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Luto por Senna e peso de jejum impulsionaram o Brasil na busca pelo tetra

Seleção conquistou o quarto título da Copa do Mundo em 1994, apesar do caos econômico e social que dominava no país

19 nov 2022 - 05h00
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Gilmar relembra peso de jejum e união do Brasil na busca pelo tetra em 1994:

"Mágico". Foi dessa maneira que Gilmar Rinaldi, ex-goleiro do Brasil, definiu a tarde de 17 de julho de 1994. A data, que pôs fim ao jejum de títulos de 24 anos, traz uma série de simbolismos e questões histórico-sociais que transcendem a partida final entre a Seleção Brasileira e a Itália, no estádio Rose Bowl, em Pasadena, nos Estados Unidos.

O título de País do futebol estava estremecido após cinco fracassos seguidos em Copas do Mundo. A última conquista em 1970 no México marcou o tri e selou o período áureo no qual a Seleção ganhou três Mundiais (1958, 1962 e 1970) em uma sequência de quatro Copas. 

Seleção Brasileira conquistou o tetra nos Estados Unidos
Seleção Brasileira conquistou o tetra nos Estados Unidos
Foto: Fábio M. Salles / Estadão

Depois disso, a Seleção colecionou derrotas. O time de 1982, liderado por Zico, encantou o mundo com seu futebol, mas ficou marcado pela eliminação nas quartas de final, para a Itália de Paolo Rossi. Em 1990, os brasileiros sucumbiram para a rival Argentina, numa eliminação sofrida com a suspeita de "água batizada".

O peso da falta de resultados aumentou ainda mais a pressão durante as Eliminatórias para a Copa dos Estados Unidos. O desempenho aquém do esperado e o risco da desclassificação desencadeou uma crise na amarelinha, em que a derrota para Bolívia por 2 a 0 alcançou o seu ponto de maior tensão. Até então, o Brasil jamais havia perdido uma partida na etapa classificatória.

"Talvez para o bem da Seleção seja o momento de eu me retirar", lembrou Gilmar sobre o que disse Parreira após o resultado. O ídolo concedeu entrevista exclusiva ao Terra para o especial O Caminho da 6ª estrela, que resgata a história de cada um dos cinco títulos do Brasil em Copas do Mundo contada a partir da memória dos próprios heróis.

A derrota foi tão emblemática e significativa para o elenco que, no jogo seguinte no Recife, um gesto combinado pelos jogadores marcaria a Seleção até o final da Copa.

"Nós entramos em campo no jogo de Recife com todo mundo de mão dada. E aí o pessoal percebeu que aquela corrente e que esse time não iria se abalar pelas críticas", destacou. "Éramos pressionados e estávamos desacreditados", continuou Gilmar.

Um dos jogadores mais experientes do elenco naquela época, Gilmar fez questão de reforçar, ao longo da conversa, o peso dos fator emocional entre os jogadores durante a competição. Reiteradas vezes, ele resumiu toda a carga a uma palavra: "pressão".

Influência de fatos históricos

O histórico esportivo já seria o suficiente para trazer a carga de dramaticidade à final da Copa, mas os acontecimentos extra-campo não aliviaram. Nos meses que antecederam o torneio, o País viveu o impeachment do então presidente Fernando Collor, crise econômica assustadora e a morte de Ayrton Senna, um dos maiores ídolos brasileiros.

O astro da Fórmula 1 morreu em um acidente em 1º de maio, 46 dias antes do Mundial começar. "Entramos com uma faixa em homenagem ao Senna", lembrou Gilmar, emocionado. 

A comoção do time não era só porque Senna era ídolo. Na noite de 20 de abril de 1994, uma quarta-feira, cerca de 60 dias antes do torneio, um convidado especial deu o pontapé que iniciaria a partida no Estádio Parque dos Príncipes, em Paris, na França.  

"Ele estava muito presente na nossa conquista. Senna deu a saída de campo olhou para trás e falou: 'vocês aceleram de lá, e eu acelero daqui'", relembrou o ex-goleiro, ao citar a participação especial do piloto em um jogo da reta final de preparação para a Copa, que ocorreu pouco tempo antes do acidente fatal. 

Horas antes da final, o grupo decidiu fazer uma homenagem a Senna relembrando suas palavras naquela partida. "A morte dele foi um baque muito grande para o Brasil e decidimos fazer uma faixa. Apareceram frases muito boas, só que muito grandes, não dava para colocar na faixa. A frase foi, inclusive, minha. Eu lembrei do que ele falou e sugeri ao grupo: 'Senna, aceleramos juntos… O tetra é nosso", contou Gilmar.

A homenagem quase não ficou pronta a tempo da final.

"Só que não tinha como fazer a faixa, não dava tempo de pintar. Aí, naquele momento, tinha uma impressora que estava recebendo um telex. Falei: 'Gente aqui está nossa solução. Vamos roubar essa bobina de papel, a gente escreve e vamos carregar essa faixa com cuidado'. Aí nasceu a faixa do Senna e, se perceber na foto, está todo mundo segurando ela com muita delicadeza, que qualquer movimento a faixa ia desmanchar", acrescentou. 

Jogo contra a Holanda

Certos jogos marcam a edição de uma Copa e uma dessas disputas foi relembrada pelo goleiro Gilmar. A partida das quartas de final contra a Holanda, que, nas palavras do próprio atleta, parecia tranquila, ganhou traços de emoção e um desfecho com participação decisiva de um personagem até então contestado. Branco é o nome dele, lateral que definiu a vitória brasileira por 3 a 2.

"Deu uma pane e a coisa começou a ficar complicada. Aí apareceu o Branco, que era repreendido quase todo treinamento porque ele ficava uma hora depois dos treinos, fazendo chute a gol, e eu ficava com ele lá. Falavam que ele ia se machucar, mas deu certo tudo que ele treinou", disse Gilmar.

Mas a emoção mesmo foi sentida na final, durante a entrada em campo no início da partida contra a Itália. Sem titubear, Gilmar afirmou que o momento em que os dois times ficaram perfilados foi o mais marcante. 

Os atletas repetiram o gesto feito na partida no Recife e, sem ninguém dar o comando, deram as mãos uns para os outros.

"Aquilo abalou de uma forma tão grande o time italiano, que é até difícil de explicar. Os jogadores da Itália não entendiam. Tenho certeza absoluta que o que eles pensaram naquele momento era: 'Que time é esse que vamos enfrentar, que fora de campo já está todo mundo de mão dada?'. Felizmente eles tinham razão. O time se manteve acorrentado e unido até o fim", contou Gilmar, com uma riqueza de detalhes que somente quem viveu é capaz de fazê-lo.

A decisão nos pênaltis também emocionou, mas antes deixou o goleiro aflito. Ao contrário do que muitos dizem, Gilmar não vê a penalidade máxima como "loteria". 

"O jogo foi muito difícil. O horário era terrível, com um calor insuportável. O pênalti é aquela agonia. A gente tinha treinado muito e todo mundo foi bater consciente. Depois, saiu todo mundo correndo, ninguém sabia para onde correr e quem abraçar. A ficha não caia", relembra. 

2022, 20 anos de jejum

Agora, o Brasil está há 20 anos sem ganhar uma Copa do Mundo. A última vitória foi em 2002 contra a Alemanha, na Copa da Coreia do Sul e do Japão. Questionado sobe o que a Seleção precisa fazer para conquistar o título em 2022, Gilmar citou a pergunta que Parreira fez ao elenco em 1994.

"Qual é o preço que vocês estão dispostos a pagar para ganhar a Copa do Mundo? Saibam que tem que pagar um preço de sacrifício, de resiliência, de saber que a vaidade está em segundo plano. É assim que se conquista. Não tem outra fórmula", resumiu.

Fonte: Redação Terra
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