Como sempre faço, vou gravando no meu anotador eletrônico tópicos que não
posso nem devo esquecer numa cobertura. E, historicamente, quero deixá-los
aqui. Desejo dividi-los com os leitores.
Os episódios de São Januário mostraram incompetência e desrespeito. Os
dirigentes não sabem e não querem aprender a organizar eventos. Aqui seguem
apenas algumas anotações feitas naquela tarde que não sairá da memória com
facilidade.
1) Difícil acesso ao estádio de São Januário. Ruas estreitas e dezenas de barracas
sobre as calçadas vendendo alimentos e bebidas sem nenhum controle de
qualidade e higiene. A torcida caminhava pelas pistas dos automóveis, com o
trânsito inteiramente confuso. Conforto zero.
2) Nas portarias, milhares de pessoas entravam com ingressos e sem ingressos.
Todo mundo passava pelas entradas. Um descontrole total. Disseram que todos os
35 mil ingressos tinham sido vendidos. Antes mesmo de o jogo começar todos já
sabiam que o estádio receberia uma perigosa superlotação.
3) De maneira inédita, a final da Copa João Havelange teria apenas uma torcida
no estádio. O Vasco, segundo Eurico Miranda, queria que "o São Caetano se
dane...". Nem na varzea existe mais esse tipo de comportamento deselegante. O
adversário sem ingresso, sem torcida, quase nem com a presença da sua própria
diretoria. No primeiro jogo, o São Caetano reservou 3 mil ingressos aos
torcedores do Vasco, mas a recíproca não ocorreu.
4) O portão de acesso ao gramado foi trancado com um cadeado, e o São Caetano
não pôde pisar no campo antes do jogo começar. A equipe do São Caetano ficou
presa dentro do vestiário. Sem espaço para aquecimento e sem permissão para
dar uma olhadinha no campo de jogo.
5) Quase todas as emissoras de rádio que foram transmitir a partida ficaram na
lateral do campo, num buraco, com seus equipamentos colocados no chão e sob
um calor de 40°C. Os operadores técnicos conseguiram caixotes e pequenas
mesas para colocar os materiais, mas Eurico Miranda apareceu e determinou que
as bancadas improvisadas fossem retiradas. Tudo ficou jogado no chão. Alguns
profissionais foram atendidos no departamento médico, vítimas do forte calor
sobre suas cabeças.
6) Ausência da incompetente ABRACE- Associação Brasileira de Cronistas
Esportivos e da péssima anfitriã Associação dos Cronistas do Esportivos do
Estado do Rio de Janeiro. Nenhum apoio, nenhuma preocupação, nenhuma
articulação para facilitar o trabalho de jornalistas, radialistas, fotógrafos e técnicos
na final da Copa João Havelange.
7) Coletes vermelhos foram distribuidos aos profissionais da imprensa que
chegavam ao gramado pelos funcionários do Vasco e, quando os coletes
terminaram, todos os outros puderam entrar. Outro grave descontrole. Ninguém
sabia quem era ou não profissional de comunicação.
8) Dezenas de torcedores do Vasco da Gama em torno do campo de jogo. Todos
eles integrantes de torcidas uniformizadas e com a bandeira do Vasco nas costas.
Nenhuma segurança para o espetáculo. O jogo estava quase começando, e o
local estava repleto de torcedores. Pior: o incompetente quarto árbitro conhecia
vários deles e foi cumprimentá-los. Não tomou nenhuma providência para retirar
os bicões do campo. Uma organização viciada e de péssima categoria.
9) Oscar Roberto de Godói viu claramente que em torno do gramado existiam
dezenas de pessoas que não poderiam estar lá e não tomou nenhuma providência
para "limpar" o campo.
10) Alguns repórteres de rádios do Rio de Janeiro e tambem de jornais do Rio de
Janeiro cantavam com os torcedores uniformizados gritos de guerra. Uma total
falta de profissionalismo e isenção.
11) Atrás dos gols e nas laterais, dezenas de seguranças do Vasco da Gama.
Nenhuma neutralidade. O árbitro não teve coragem de exigir que no campo só
estivessem profissionais da mídia em serviço, gandulas, comissões técnicas e
policiais. "Coitado do São Caetano..." diziam alguns. " Aqui o bicho vai pegar...",
falavam abertamente os invasores de uma área teoricamente restrita.
12) O jogo começou e, com pouco mais de 20 minutos, Romário sofreu uma
contusão e saiu. Segundos depois, a confusão, a queda do alambrado e o elevado
número de feridos.
13) A Policia Militar não sabia o que fazer. Corria de um lado para o outro, sem
nenhum planejamento para a emergência. Os torcedores feridos estavam jogados
sobre o gramado. Alguns bombeiros chegaram e começaram os atendimentos.
Vieram mais ambulancias e até helicópteros. Tudo sem nenhuma organização e
segurança. Ambulancias quase atropelavam os feridos e helices dos helicopteros
raspavam cabeças.
14) Inconseqüentes, o comandante do policiamento e o presidente da Federação
do Rio de Janeiro gritavam que o jogo iria prosseguir. Eurico Miranda comandava
tudo. Mandava na policia, no oficial que se dizia comandante e na arbitragem
submissa. Até a despreparada Defesa Civil da cidade do Rio de Janeiro dizia que
tudo estava bem, seguindo o discurso de Eurico Miranda.
15) Godói viu o desespero de centenas de torcedores, gramado invadido,
arquibancada derrubada, clima de terror, e não teve coragem de suspender o
jogo, temendo Eurico Miranda. O árbitro Oscar Roberto de Godói foi uma enorme
decepção. Não teve coragem, não teve iniciativa, não teve sensibilidade. Um
cordeiro, naquele momento, a serviço da cartolagem.
16) Entrou no circuito o governador Garotinho. Mandou ordem para que a Defesa
Civil interditasse o estádio e informasse ao "comandante" do policiamento que o
jogo não deveria prosseguir. O policial informou ao árbitro, e a partida foi
suspensa.
17) Cercado por repórteres que queriam saber se a decisão de encerrar era dele,
Godói não respondia, caminhando para o seu vestiário. Depois, irritado, tenso,
soltou um palavrão, pedindo que o deixassem em paz. Foi o mesmo Godói
grosseiro e machão de algum tempo atrás. Mas, estranhamente, no caminho do
vestiário, encontrou Eurico Miranda. O dirigente queria saber o que ele iria fazer.
Godói disse que o jogo estava suspenso, por ordem do governador. Godói falou
manso, baixinho, quase que pedindo desculpas ao poderoso Eurico Miranda. O
presidente do Vasco ainda passou um "pito" em Godói: "...olha o que voce está
fazendo... está aceitando uma determinação daquele frouxo... é a política metendo
o bico no futebol...". Godói foi mesmo uma grande decepção.
18) Desde o início ficou muito claro que não existia nenhuma condição de jogo.
Macas atravessando o campo, manchas de sangue no gramado, pessoas
chorando e mesmo assim os "responsáveis" pelo jogo queriam a partida de
qualquer jeito.
19) Alguns jogadores do Vasco foram para o campo de jogo dar uma tímida e
patética "volta olímpica" para confirmar o título que não ganharam. Devem ter ido
cumprir ordens de "alguém". Ridículo. Tiveram de driblar alguns feridos, ainda
algumas macas e os evidentes sinais de cenas de terror para mostrar a
"conquista". Outro grande vexame.
20) Seguramente 36 paises viram "ao vivo" todo aquele espetáculo em São
Januário.
21) Um jornalista inglês, residente no Rio de Janeiro, disse que na Europa, sem
dúvida, muita gente iria para a cadeia pelos atos de irresponsabilidade cometidos
naquela tarde. Ele não disse que não existem problemas por lá. Apenas afirmou, e
é verdade, que os culpados seriam punidos. Aqui não.
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