Caminho do penta: ‘kit sexo’ barrado, malandragem de herói e cambalhota da vitória
Seleção saiu do Brasil desacreditada após dificuldade para se classificar e conquistou o título com redenção de Ronaldo
Entre gritos de 'burro' e pedidos por 'Romário', o Brasil de Luiz Felipe Scolari optou por colocar Zeca Pagodinho para tocar e seguiu no ritmo de 'Deixa a vida me levar (vida leva eu!)' até conseguir confirmar o hit de Ivete Sangalo e deixar 'rolar a festa'. Essas duas canções deram o tom entre os 23 convocados para ir em busca do pentacampeonato mundial no Japão e na Coreia do Sul.
Os quatro anos entre a dolorosa derrota na final para a França em 1998 e a classificação para Copa de 2002 foram de muita turbulência no time canarinho. Vanderlei Luxemburgo, Candinho e Emerson Leão ocuparam o comando na beira do gramado até a chegada de Luiz Felipe Scolari.
Foram muitos vexames em campo e muitas polêmicas fora das quatro linhas. O vice-campeonato em Paris virou motivo de CPI em Brasília, mediante a suspeita de que a Nike, patrocinadora da Seleção Brasileira, teria vendido o jogo para os franceses. E até o mal-estar de Ronaldo na decisão foi motivo de desconfiança. Não à toa a pressão era enorme nos arredores da CBF e Granja Comary.
Apesar da campanha popular, Felipão foi irredutível e não chamou Romário para a disputa do Mundial. O treinador apostou todas as suas fichas no Fenômeno, que era uma incógnita por causa das duas cirurgias no joelho, e em Luizão, que foi o grande herói na classificação do Brasil para a Copa. O artilheiro do Corinthians marcou duas vezes na vitória decisiva contra a Venezuela para carimbar o passaporte brasileiro para Ásia.
A cumplicidade entre Felipão e Luizão é algo que permanece até hoje, como apontou o ex-centroavante em entrevista exclusiva para o Terra para o especial O Caminho da 6ª estrela, que resgata a história de cada um dos cinco títulos do Brasil em Copas do Mundo a partir da memória dos próprios heróis.
O artilheiro revelou que foi um dos primeiros a pegar o telefone e ligar para o técnico após a dolorosa derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1 em 2014: "Você foi campeão do mundo. Infelizmente, os caras não jogaram, mas passou. Você é penta."
O carinho ao se referir a Felipão fica evidente em cada manifestação do ex-atacante, que faz questão de elencar adjetivos para elogiar o comandante, que encerrou a carreira de treinador neste ano e vai seguir no futebol como diretor técnico. "É um grande homem, um cara maravilhoso, fantástico, que fez o Brasil sorrir de novo."
Em uma conversa descontraída por telefone, Luizão contou causos da conquista do pentacampeonato. O ex-atacante curtia dias de descanso com a família no interior de São Paulo e preferiu não encontrar a reportagem pessoalmente. Durante os contatos foi possível ouvir que o clima era realmente de diversão.
Se você se recorda da Copa do Mundo de 2002, vai se lembra que o Brasil saiu perdendo para a Turquia e deixou todo mundo com a pulga trás da orelha: 'Será que vamos ser eliminados logo de cara?', afinal o clima entre torcedores e jogadores era de desconfiança após a sofrida classificação da Seleção. A tensão com o gol de Hasan Sas no final do 1º tempo também tomou conta do vestiário verde e amarelo.
Na volta do intervalo, Ronaldo conseguiu deixar tudo igual em um voleio meio sem jeito. A virada só veio graças ao jeitinho brasileiro de Luizão. O artilheiro entrou em campo, arrancou, foi puxado fora da área, mas caiu depois da linha da grande área, levando o juiz a marcar pênalti. Ainda bem que não tinha o VAR naquela época, né?
"Foi pura malandragem. A gente tinha tido uma palestra com o Arnaldo [Cesar Coelho, ex-árbitro e comentarista de arbitragem], falando da malandragem. Eu queria fazer o gol, mas tava sem forças, aí eu cai e o juiz marcou o pênalti", relembrou aos risos.
A vitória contra a Turquia, os vídeos de festa nas ruas pelo Brasil e a confiança de Paulo Paixão, preparador físico da Seleção, que repetia que o título viria, aumentaram o otimismo de um grupo que conseguiu fechar bem a primeira fase com vitórias tranquilas contra a China e a Costa Rica.
Apesar da fama de 'bagunceiros', o camisa 21 afirmou que o grupo era 'tranquilão' e que 'não teve muita farra' nos momentos de folga. Na preparação para a Copa, Felipão ficou bravo após uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo dizer que os jogadores receberiam um 'kit sexo', com revistas masculinas para ajudar a passar o tempo. Kaká, que era o caçula do grupo e evangélico, seria o único fora da 'lista de recebidos'. A entrega nunca chegou. Na concentração, os jogadores se divertiam contando piadas, jogando baralho e apostando quem fazia 100 metros mais rápido.
Para Luizão, o jogo mais difícil foi contra a Inglaterra, rival das quartas de final após o Brasil superar a Bélgica nas oitavas. Os ingleses saíram na frente, mas Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho --em um gol que não se sabe se ele queria cruzar ou chutar para a rede-- decidiram a classificação para a semifinal para reencontrar novamente os turcos. Dessa vez, foi o biquinho salvador de Ronaldo que levou a Seleção para a terceira final consecutiva de Copa.
"O jogo contra a Alemanha, a gente já sabia que ia ganhar, não foi um jogo que a gente teve medo de perder, tínhamos muita confiança. A gente passou o momento mais difícil contra a Inglaterra. Quando passamos e soubemos que o Ballack, principal jogador da Alemanha não ia jogar, isso aumentou ainda mais a confiança", relembrou Luizão.
Na decisão, Ronaldo levou a melhor contra o goleiro alemão Oliver Kahn e marcou os dois gols que definiram a conquista do pentacampeonato. O Mundial marcou a redenção do camisa 9, que saiu como grande nome da campanha brasileira e até 'apagou' as grandes atuações de Rivaldo. "Para mim, o melhor jogador da Copa foi o Rivaldo, ele não gosta muito de aparecer, e a imprensa do Brasil quando gosta de alguém, só gosta desse alguém, né?", alfinetou.
A festa do penta se estendeu durante todo o trajeto de volta para o Brasil. "O Vampeta veio bebendo o caminho todo. Eu bebi com o Vampeta as primeiras 12 horas e depois dormi as outras 12 horas. Lembro da Ivete [Sangalo] falando que a gente ia cair do trio", afirmou Luizão. A comemoração passou por Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.
Na capital federal, Vampeta protagonizou uma das cenas mais icônicas daquela conquista. O meio-campista vestiu a caminha do Corinthians, clube que defendia na época, e deu cambalhotas na rampa do Palácio do Planalto após encontro com o então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em rápido encontro com a reportagem do Terra, Vampeta afirmou que a cambalhota foi um "momento único". "Momento de alegria, campeão do mundo. Se fosse para escolher alguém da atual Seleção, acho que o Richarlison, o pombo, pode repetir."
*Com colaboração de Alexsander Vieira