Guia Fórmula E 2023: Sette Câmara celebra revolução e "estresse" que espera do Gen3
Em entrevista exclusiva concedida ao GRANDE PRÊMIO, Sérgio Sette Câmara abordou o que esperar da Era Gen3 da Fórmula E, que se inicia em 2023, passando pelos problemas de confiabilidade, as possíveis mudanças na ordem de forças e mais ultrapassagens nas corridas
A Fórmula E terá um novo protagonista a partir de 2023. E não se trata de nenhum piloto, em um grid com tantas mudanças em relação ao ano anterior, mas sim de seu novo carro — que promete dar o que falar. Oito anos após sua temporada inaugural, a categoria que se notabiliza por carregar o lema de ser ecologicamente sustentável apresenta sua terceira geração de monopostos. Nesta continuação do GUIA 2022/23 da Fórmula E, o GRANDE PRÊMIO apresenta o tão esperado Gen3.
A estreia da terceira geração de carros da Fórmula E, na verdade, deveria ter sido feita em 2022. No entanto, os planos da categoria foram adiados devido à pandemia e realocados para 2023, com um período maior de testagem para minimização de erros. A questão é que os equívocos apareceram mesmo assim e acabaram destacados na pré-temporada, assuntos que iremos tratar ao longo deste guia.
Primeiro, às especificações: o carro Gen3 possui 5,016 metros de comprimento, 1,7 metro de largura e 1,023 metro de altura. É menor do que o Gen2 em todos os três aspectos, o que influencia diretamente no peso: 840 kg incluindo o piloto, algo em torno de 60kg mais leve do que a geração anterior.
O mais importante, porém, funciona por baixo do chassi. O carro Gen3 é o primeiro da história da Fórmula E a ter sua unidade de potência dividida entre a parte dianteira e a traseira do veículo, o que confere ao bólido 150 kW de potência a mais do que seu antecessor — 350 kW a 200 kW. O aumento de potência faz com que o carro possa chegar a 321 km/h, 41 km/h acima do Gen2.
Nada se compara, entretanto, ao poder de regeneração de energia previsto pela Fórmula E para o novo carro. Em uma categoria na qual é fundamental o controle da bateria e a recuperação de energia através da frenagem e do coasting, a categoria revolucionou o conceito do carro e implementou a chamada frenagem regenerativa.
A partir de 2023, os carros da Fórmula E não terão mais freios hidráulicos. A frenagem dos carros será feita em função do motor dianteiro, que será responsável por recuperar energia ao mesmo tempo em que efetua a diminuição de velocidade. A categoria estima que até 40% da bateria regenerada pelos pilotos ao longo de uma corrida seja feita desta forma, o que mais do que dobra a capacidade dos Gen3 de recuperar energia — 600 kW, contra 250 kW dos Gen2.
Agora, aos problemas. O novo estilo de frenagem dos carros é vital para o aumento da capacidade de regeneração de energia previsto para os Gen3, mas já apresentou seus primeiros imprevistos — e eles podem ser muito graves.
A frenagem dependente do motor dianteiro do Gen3 simplesmente não conseguiu parar o carro de Sébastien Buemi em Valência, na pré-temporada da categoria realizada em dezembro, e o piloto atingiu o muro de proteção com força em uma das sessões de sexta-feira. Como resultado, o carro acabou destruído e a Fórmula E se viu obrigada a analisar os acontecimentos, já que uma falha técnica foi identificada logo antes da colisão.
Para entender o que causou a falha, é preciso compreender a configuração do trem de força da Fórmula E. A unidade de potência consiste, de uma forma geral, em três elementos principais: a bateria, o motor e o inversor de energia. O inversor é como uma ponte dentro do sistema, convertendo a corrente recebida pela bateria em uma outra corrente, esta de alta densidade, que é enviada ao motor. Durante a frenagem, essa corrente é invertida e isso possibilita a regeneração da bateria — uma tecnologia exclusiva da Fórmula E.
A questão é que o inversor do carro de Buemi simplesmente falhou, o que causou uma pane no carro e a consequente falta de frenagem do veículo. O suíço diminuiu o máximo que pôde, mas não conseguiu frear corretamente e poderia ter se envolvido em um acidente ainda maior. Em um calendário repleto de corridas em pistas estreitas e ladeadas por muros, o potencial de perigo fica evidente e suscita questionamentos.
Os problemas, entretanto, não param por aí. A bateria dos carros, produzida pela Williams, não apresentou a confiabilidade prometida e falhou nos primeiros testes, realizados ainda antes da pré-temporada de Valência. Diversas equipes reportaram falhas nos carros e ficaram paradas na pista, perdendo um tempo valioso que poderia ser usado para conhecer melhor o novo monoposto.
Tudo piorou quando os times perceberam que não conseguiriam novas peças em um curto espaço de tempo, com uma logística que se provou ineficaz — já que a Williams ainda trabalha em uma correção para os problemas — e gerou irritação. Na pré-temporada, a potência chegou a ser diminuída em alguns momentos para que fosse possível reduzir as chances de falha. Ainda assim, segue longe do ideal.
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As características externas também foram um problema nos testes de Valência. Consideravelmente mais leves do que os carros anteriores e absolutamente mais velozes, os Gen3 têm apresentado um alto grau de dificuldade de controle até para os pilotos mais experientes — que elogiaram a velocidade, mas se queixaram das constantes perdas de traseira.
Muitos erros puderam ser vistos no Circuito Ricardo Tormo, e a adaptação — em um período extremamente restrito de tempo para testes — precisa ser rápida, já que o calendário prevê circuitos apertados praticamente do início ao fim.
A própria velocidade elogiada pelos pilotos, inclusive, ficou abaixo do esperado. A Fórmula E previa carros até 5s mais rápidos do que seus predecessores, mas a realidade ficou muito longe do planejado.
A volta mais rápida da pré-temporada acabou registrada por Maximilian Günther, da Maserati, no último dia de testes: 1min25s127, apenas 0s636 mais veloz do que a marca estabelecida no período de preparação da última temporada dos Gen2, com Edoardo Mortara — 1min25s763.
Naturalmente, a diferença entre o que foi previsto e o atestado na pista se tornou motivo de críticas, mas os pilotos ainda defendem uma maior adaptação aos novos carros antes de qualquer julgamento — afinal de contas, a temporada 2021/22 reservou o quarto campeonato seguido dos Gen2, uma geração de carros já completamente conhecida pelas equipes em todos os seus aspectos.
Por fim, a falta de paciência das equipes com a categoria também tem intensificado alguns problemas, já que promessas não foram cumpridas por parte da Fórmula E e geraram insatisfação imediata. Os primeiros testes marcaram o ponto inicial de desgaste, com os problemas da bateria e a dificuldade para conseguir reposições, mas tudo piorou quando o novo regulamento esportivo foi anunciado.
Já incomodadas com a dificuldade da Fórmula E para resolver todas as questões envolvendo as baterias dos carros, as equipes viram a categoria aprovar uma regra que já tinha sido votada — e rejeitada por nove a um — anteriormente: a obrigação de escalação de pilotos novatos em ao menos dois treinos livres na temporada.
A regra, "copiada" da Fórmula 1, foi imediatamente rejeitada pelos times, que argumentaram ter uma nova geração de carros em mãos e destacaram a necessidade de estudar o novo monoposto de forma mais profunda.
Além disso, a possibilidade de uma batida com um novato ao volante é naturalmente maior, o que aumenta o nível de preocupação em um campeonato que já comprovou ter dificuldades de produzir peças sobressalentes. Alguns pilotos, inclusive, já admitem a possibilidade de perderem corridas em caso de acidentes na véspera, já que o tempo para reconstruir o carro pode não ser suficiente.
Entre tantas promessas e problemas, a Fórmula E se prepara para dar o pontapé inicial na temporada inaugural dos carros Gen3, que terão suas especificações preservadas até 2025. A partir de sábado (14), a categoria inicia o campeonato de forma oficial com o eP da Cidade do México, a ser disputado no Autódromo Hermanos Rodríguez.
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