Antes das cobranças de pênaltis no primeiro jogo em fase eliminatória da Copa do Mundo, Júlio César chorou e o capitão Thiago Silva foi além das lágrimas, isolando-se do grupo e precisando até ser consolado por Paulinho e Henrique, que eram reservas. A Seleção Brasileira foi eficiente e eliminou o Chile, mas as cenas mostram fragilidade emocional em um grupo que não teve mais do que uma curta conversa com a psicóloga Regina Brandão semanas antes do Mundial.
“Pode chorar, é uma forma de extravasar a emoção. Mas, antes de um momento importante e decisivo, ver o goleiro e o capitão chorando, e o treinador, em vez de acalmar e motivar, ficar na beira do campo reclamando da arbitragem e xingando adversários demonstram uma falta de controle emocional das mais perigosas”, alertou João Ricardo Cozac, psicólogo do esporte e presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte.
Antes da Copa, Regina Brandão teve acesso aos jogadores para fazer entrevistas e traçar perfis individuais dos convocados. A partir de então, Luiz Felipe Scolari se incumbiu da tarefa de trabalhar a motivação de cada um e relatou ter tido mais trabalho nesse sentido do que em qualquer outro na véspera da estreia do Mundial, indo aos quartos dos atletas. O que se viu foi choro excessivo nos jogos já na execução do hino nacional.
“O Felipão achar que representa a Regina na Seleção está furado, ninguém tem que representá-la a não ser ela mesma. Ele aceita a psicologia até certo ponto, e esse ponto é muito, muito, muito limitado, 20% do que a psicologia pode oferecer. Os outros 80% o Felipão não conhece ou não aceita”, analisou Cozac, que considera ideal maior participação permanente de um psicólogo em vez de palestras com ex-jogadores “baseadas só no senso comum”, como tem ocorrido.
De acordo com o psicólogo, o trabalho na área não foi mais do que um teste conhecido como POMS (Perfil dos Estados de Humor). “É um inventário sem validação científica criado nos anos 1970 em um hospital psiquiátrico nos Estados Unidos e adaptado para a língua portuguesa em uma tradução superficial, muito falha, para fazer um mapeamento e ver se há a tendência de cansaço emocional, tensão, depressão...”, explicou.
“Mas não adianta só mapear. Todo o trabalho de grupo, união da equipe, orientação individual e coletiva é delegado ao treinador, o que está absolutamente equivocado. Não se pode chamar uma psicóloga duas semanas antes da Copa para só fazer um relatório e ir embora. O Felipão não é psicólogo, não é credenciado para isso”, questionou Cozac, que entende como ideal a presença de um psicólogo até nos vestiários para detectar o clima e os conflitos internos no grupo, e iniciando seu trabalho muito antes da Copa do Mundo.
“Quando o (presidente da Fifa, Joseph) Blatter abriu o envelope e saiu o Brasil como país-sede da Copa, tinha que ser iniciado um trabalho psicológico ao lado da medicina e da preparação física junto com o treinador, fosse ele Mano Menezes, Felipão, Muricy Ramalho, Dunga... Um departamento de psicologia deveria manter contato com todos que foram convocados desde esse período”, opinou, pedindo integração de psicólogos com médicos e preparadores físicos para “se conceber o atleta de forma integral, mente e corpo”.
“Vejo na Seleção um temor do fracasso e da reação popular se o Brasil for eliminado. Existe uma pressão pública, dos patrocinadores e dos torcedores, sobre um grupo de 23 jogadores que está sendo treinado por um técnico que já mostrou que entra nessa onda, nessa vibração de contestação, reclamação. Isso só atrapalha a possibilidade de retomada do equilíbrio, do fortalecimento interno para dar conta de todas as demandas que a Copa exige”, continuou analisando Cozac.
A reação de Thiago Silva nos pênaltis, para o psicólogo, mostra que o capitão deveria ser outro. “A psicologia deveria ajudar a achar o capitão. Preferiram encontrar o Thiago Silva. Quando a Seleção mais precisou dele para chegar entre os jogadores, conversar e dar força, estava sozinho, sentado na bola, chorando e sendo acalmado pelo Paulinho, que estava na reserva. Ou seja, já existe um erro na escolha do capitão”, definiu.
Ao falar sobre o assunto, Cozac citou Dunga. “Ele superou quatro anos que não foram fáceis depois do fracasso em 1990 e deu a volta por cima na Copa de 1994 sem precisar ficar chorando ou demonstrando fragilidade. Levantou a calça, socou o ar e falou palavrão na disputa dos pênaltis na final”, recordou.
Cozac avalia que a Seleção e Scolari são um reflexo do preconceito e da desinformação que ainda existe em relação à psicologia do esporte no Brasil, enxergando que só há um espaço muito reduzido dado por poucos técnicos, em parte por um medo “sem sentido” de se perder a voz do grupo para o psicólogo. Atualmente, Alemanha, Estados Unidos e Holanda são algumas seleções que mantêm há mais de dez anos um trabalho psicológico desde as categorias de base – e as três passaram da primeira fase da Copa levando poucos sustos.
Uma puxada de camisa, uma cabeçada, uma reação e um "voo" em campo. Principalmente pelo nervosismo, o jogo entre Brasil e Chile, no Mineirão, em Belo Horizonte, teve lances e detalhes que a maioria dos torcedores não percebeu
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
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