WEC: Ferrari se aventura fora da F1 depois de 50 anos
Depois de 50 anos participando exclusivamente da F1, Ferrari volta a ter participação oficial em outra categoria nesta semana
Um dos grandes atrativos do WEC este ano fala italiano: A Ferrari voltará a ter participação oficial na classe principal da categoria. Por consequência, marca a volta à Le Mans.
Esta volta não é pouca coisa. A montadora italiana tem uma grande história em corridas de Endurance: Sua sequência de vitórias entre 1960 e 1965 em Le Mans virou uma lenda em uma época onde as provas de longa duração chamavam mais a atenção do que a própria F1.
Isso ajudou na fama da Ferrari, que despertou interesses da Ford, que tentou comprar a marca em 1963, mas a negociação ficou travada porque limitaria o investimento da montadora no automobilismo. Em 1964 e 1965, a Ford tentou bater a Ferrari por puro revanchismo, mas não conseguiu. Porém, em 1966, as coisas mudaram: Uma vitória humilhante e depois uma sequência de mais três vitórias seguidas dos americanos.
A Ferrari conseguiu vitórias nas 24 Horas de Daytona de 1967, no quintal da Ford, além de ganhar o mundial do mesmo ano. Em 1968, os italianos decidiram não participar em protesto à mudança de regulamento, voltando apenas em 1969. A participação não foi bem sucedida, mas um fato importante que aconteceu neste ano foi a compra da Ferrari pela Fiat, que garantia 50% da marca para o gigante automotivo italiano.
Em 1970 e 1971, quem roubou a cena foi a Porsche com o lendário 917, não dando chances às Ferrari 512S e Ferrari 512M no ano seguinte. Mas é preciso dizer que a Ferrari estava focando no regulamento de 3 litros em 1972, tendo a ajuda da francesa Matra, em uma virada de mesa que beneficiou ambas as marcas: A Ferrari foi correr o Mundial pulando a etapa de Le Mans, enquanto a Matra só correria na lendária corrida francesa.
Quem foi prejudicada neste regulamento foi a Porsche, que era o melhor carro de 3 litros. Só que a classe previa um peso mínimo e isso fez os alemães ficarem fora de combate. A Ferrari venceu todas as provas do campeonato em que participou, enquanto a Matra venceu Le Mans e o acordo entre as duas terminou com um final feliz para ambas as partes.
Em 1973, a Ferrari se viu em uma situação complicada: A forte crise do petróleo atingiu a Itália e greves gerais eram convocadas na Itália, o que atingia toda a indústria, inclusive a própria Ferrari que, numa heresia, chegou a mandar um projeto de carro de F1 para ser desenvolvido na Grã-Bretanha naquele ano, a 312 “Spazzaneve” (Limpa neve) que nem chegou a competir.
A Fiat era a grande financiadora da Ferrari e seus olhos estavam na F1, que crescia junto ao público graças à grande popularização das transmissões televisivas. Afinal de contas, era mais viável colocar uma corrida de 1h30 na transmissão do que uma de 24 Horas. Sob esta ótica, a categoria de monoposto começou a se consolidar como a maior.
Enzo Ferrari queria manter seus dois principais programas de competição. Dizia que no Endurance que os carros eram testados de verdade e muitas vezes chegou a deixar a F1 de lado para centralizar seus esforços nas corridas de longa duração. A Ferrari tentava voltar a vencer em Le Mans, um fato que não acontecia desde 1965.
Naquele ano, a etapa era a oitava do calendário, que contava com dez corridas. Nas sete primeiras havia uma situação de certo equilíbrio em triunfos: A Ferrari tinha vencido duas etapas enquanto a Matra, que resolveu participar de todas as etapas, também tinha vencido duas.
Para o campeonato, só valia o resultado do melhor carro em cada etapa e três eram descartados, não havendo título de pilotos. Até Le Mans, a Ferrari liderava o campeonato com 95 pontos contra 64 da Matra. O programa dos italianos estava ameaçado pelas pressões da Fiat. Uma vitória em Le Mans poderia ter um peso para uma manutenção no Endurance.
A disputa nas horas finais estava entre a Ferrari de Jacky Ickx e Brian Redman e a Matra de Henri Pescarolo e Gérard Larrousse. Mas na última hora de prova, a Ferrari abandonou com problemas mecânicos, acabando com qualquer esperança italiana enquanto a Matra comemorou sua segunda vitória seguida na prova. A marca francesa venceria as duas últimas etapas do campeonato, se tornando campeã por nove pontos,
Foram duas derrotas difíceis de engolir. Com isso veio o ultimato da Fiat, dizendo que não tinha mais dinheiro. Tanto que a própria Ferrari deixou de participar de algumas etapas naquele ano na F1. A partir de 1974, a Ferrari deveria focar exclusivamente na categoria de monopostos e até 2023, não voltaria a ter participação oficial em nenhuma outra categoria.
A partir de 1974, as participações da Ferrari não foram oficiais. A NART, braço americano da marca, chegou a correr algumas vezes até que faliu nos anos 1980. Nos anos 1990, a sensação era a Ferrari 333SP, um carro feito pela Dallara que contava com o motor V12 da Ferrari 641. Ele chegou a vencer provas como as 24 Horas de Daytona, mas não venceu Le Mans. Nos anos 2000, começou a onda dos carros GT e a Risi Competizione disputava com carros da marca em classes menores e chegou a conquistar vitórias.
Nos anos 2010, a Ferrari continuou mantendo esforços de forma não oficial: a AF Corse continuou nos GTs, foram campeões do WEC em 2012, 2013, 2014, 2016 e 2017, além de vitórias por classe em Le Mans em 2012, 2014 e 2019. Nos anos 2020, foram dois campeonatos do WEC, em 2021 e 2022, além de uma vitória em Le Mans em 2021.
Desde que a Ferrari abandonou o Endurance de forma oficial, viveu períodos de altos e baixos na F1. Inicialmente, a aposta se pagou: Niki Lauda venceu os títulos de 1975 e 1977 pela equipe, além do tricampeonato seguidos nos construtores, entre 1975 e 1977. Em 1979, Jody Scheckter conquistou o título de pilotos, além da conquista de construtores.
Nos anos 1980, apenas títulos nos construtores, em 1982 e 1983. A Ferrari só voltou a vencer os construtores em 1999 e o título de pilotos em 2000 com Michael Schumacher. A dominância do alemão garantiu mais quatro títulos seguidos nos dois campeonatos, entre 2001 e 2004 . Após a aposentadoria de Schumacher, a Ferrari se manteve competitiva, conquistando o título de pilotos de 2007, como Kimi Raikkonen e de construtores de 2007 e 2008, mas vive uma seca desde então.
Mas o que motivou a Ferrari a voltar a Le Mans? Foram três fatores principais: Primeiro, o teto de gastos na F1, que obrigou a equipe a deslocar parte do seu esforços para outras áreas; Um regulamento atraente, que permite diferentes tipos de motorização e até estrutura dos carros. E IMSA (campeonato americano de Endurance) e o WEC anunciaram uma equalização entre suas classes principais, o que permite que qualquer carro do regulamento principal de um consiga correr no outro.
Essa equalização é importante pois o IMSA, além de ter o mercado americano, tem as duas provas mais importantes do Endurance tirando Le Mans. A Ferrari ainda não demonstrou intenção em correr no outro campeonato, mas outras montadoras, como a Porsche e Cadillac, irão manter esforços nas duas categorias.
A Ferrari está usando a estrutura da AF Corse para voltar, mas participando oficialmente da categoria. As 1000 Milhas de Sebring, etapa inaugural do campeonato, acontece nesta Sexta-Feira e a montadora italiana irá fazer história, ao voltar oficialmente, depois de 50 anos. O novo carro será o 499P, que será o protótipo que irá tentar vencer Le Mans, depois de 58 anos.