Senna e a história por trás do bico alto da McLaren em 1990
Em 1990, a McLaren foi a primeira equipe a copiar o bico alto da Tyrrell. Mas só rodou uma única vez em Monza. Saiba mais.
Estas fotos volta e meia aparecem nas redes sociais. Porém, pouco se sabe sobre este teste de Senna nesta estranha McLaren. Vamos detalhar esta história a seguir...
No dia 03 de agosto de 1990, a McLaren alugou o circuito de Monza para realizar testes de soluções para a segunda parte da temporada. Àquela altura, alguns dias antes havia acontecido o GP da Alemanha (29/07), com vitória de Ayrton Senna.
Mesmo com a vitória, a Ferrari mostrava ter o melhor carro e Prost estava somente 4 pontos atrás de Senna (48 a 44). O sentimento de urgência batia à porta de Woking e um trabalho intenso de desenvolvimento para melhorar o MP4/5B foi lançado, em conjunto com a Honda.
Naquele ano, a McLaren passava por revisão grande em seu departamento técnico. Steve Nichols, a mente por trás dos carros após a saída de John Barnard, foi para a Ferrari. Gordon Murray, que chegou no final de 1986, começava a se concentrar mais na parte administrativa e trabalhar no projeto do McLaren de rua. Neil Oatley, que havia sido o responsável pelo trabalho inicial com o projeto aspirado em 1988 e 1989, foi o coordenador do MP4/5B.
Para reforçar a equipe e até mesmo aplacar os temores de Senna sobre a capacidade do escritório de projetos, que prejudicava a negociação de renovação de contrato do brasileiro com o time, vieram da Ferrari Gordon Kimball e Henri Durand. O primeiro começou na equipe e havia saído junto com Barnard no final de 86. O segundo, foi uma das cabeças que pensaram o 641 e começou a trabalhar no que seria o carro de 1991.
No afã de manter a liderança, a McLaren foi uma das que olhou com atenção o trabalho feito pela Tyrrell no seu modelo 019. A dupla Jean Claude Migeot e Harvey Postlewhaite achou uma brecha no regulamento e potencializou um caminho que vinha sendo explorado pela March (Adrian Newey) e Benetton (Rory Byrne).
O regulamento pós-efeito solo previa que o fundo do carro deveria ser totalmente plano. Mas a March e Benetton começaram a usar uma zona de depressão logo abaixo da suspensão dianteira para gerar mais apoio aerodinâmico. Isso junto com um bico mais alto, criava uma maior pressão aerodinâmica na frente. A Tyrrell começou a ir por este caminho no 018 de 89, que trazia este conceito, bem como uma suspensão com um único amortecedor (monoshock).
Nos estudos para o 019, Postlewhaite e Migeot se inspiraram no Stuka utilizado pela Força Aerea Alemã na 2ª Guerra. E criaram um carro com um bico extremamente alto, que criava uma pressão tamanha e levava o ar com mais velocidade e “limpeza” para o aerofólio e o extrator traseiro. Quando foi apresentado em San Marino, o carro provocou um grande impacto: era um carro curto e com aerofólios pequenos, impressionando com a velocidade que alcançava com um simples Cosworth V8.
O então responsável pelo setor de Pesquisa & Desenvolvimento da McLaren, Bob Bell (ex-Renault), recebeu o sinal verde para explorar uma solução semelhante para uma aplicação futura. E em três meses e meio, após estudos no túnel de vento do Imperial College, foi preparado para ser testado em pista.
Para este teste, a equipe inglesa trouxe 2 carros para a Itália, bem como seus pilotos titulares, Senna e Berger. O objetivo era validar os dados de um pacote aerodinâmico revisado para segunda parte da temporada (novos extrator traseiro e spoiler dianteiro), uma revisão do motor Honda V10 e o bico alto desenvolvido pela equipe de Bell.
A solução de bico alto da McLaren era bem diversa. Enquanto a Tyrrell usava um bico com duas derivas levando os spoilers para os níveis regulamentares, o projeto de Bell simplesmente levantava os spoilers no mesmo nível do bico, com as derivas laterais indo até o chão. Aparentemente, o restante do carro era o mesmo do utilizado naquela temporada.
Os treinos começaram por volta das 10:30 da manhã, com Senna indo para a pista com o carro com o pacote usado até a Alemanha. Foram dadas cerca de 5 voltas, com o melhor tempo de 1:26,40 (seria a terceira melhor volta da corrida a ser disputada ali pouco mais de um mês adiante). Após estas voltas, o carro foi recolhido e os pilotos conversaram com os técnicos.
Após uma série de mexidas, o novo pacote foi montado. Senna vai para a pista e dá mais 5 voltas, retornando aos boxes e discutindo mais ainda. É feita uma pausa para o almoço.
Na parte da tarde, o carro com bico alto é preparado para uso. Às 14:20 da tarde, vai para a pista. No final da volta de aquecimento, volta para aos boxes pois o spoiler não suportou a pressão gerada. Um remendo é feito pelos mecânicos, usando pedaços das derivas laterais do aerofólio traseiro.
Às 15:55h, o conserto fica pronto e Senna volta à pista com o modelo de bico alto. Dá mais duas voltas e pára definitivamente. Aparentemente, os resultados não são animadores pelas caras vistas nos boxes. O carro começa a ser mexido para voltar ao pacote “convencional”. Meia hora depois, finalmente Berger vai para a pista, com Senna também voltando e os dois encerram as atividades às 18:00h.
De acordo com a “Folha de São Paulo”, Senna declarou que o teste serviu para que a equipe testasse novos conceitos e ter informações para as próximas corridas, incluindo Monza em setembro. Embora até hoje os tempos daquele teste não tenham sido inteiramente divulgados, ficaram bem acima dos estabelecidos como referência e mostrou que não bastava simplesmente subir o bico. Todo o conceito do carro deveria ser revisto. O que se sabe é que Senna considerou o carro “perigoso”, pois a frente do carro não prendia no chão, fazendo o piloto perder o controle.
O conceito do bico alto foi escanteado. Mas, embora tenham sido menos de 20 voltas, o restante foi aprovado e Senna conseguiu fazer uma ótima parte de temporada, tendo como pontos altos Spa e o próprio circuito de Monza, garantindo o campeonato e desencadeando uma crise monstro na Ferrari. Mas aí já é conversa para outro dia....