Quem gosta de futebol chora a morte do mestre Waldir Pereira, o Didi. Morre o homem, fica a fama. No caso do ex-jogador, ele deixa como herança a sua obra, elogiada, quase perfeita. Sua história foi escrita com a bola, que sempre lhe foi submissa. Quando um atleta como Didi dá adeus, é normal que cada um de nós relembre suas histórias, passagens, episódios, que ninguém esquece. Como dizemos lá pelas bandas onde eu moro, ficam os "causos".
Como admirador do ex-craque da seleção, tenho cá minhas recordações, principalmente como torcedor.
No exercício da profissão acompanhei sua carreira a partir do inesquecível ataque do Botafogo: Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagalo, praticamente o ataque da Copa de 62, no Chile, com Vavá de centroavante. Mas quando garoto um dia abri o jornal e lá estava o Mestre dando uma tesoura-voadora em Willian Martinez, o temido becão do Uruguai. Na hora da briga generalizada, Didi escolheu o mais valente dos adversários e partiu para cima. Deu-lhe um golpe que ficou para a história. Cá entre nós, foi motivo de orgulho nacional. Didi não fugia do pau.
Ensinava jogando bola e dava o exemplo na hora do vamos ver. Ainda como jogador, transformou-se em lenda. Didi era um mito para seus colegas, para a torcida, para a imprensa. Foi assim no final, na Copa da Suécia, em 58. Na última partida, o Brasil saiu perdendo. Ele foi até o gol, colocou a bola debaixo do braço, acalmou o time e fez o gol que nos levou à goleada do título. João Saldanha foi seu técnico. Contava que em um determinado jogo contra a Colômbia, no Maracanã, um determinado adversário deu-lhe um pontapé e o tirou de campo. O tempo passou. Anos depois, Didi, em Bogotá, se reencontrou com o desafeto. Jogavam Botafogo e Milionários. O cara só atuou 10 minutos. Saiu de campo machucado.
Quando contratado pelo Real Madrid, foi boicotado. Não conseguiu se firmar. Acertou as contas em 62, no Chile. O Brasil eliminou a Espanha. Didi estava lá. Um dia, o São Paulo contratou o mestre. Ele estava em fim de carreira. Fui ao Morumbi entrevistá-lo. Seu técnico era o general Cláudio Cardoso. O treinador me viu, garoto, gravador debaixo do braço, olhando para o gramado. Sentiu o drama. Chamou Didi e pediu que ele me desse a entrevista. Fiquei frente a frente com o craque. Foi emocionante.
Tempos depois, reencontrei-me com ele no México. Didi era o técnico do Peru no jogo contra o Brasil. Pela primeira vez ele enfrentava o seu país. Disse, depois da partida, que chorou na hora do Hino Nacional. O Brasil ganhou por 4 a 2. Ao ler o livro sobre Mané Garrincha, fiquei sabendo, pela pesquisa de Ruy Castro, que Didi treinava com a chuteira do pé direito trocada, engraxada com sebo de maneira especial para bater na bola, aprimorando sempre sua marca registrada: a "folha seca". Waldir Pereira foi técnico do Fluminense, que tinha Marinho Chagas, Rivelino, Paulo César, Carlos Alberto Pintinho e Mário Sérgio.
Ah, Mário Sérgio! Um dia, Mário me contou que em um aquecimento no treino, Didi estava no gramado de terno e gravata. Mário fez uma molecagem. Chutava a bola na direção do técnico. A bola vinha com veneno, cheia de efeito. Era um teste. Na terceira bola, Didi levantou o pé calçado com sapato bico fino, de cromo alemão. Amorteceu a bola no ar e a trouxe com carinho para o gramado. Olhou para Mário Sérgio e disse: "Então garoto, não vai desistir?". O "vesgo", sem jeito, sorriu amarelo e pediu desculpas.
A última vez que ouvi Didi falar foi numa entrevista para uma rádio de São Paulo. Ele pedia um esforço geral para resgatar a credibilidade do futebol brasileiro. Estava, acho, pregando no deserto. Didi não sabia que hoje, no futebol brasileiro, ninguém mais tem a sua dignidade. O Brasil inteiro agradece o que ele fez e jogou por nós. Que descanse em paz!