Porque o Mercedes W14 ficou mais nervoso e desafia Hamilton
As mudanças feitas no W14 não foram somente pelo desempenho, mas também para cumprir o regulamento em relação a distribuição de peso.
Depois do início da temporada, reverberaram com força algumas palavras de Lewis Hamilton em relação ao W14. Uma afirmação que chamou a atenção foi a de que a equipe não tinha levado em consideração as opiniões passadas por ele para a construção do carro deste ano.
Posteriormente, tudo foi acomodado e o multicampeão reafirmou sua confiança na Mercedes. Porém, o estrago já estava feito.
Como escrito aqui neste espaço, fazer o W14 competitivo não é só uma questão de mudar as laterais (falamos sobre isso aqui). É sim fazer uma análise com calma em cima de todo o quadro para fazer as coisas caminharem, ainda mais diante das restrições orçamentárias e de desenvolvimento.
Esta semana, algumas luzes foram lançadas sobre o que poderia ser o problema da Mercedes em relação à concorrência. Inicialmente, se falou na questão da posição do cockpit no W14 e em relação a decisão da distância entre eixos do carro. Ambos estão interligados, porém podem ser explicados separadamente. Até segue link de matéria feita pelo ex-projetytista Gary Anderson sobre o assunto (clicar aqui)
Como já escrevi algumas vezes, embora conceber envolva as técnicas mais avançadas de engenharia, as premissas são delineadas pelas pessoas. Hoje, podemos afirmar que 400 a 600 pessoas estão diretamente envolvidas no processo de projeto de um F1, que se desenvolve um período de 9 a 12 meses...
Diante do crescimento de desempenho do W13 ao longo de 2022, a Mercedes optou por desenvolver ainda mais o conceito. Esta escolha também pesa por conta dos limites de gasto e uso de ferramentas. Com uma mudança não tão grande de desenvolvimento, a visão acaba sendo muito mais de evolução do que revolução.
Tanto que logo que o W14 aparece para o público, se nota que o conceito básico está ali, porém incorporando elementos da concorrência (falamos disso aqui). O objetivo maior era tratar o porpoising e reduzir o arrasto aerodinâmico, que prejudicava muito a Mercedes em pistas de alta velocidade.
Para tratar isso, a Mercedes decidiu ir contra uma premissa de projetos anteriores. Normalmente, o time optava por ter carros com entre eixos maiores (distância entre os eixos) para ter um desempenho aerodinâmico melhor, embora esta escolha acabe prejudicando o desempenho em curvas, especialmente em traçados mais sinuosos.
Com o novo regulamento técnico de 2022, a FIA limitou o tamanho do entre eixos em 3,60m. Para o W13, o time teve que mexer ligeiramente no projeto para se adequar. Isso implica também em mexer na distribuição de peso, que é definida pelo Regulamento Técnico em 44,6% na frente e 53,9% na traseira. (Item 4.2).
Para este ano, o time técnico capitaneado por Mike Eliott optou por fazer um carro um pouco mais curto do que seu antecessor. Embora um carro mais longo possa permitir uma maior área do assoalho, onde é gerada a maior parte do apoio aerodinâmico dos monopostos atuais, uma distância menor permite uma resistência ao ar menor.
Além disso, por conta da mudança na construção dos pneus dianteiros, que fazer o carro ficar com mais aderência na frente, levou a fazer uma mudança na geometria da suspensão e...da distribuição de peso.
Neste ponto, temos que considerar a questão do trem traseiro da Mercedes (motor, câmbio e suspensão). No ano passado, a configuração escolhida acabou por prejudicar não só a matriz mas também os clientes (e falamos aqui). Embora os motores estejam “congelados”, a Mercedes optou por fazer mudanças nesta área para permitir ganhos aerodinâmicos e de desempenho.
Foram revistos desenhos da caixa de câmbio, distribuição da refrigeração e geometria da suspensão. Como a Mercedes tem um conceito único, a equipe de projeto teve que deslocar o cockpit um pouco mais para frente do que seu antecessor. Isso não impactou somente a distribuição de peso, mas o centro de gravidade.
Por este motivo, o carro ficou um tanto mais instável em curvas de média e alta velocidade, embora tenha recuperado parte das perdas em termos de velocidade máxima. Mas isso não afeta só a Mercedes. Por usar todo o trem traseiro do time, a Aston Martin acabou por não poder usar o modelo de assoalho traseiro da Red Bull justamente pela filosofia escolhida...
Podemos afirmar que a decisão da Mercedes mudar a posição de pilotagem não foi simplesmente uma afronta a seus pilotos. Uma equipe de engenharia que não leva em consideração o que seu “cliente final” quer cometerá um suicídio em praça pública.
Entretanto, quando se tem demandas enormes, um regulamento extremamente restritivo em diversas partes, é preciso fazer escolhas. E dependendo de como se faça a abordagem delas, o sucesso pode ser obtido ou não. Aqui reside tudo.
Muito se fala que um pacote de atualizações virá em breve, especialmente para Imola. Mas o fato é que a Mercedes precisa trabalhar para poder ser uma efetiva postulante a vitórias. Porém, como dito antes, é preciso ter calma pois tudo é um processo. A equipe reconhece que está atrás e trabalha.
Esta é a prova de que o projeto de F1 é totalmente encadeado e, no fim, nada mais é do que uma concertação de ideias. Como dito antes, não será somente mudar as laterais que farão o W14 um vencedor.