Foi uma viagem agradável, que começou no sábado cedo, com destino a Goiânia. No aeroporto de São Paulo me encontrei com o Dr. Sócrates, que agora prefere ser chamado de Sócrates Brasileiro, segundo me falou. Depois de uma rápida parada em Uberlândia, chegamos ao território goiano. Assistimos ao jogo Vila Nova e Goiás, com mais de quarenta mil pessoas no estádio.
Pela décima quinta vez consecutiva, o Vila não conseguiu ganhar do seu arqui-inimigo, perdeu por 1 a 0. Sócrates ou melhor, Sócrates Brasileiro, é uma pessoa despojada, não tem luxo, a simplicidade é a sua marca. Viaja de calção, tênis, camiseta e um óculos ray ban do tempo da jovem guarda. Seus valores se mostram quando fala, discute qualquer assunto. Ele dá atenção a todos, é uma pessoa educada, paciente.
No intervalo do jogo, foi um festival de autógrafos. De repente, um torcedor não tendo onde receber a assinatura do craque, propôs a troca do seu óculos escuro pelo de Sócrates. O doutor não se fez de rogado. Barganhou na hora. Quando lhe perguntei se ele não tinha saído em desvantagem, foi claro: "Acho que não, comprei na feira".
À noite, na hora do jantar, entre tantos assuntos, Sócrates Brasileiro falou com orgulho de seu Raimundo, o pai que ele tanto admira, já adulto, casado, pai de filho. Raimundo não tinha mais que o primeiro ano primário. Autodidata, estudou tanto que se formou advogado. Talvez, por isso, Sócrates aprendeu o gosto pelo estudo. No preparatório para Medicina, prestou quatro vestibulares, em todos foi aprovado em primeiro lugar. Escolheu a USP – Ribeirão Preto.
Na Itália com o primeiro salário que recebeu da Fiorentina (oitenta mil dólares) viveu o resto do ano. Os outros onze salários nem foi buscar, deixou acumulando no caixa do clube. Finda a madrugada, entre versos, política, poesia e cerveja, que ninguém é de ferro, pensamos na volta para casa. Antes falamos da seleção do técnico Emerson Leão, depois dormimos em paz. À espera do avião, no saguão do aeroporto para retorno a São Paulo, ruminávamos as conversas do dia anterior. Quando chegou no item seleção, não sei porquê, demos um tempo. Olhei do lado e não acreditei. Impoluto, elegante, sozinho, com a mala de couro importado na mão, surge impávido o técnico Emerson Leão.
Sócrates continuou sentado, Leão passou, não nos viu, sentou num canto isolado. Olhei para o jornalista Jorge Kajuru e, em silêncio, pedi socorro. O companheiro levantou e foi bater papo com o técnico. Fiquei sabendo que o treinador da seleção estava vindo de Barra do Garça. Tinha ido vistoriar sua fazenda de gado, contar o rebanho, fazer pagamentos, essas coisas, insólitas. Sócrates continuou na mesma, sonolento. Na subida para o avião, a tensão aumentou. Demos um tempo, Leão subiu na frente, sentou-se na primeira poltrona no corredor do lado direito. O encontro seria inevitável.
Leão colocou a maleta de mão em cima do banco, começou a revirá-la, Sócrates passou, Leão entretido em arrumar camisas e perfumes. Eu passei, brinquei, o técnico sorriu, fomos para o fundo do avião. Depois de noventa minutos, estávamos em São Paulo. Leão desceu na frente, pegou o ônibus da pista e foi embora. Saímos pela porta dos fundos da aeronave. Fazia calor em São Paulo, era quase noite. Deixamos Sócrates em casa, para o reencontro com a mulher e os filhos. Marcamos um reencontro para falarmos de futebol, CBF e assuntos gerais. Talvez amanhã. No rumo de casa, Jorge Kajuru me contou meio constrangido, que Leão vai processar Sócrates pelas entrevistas que o doutor tem dado a respeito do técnico da seleção. É bom lembrar que ambos foram companheiros de clube, na época da democracia corinthiana. Leão não gostava do envolvimento, trabalhava contra. (Sócrates nunca se conformou). Pensei comigo, afinal dos males, o menor. Podia ter sido pior. Foi só um susto. Como convém a gente educada como nós. De leve!