Botafogo em queda livre representa choque de realidade dos clubes que viraram SAF
Enquanto Bahia, Cruzeiro e Vasco lutam contra o rebaixamento, alvinegro carioca desperdiça 13 pontos na liderança do campeonato
Era difícil imaginar que o Botafogo, que cravou a melhor campanha da história dos pontos corridos no primeiro turno e chegou a abrir 13 pontos de vantagem para o segundo colocado, pudesse desperdiçar a oportunidade de voltar a ser campeão brasileiro depois de 28 anos. Porém, a queda livre na metade final do campeonato indica que o time está próximo de alcançar a proeza às avessas.
Com a segunda pior campanha do segundo turno, superando apenas o já rebaixado América-MG, a equipe botafoguense acumula cinco jogos sem vencer e quatro derrotas consecutivas, incluindo duas viradas por 4 a 3 sofridas para Palmeiras e Grêmio, que, antes desacreditados, se tornaram fortes concorrentes na briga pelo título.
Além de frustrar a imensa expectativa dos torcedores alvinegros, a debacle do Botafogo representa o choque de realidade dos clubes tradicionais que viraram SAF nos últimos anos. Comprado pelo norte-americano John Textor, o clube investiu alto na formação do elenco e voltou a brigar no topo da tabela, mas tem cometido erros típicos dos velhos cartolas do modelo associativo no futebol brasileiro.
Quando a equipe perdeu o técnico Luis Castro, que preferiu aceitar proposta de trabalho mais rentável na Arábia Saudita, a SAF botafoguense usou o trunfo de sua rede global de clubes. Trouxe Cláudio Caçapa do Lyon, que também pertence a Textor. O ex-zagueiro emplacou quatro vitórias consecutivas, mas acabou rumando para o Molenbeek, da Bélgica, outra propriedade do magnata investidor, enquanto o Botafogo resolveu apostar no português Bruno Lage.
O novo técnico durou somente 16 jogos no cargo, demitido após pressão dos jogadores, que reivindicaram a promoção do auxiliar Lúcio Flávio ao comando. Ceder à pressão do elenco insatisfeito para rifar um treinador é o puro suco da cartolagem e da gestão arcaica de futebol, justamente o oposto do que se esperava de um clube agora regido por princípios empresariais.
No Cruzeiro, comprado em 2021 pelo ex-jogador Ronaldo, o time mergulhou na zona de rebaixamento após demitir o português Pepa devido ao descontentamento do grupo de atletas com o técnico que fazia o time jogar bem, mas não podia entrar em campo para marcar gols. Se as SAFs prometiam novas práticas e uma visão de negócio a longo prazo, o que se observa até o momento é a repetição de fórmulas imediatistas do fracasso esportivo.
Mais dois clubes grandes que se converteram ao modelo de clube-empresa, Bahia e Vasco, assim como o Cruzeiro, também lutam contra o rebaixamento após subirem da Série B no ano passado. Tanto o tricolor administrado pelo Grupo City quanto o cruzmaltino sob controle da 777 experimentaram trocas de técnico diante de maus resultados no meio da temporada. Ao mesmo tempo, erros da diretoria, seja pela leniência no mercado ou por desperdiçar grana em contratações frustradas, se camuflam por trás da obsoleta responsabilização da figura do treinador.
Em metade dos jogos, Lúcio Flávio já tem aproveitamento pior que o de Bruno Lage no Botafogo. A medida de atender a vontade do elenco, como na maioria dos casos, não surte efeito. Para piorar, Textor resolveu apelar a um expediente clássico dos cartolas mais antigos: culpar a arbitragem pelas derrotas. Com a insinuação de que existe um suposto esquema para tirar o título do clube, o empresário ajudou a enterrar o emocional do time ao comprar o discurso de perseguição.
O Botafogo, apesar do pífio retrospecto no segundo turno, segue líder, com um jogo a menos que Grêmio e Palmeiras, que agora empataram em pontuação. Ainda há esperanças, mas, se mantiver o desempenho, periga perder até mesmo a vaga na Libertadores.
Para quem achava que SAF e dinheiro novo eram a solução para todos os problemas dos grandes clubes endividados, vale examinar com mais frieza os deslizes cometidos pelos donos das sociedades anônimas do futebol, que não blindam nem um time que continua brigando por título. Não adianta só mudar o modelo se a fórmula reflete vícios que podem acometer tanto empresas como associações.