria, a Liberty Media toca todo o processo, especialmente a parte comercial...
Após o acordo entre Liberty x FIA, iniciou-se um acordo para a renovação do acordo comercial que termina em 2025. Pressionados pela COVID-19, foi feito um ajuste que se julgava impensável até um tempo atrás: cerca de 50% das receitas da categoria iriam para a F1, com a Ferrari ainda tendo algumas regalias. Entretanto, passou um teto orçamentário e uma espécie de Balanço de Performance em termos de desenvolvimento.
O senso de sobrevivência falou mais alto e acabou sendo um bom negócio para todos. A Liberty introduziu o modelo americano de franquias (exemplo: Basquete e Futebol Americano) e fazendo com que a receita que a categoria gera financiasse totalmente a operação do negócio.
Mas como assim? Uma das preocupações das grandes corporações envolvidas com a F1 é a montanha de dinheiro gasta. Mesmo com as mudanças ao longo do tempo para a restrição de gastos, não era incomum uma gigante gastar recursos que poderiam ir para outros lugares. Diz-se que a Mercedes gastou quase US$ 500 milhões para desenvolver o V6 híbrido bem como dar o salto que permitiu dominar a F1 a partir de 2014.
Pegando os balanços dos times, vimos que, mesmo contabilmente, os valores gastos pelos controladores eram imensos e, várias vezes, a conta não fechava. A Mercedes gastava cerca de US$ 80 milhões anuais oficialmente com o time de F1, o que equivalia a cerca de 20% do orçamento do time. No caso da Mercedes, o investimento ainda valia a pena, pois a estimativa de exposição de marca na mídia era mais de 6 bilhões de dólares (dados do balanço patrimonial de 2021).
O fato é que, com a entrada do novo acordo, os custos foram bem controlados e abriu espaço para que a operação gerasse recursos para ser conduzida. Já no ano passado, tivemos o exemplo da Red Bull, que conseguiu uma cobertura de patrocinadores que cobriam o teto orçamentário estabelecido e mostramos aqui. Só a Mercedes teve um aumento do lucro de US$ 13 milhões para US$ 68 milhões de 2020 para 2021.
Querem outro exemplo de como a coisa está funcionando? Aqui vai quadro de receitas da Toro Rosso/AlphaTauri nos últimos anos e a participação da Red Bull na composição deste desembolso. De 2016 a 2019, o investimento foi cerca de US$ 80 milhões. 2020 foi o ano da pandemia e os taurinos tiveram que bancar parte da conta. Mas o acordo comercial começou a rodar. Nos anos seguintes, as receitas aumentaram e o valor gasto pela Red Bull reduziu-se...
O que a F1 está basicamente fazendo agora é tentar ampliar a receita e multiplicar o valor da categoria. Quando comprou a operação de Bernie Ecclestone, os americanos desembolsaram US$ 4,5 bilhões e assumiram outros US$ 4 bilhões em dívidas. Hoje, a F1 tem um valor de mercado estimado em mais de US$ 17 bilhões com base no preço das ações negociadas.
É muito, não? Sim. Porém, se analisar com outros esportes com o mesmo modelo de negócio, é pouco. Só para se ter uma ideia, o Dallas Cowboys, time mais valorizado da NFL (liga de futebol americano), teve um faturamento de mais de US$ 1 bilhão em 2022 e um lucro operacional de mais de US$ 400 milhões (fonte: Forbes). É para isso que a Liberty Media olha.
Não à toa, os americanos levaram o todo poderoso da NFL, Roger Godell, para uma palestra com os chefes de equipe (informação trazido pelo experiente jornalista britânico Joe Saward). O objetivo? Mostrar que a união entre os times e o fim das brigas políticas podem levar a uma valorização dos times e da categoria.
Aqui entra a resistência pela entrada de novos times. Não é simplesmente a questão do valor a ser rateado. Atualmente, a taxa de entrada de uma nova equipe na F1 é de US$ 200 milhões (valor aproximado da aquisição da Williams pela Dorilton) para ser divididos entre os demais times para compensar a perda de receita. Pois no acordo firmado em 2020, o novo time já tem direito a receber a premiação ao fim da temporada que participava (anteriormente, um time levava dois anos para entrar na divisão e recebia o valor que pagava ao longo do tempo).
A preocupação da Liberty Media e dos times é que o valor atual não recomponha a perda. Sem contar que as receitas não crescerão indefinidamente. Há um limite para a arrecadação junto aos organizadores de provas e grupos de mídia (2/3 da receita da F1 vem daqui) e, mesmo com o aumento de interesse, fechar acordos com novos patrocinadores não é algo tão simples (por exemplo, há uma resistência em relação a casas de apostas, o que não aconteceu com as criptomoedas).
Não é à toa que se fala que a nova versão do acordo comercial da F1 preveja o aumento da taxa de entrada para, pelo menos, US$ 600 milhões. É uma forma de representar a valorização das equipes. Para se ter ideia, em 2020, cerca de 15% da McLaren foram vendidos por cerca de US$ 140 milhões. Nesta segunda (26), um acordo por 24% da operação da F1 da Alpine foi anunciado envolvendo cerca de 200 milhões de euros (US$ 183 milhões). No caso francês, a equipe teria um valor de mercado em US$ 825 milhões...
Por isso as partes atuais defendem que, se vier alguém para a F1, que “traga valor para a categoria”. Este era o motivo que muita gente torcia o nariz para os Andretti e a chegada da Cadillac serviu para reduzir um pouco as resistências. Eles querem gente que consiga trazer novos parceiros e assim aumente o bolo por este aspecto e pela valorização dos times e da categoria.
É uma postura que vai contra a visão dos fãs, que gostariam de ver pelo menos 2 novas equipes na F1 para abrir espaços para novos pilotos e deixar a F1 de volta a um número mais próximo de seus níveis históricos do grid. Porém, aqui entra o lado frio dos negociantes. Não é de hoje que a Liberty Media fala que a prioridade não era aumentar o grid, mas sim fazer a F1 ser sustentável para as equipes e para isto que ela está trabalhando.
Em breve, a FIA deve dar o veredicto sobre a concorrência sobre as novas equipes, onde deixou claro que a parte comercial deverá ser tratada com a Liberty Media. A ver como serão os próximos capítulos. Em termos de dinheiro, a F1 vê primeiro o seu lado para depois ver o resto.