Esqueça luxo da NBA: no Brasil, bola laranja é Libertadores
"Mas o jogo do Palmeiras não foi na quarta-feira?", perguntou ao repórter o taxista responsável por levá-lo até o Allianz Parque na noite desta quinta-feira, para acompanhar à partida entre Palmeiras e Flamengo pelo NBB 7. Ele se referia ao duelo do time comandado por Oswaldo de Oliveira contra o Rio Claro, pelo Campeonato Paulista. O questionamento é justificável - já que o clube alviverde é mais conhecido por causa do futebol do que pelos outros esportes. Ao mesmo tempo, porém, não deixa de ser sintomático.
Pelo tamanho que tem, o basquetebol está longe de ocupar, no coração do brasileiro, o espaço que deveria. Ou melhor: que merecia. Duas vezes campeão mundial com os homens, uma vez com as mulheres, responsável em cinco oportunidades por colocar o País em um pódio olímpico... O esporte praticado com a bola laranja é tradicionalíssimo, mas há muito tempo está adormecido em solo verde e amarelo. Só agora é que tem voltado a evoluir - principalmente por causa da criação do NBB, em 2008, e do estreitamento de relações com a NBA.
É um erro deixar de lembrar, entretanto, que o basquete brasileiro não morreu. Ele, que tantas alegrias proporcionou aos torcedores nacionais em um passado não tão distante, ainda existe, é bastante praticado e tem identidade bem definida no País do futebol - e que cada vez mais também tem se tornado o País do vôlei e até do MMA.
Mas esqueça todo o luxo e glamour da NBA, principal liga da bola laranja do planeta. No Brasil, o basquetebol tem jeito de Copa Libertadores da América, torneio que a cada ano reúne os clubes de futebol mais fortes da América do Sul e que é conhecido por ser o oposto da riquíssima e muitas vezes fria Liga dos Campeões da Europa.
Entenda abaixo:
Ingresso? Que ingresso?
Nos EUA, turistas e torcedores pouco fiéis precisam desembolsar grande quantia de dinheiro para conseguir ir ao ginásio assistir a uma partida da NBA. Existem aqueles que compram carnês caríssimos no início do ano para ter lugar cativo em cada jogo de uma equipe, e isto diminui a oferta de bilhetes durante o restante da temporada.
No Brasil, contudo, não é bem assim que acontece. Ingressos a R$ 30 são considerados caros. A prática mais comum é a da gratuidade. O Palmeiras, por exemplo, não cobra bilhetes na entrada do seu ginásio. Basta chegar, passar pela catraca e entrar. Sem pagar nada. Quando a capacidade é atingida, os portões são fechados.
Acanhado é mais gostoso
Nada de imponência. Os ginásios utilizados na NBB são, em sua maioria, mais do que acanhados. Há poucas casas do basquetebol brasileiro que suportam públicos superiores aos 5 mil. Isto nem seria rentável a um clube, já que as médias de torcedores por jogo na liga brasileira sequer se aproximam deste número.
Diferentemente dos EUA, que têm ginásios acostumados a receber mais de 15 mil pessoas, o Brasil se caracteriza por sediar partidas em locais menores e mais "aconchegantes" ao torcedor. Os enormes Nilson Nelson (em Brasília, para até 16 mil pessoas) e Arena da Barra (no Rio de Janeiro, para pouco mais de 15 mil) são exceções.
Torcida visitante separada
É bastante comum na NBA ver torcedores de equipes diferentes misturados nas arquibancadas de um ginásio. O amarelo dos Los Angeles Lakers e o vermelho do Chicago Bulls, por exemplo, marcam presença em quase todas as arenas dos EUA - independente do jogo.
No NBB, porém, não é bem assim que funciona. Quando há um número expressivo de torcedores visitantes em uma partida, eles são imediatamente posicionados em um ponto estratégico - isolado dos fãs mandantes.
Apesar de a rigidez não se comparar à do futebol - que até torcida única tem cogitado -, ela é bem maior em relação à da Terra do Tio Sam. Nesta quinta, por exemplo, torcedores do Flamengo, que sequer estavam vestidos de vermelho e preto, tiveram de sentar em locais distantes dos palmeirenses no Palestra Itália. Mesmo assim, houve princípio de confusão.
Show?
Os americanos encaram o esporte (e principalmente o basquete) como entretenimento. Torcedores vão aos estádios e ginásios não só para torcer. A intenção é se divertir. Por isso, nos momentos em que as partidas estão paralisadas - seja em tempo-técnico ou intervalo -, mascotes e cheerleaders fazem o impossível para grudar o olhar das pessoas à quadra.
No basquete brasileiro, contudo, há apenas tentativas falhas de se fazer isto. Entre o primeiro e o segundo tempo do confronto entre Palmeiras e Flamengo, nesta quinta, no Palestra Itália, por exemplo, crianças foram chamadas ao centro da quadra para arremessar bolas da linha central. "Preciso arranjar seis, hein?", anunciou o locutor, ainda durante o primeiro tempo (sim, durante o jogo!).
Quando as escolheu, contudo, ele passou a atuar como narrador, gandula e até "recreador" dos mais de mil torcedores presentes nas arquibancadas. Um dos garotos incrivelmente encestou a bola à longa distância. O prêmio? Nada dos milhares de dólares da NBA. E sim um voucher para fazer compras na loja do Palmeiras. É mole?
Isto que é pressão
Esta aí o que mais justifica a comparação do NBB com a Copa Libertadores da América. A pressão que as torcidas exercessem nas partidas da liga brasileira de basquete se parece com a dos jogos do torneio continental de futebol e é infinitamente superior à dos fãs que vão aos confrontos da NBA.
Mesmo tendo praticamente menos da metade da capacidade dos ginásios americanos, as casas verde e amarelas são mais hostis aos jogadores adversários.
Nos EUA, os ensaiados gritos de "defesa" e "vamos lá" não chegam a assustar os atletas. Já no Brasil, as torcidas têm cantos de incentivo, de provocação e geralmente transformam os locais dos jogos em inferno aos rivais.
Não há tentativa de distrair os atletas visitantes com gestos durante os lance-livres, por exemplo, mas os gritos com viés futebolístico certamente mexem mais com o ambiente das partidas.
E o jogo jogado?
Os EUA são o país do basquetebol e, provavelmente, isto nunca deixará de ser verdade. O estilo de jogo americano é considerado o perfeito: aquele que alterna a hora certa de trabalhar no cinco contra cinco com o momento de atuar em velocidade na transição.
O esporte praticado no Brasil, por sua vez, ainda não tem uma grande característica que o define. Bate-se menos lances livres do que na Terra do Tio Sam (as partidas são menos físicas) e se arremessa mais bolas do perímetro (erros são, então, mais comuns).
Para o ala-armador argentino do Palmeiras, Max Stanic, porém, o modo de se praticar basquete em solo verde e amarelo tem ficado cada vez melhor. Aos 36 anos, ele já atuou em centros poderosos do esporte, como Argentina, Itália, França e Espanha, e tem experiência suficiente para opinar.
"O basquetebol brasileiro está muito mudado. Não é mais o jogo de dez, 15 anos atrás, que era só correria e chutes de três. Agora, há jogadores de muita qualidade aqui, que já passaram pela Europa, pela NBA, e as partidas estão muito mais parecidas com as da Argentina de tempos atrás (quando a seleção albiceleste foi campeã olímpica em 2004)", disse.
"O NBB tem um nivel muito alto e a prova disto é que os times brasileiros conquistaram as duas últimas Ligas das Américas (Pinheiros, em 2013, e Flamengo, em 2014), e a Seleção venceu a Argentina (por 85 a 65 nas oitavas de final do último Mundial masculino)", completou.
E aí, o que você acha? O basquete brasileiro tem forças para voltar a ser vitorioso e se tornar poderoso internamente? Opine!