Ayrton Senna, 2024. O que estaria pensando da Fórmula 1?
Escrito especialmente para o Lance! por Ernesto Rodrigues, autor de 'Ayrton: o herói revelado'
Não converso com o Além e nem acredito que haja algum, mas faria algumas apostas sobre Ayrton Senna, se ele ainda estivesse observando o que se passa por aqui, trinta anos depois de sua morte.
Acho, em primeiro lugar, que ele ficaria muito feliz ao constatar que seu trágico acidente serviu para que os carros da Fórmula 1 se tornassem muito, mas muito mais seguros que os do seu tempo, com a introdução de novos materiais de construção; a criação da chamada "célula de sobrevivência", capaz de se manter íntegra mesmo após impactos de até vinte e cinco toneladas; o equipamento HANS, abreviatura do Head And Neck Support, dispositivo que protege a coluna cervical dos pilotos em impactos violentos; e a chamada "gaiola de proteção" do cockpit, que se existisse no dia 1º de maio de 1994, muito provavelmente evitaria que um braço da suspensão dianteira de sua Williams penetrasse na viseira do capacete e destruísse seu cérebro instantaneamente.
Já o desenho dos novos circuitos, seus limites definidos com tinta branca e os raríssimos pontos de ultrapassagem, associado às normas de construção dos carros que dificultam a briga por posições na pista, certamente deixariam Ayrton aborrecido, mesmo levando-se em conta que ele costumava "descobrir" pontos de ultrapassagem que ninguém antes imaginava existirem.
Particularmente irritantes para ele, aposto, seriam as normas atuais de conduta dos pilotos na pista, que às vezes parecem estar organizando mais uma aula de escolinha do Detran para renovação de carteira de habilitação do que corridas da categoria mais importante do automobilismo mundial. Ayrton, que nas palavras de um jornalista inglês, "nos levou a lugares que não sabíamos que existiam" com suas ultrapassagens inacreditáveis e seu estilo que dosava a própria fúria competitiva com uma inacreditável capacidade cognitiva, certamente ia defender que a FIA fosse menos restritiva e burocrática.
Também acho que Ayrton não veria muito sentido na obsessão com a qual alguns colegas da imprensa ainda especulam, com um olhar criminalístico, sobre o acidente de Imola, como se naquele dia pudesse existir alguém que, dolosamente, soldou de forma premeditadamente errada a barra de direção da Williams. Ele sabia que carros de corrida, incluindo os sofisticados da Fórmula 1, não são automóveis de rua com direito a recall. São protótipos construídos para serem levados ao limite, sempre. Ayrton, acho, certamente exigiria a demissão sumária do engenheiro responsável pela lambança, jamais um processo de tentativa de homicídio contra a equipe.
E um último palpite: mesmo não tendo dúvida de que Ayrton, entre Lula e Bolsonaro, votaria, como a irmã, no capitão reformado, acho que ele ficaria triste com o que fizeram com a bandeira com a qual ele uniu milhões de brasileiros cheios de orgulho de sua arte.
Ernesto Rodrigues
Jornalista e autor de Ayrton: o heroi revelado