Prezada Barbara Gancia:
Todo ano quando vai chegando o dia do Grande Prêmio de Fórmula 1 em São Paulo, eu me lembro da senhora. Leio sempre sua coluna. Nem sempre concordo, mas leio. Gosto do seu estilo despachado, moderno, atual. Sei que a senhora entende de automobilismo, já dirigiu carros de competição, sua família tem tradição no ramo. Sei que estas mal traçadas linhas endereçadas à nobre colunista podem causar surpresa. Afinal, não nos conhecemos, nunca trocamos um aperto de mão.
Acontece o seguinte: um dia, há mais de dez anos, era uma manhã de sol, estava com a ex-prefeita Luiza Erundina em Interlagos. Ela tinha acabado de assumir a Prefeitura. O autódromo caía aos pedaços, o mato crescia, era tudo uma imundície, um desperdício. Jânio Quadros tinha arrasado também Interlagos.
Luiza Erundina me avisou que só havia uma possibilidade de conservar o autódromo: era trazer a Fórmula 1 para São Paulo. Caso contrário, ela estava pensando em desativar aquela pista de corridas. Levei um susto. Como seria possível tirar o Grande Prêmio do Rio de Janeiro ? Interlagos, aos pedaços, precisava ser refeito.
Não existia dinheiro, havia interesses gigantescos envolvendo o Grande Prêmio, a Rede Globo etc e tal. Comecei a desenvolver, então, um trabalho que, no início, foi motivo de brincadeiras. Tirar o Grande Prêmio do Rio, esse cara está louco!
Expliquei à Thamas Rohonyl, representante de Bernie Eclestone, que ele poderia nos ajudar, que a administração era honesta, ninguém ia conceder favores à ninguém, era coisa séria. Ele pediu que primeiro o autódromo fosse reformado. Eu disse que primeiro ele tinha que garantir a competição em São Paulo. Thamas não tinha força política suficiente.
Foi aí que apareceu a figura de Piero Gancia, presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo. É uma longa história. Ainda hoje me lembro do nosso primeiro encontro. Ele, elegante, um porte de nobreza, educado, fino, inteligente. Foi o senhor Piero Gancia decisivo para a vinda da Fórmula 1 para São Paulo. Foi à Paris. Convenceu Jean Marie Ballestre (então presidente da Federação Internacional de Automobilismo) que melhor seria a competição em São Paulo.
De madrugada, me ligou da França avisando, emocionado, que estava tudo certo. Nós da administração tínhamos passado um mal pedaço. Fomos acusados de irregularidades nunca comprovadas. Sofremos críticas dentro do próprio partido. O que deveria ser motivo de orgulho, foi razão para ataques.
No dia do Grande Prêmio, no autódromo, Luiza Erundina foi aplaudida de pé. Ela nunca mais foi ao Grande Prêmio, era austera demais para o bochicho. Hoje, quando vejo a movimentação em Interlagos, me lembro dessa época. Thamas Rohonyl apareceu um dia para me entregar cem convites para o Grande Prêmio. Pedi para ele sair da sala e levar os convites embora. Ele não acreditou. Nunca mais o encontrei.
Querida Barbara, se encontrar o senhor Piero Gancia, dê à ele, em meu nome, um grande abraço. Lembre-se que tenho pelo seu pai respeito. Respeito e admiração. Ainda em tempo, diga que foi o Juarez Soares, secretário de Esportes daquela época, que sente saudades da nossa luta!