Essa é uma história que aconteceu no Reino do Faz de Conta. Esse reino era
vasto, populoso, sua gente gostava de festa, de dança, de música, de jogos.
Mas a grande maioria dos súditos era pobre, vivia com dificuldade, nos mais
longínquos rincões do imenso território. Sua população era dividida entre
pobres, plebeus, ricos e nobres. Foi assim que no distante condado de Tingá,
nasceu um dia, um predestinado plebeu. Sua família vivia com dificuldades,
como todos seus vizinhos. Mas o jovem tinha qualidades, assim que seu pai
esperançoso, modificou-lhe a idade para que ele pudesse trabalhar mais cedo,
desde logo ganhar a vida, amenizando o sofrimento. E assim foi feito.
De
batalha em batalha, de vitória em vitória, o jovem se destacou e se
aproximou da casta nobre do Reino. Nos jogos da nobreza era quase sempre
vencedor. Sua fama cresceu. E os menestréis das feiras, os jograis, os
cantadores entoavam loas ao jovem mancebo. Até que um dia... Bem, até que um
dia apareceu uma jovem no caminho do ditoso cavalheiro. Ninguém sabia de
onde tinha surgido a donzela, a bem da verdade, nem era mais donzela. Não
era feia nem bonita a jovem da nossa história. Mas briguenta e revoltada,
atacou nosso herói de todas as formas. E foram tão violentos os golpes que o
mancebo sucumbiu. Os menestréis, os cantadores, os jograis, que tanto
elogiavam o guerreiro, fizeram de sua vida um inferno.
Houve até um jogral,
calejado por presenciar tantas histórias, que não aceitou tantas acusações
sem provas. Foi criticado até por antigos menestréis. E a jovem plebéia,
quase virou princesa. O cavalheiro, expulso do convívio dos nobres, foi
julgado na capital do Reino, por senhores, letrados, impolutos, encastelados
num palácio, onde moravam a corrupção e os corruptos. Aniquilado, o jovem
passou a viver à margem da sociedade do Reino. Até que um dia um poderoso
senhor feudal, vendo seu condado perdido em meio a tantas derrotas,
lembrou-se do mancebo execrado por todos.
Convidou-o a trabalhar no seu
palácio, prometeu-lhe um futuro melhor, a reabilitação. Assim foi feito. E o
céu de novo voltou a brilhar. De novo as vitórias, os tempos de glória. Nas
feiras livres, de novo os menestréis de todo tipo, magros, altos, gordos,
calvos, jovem e velhos, teciam loas, cantavam, os jograis faziam versos de
louvor ao vencedor. Abriram de novo as portas de seus salões que o recebiam
com reverência, faziam-lhe perguntas, queriam sua opinião, enalteciam suas
qualidades. Nem se lembravam mais dos tempos passados.
Até a jovem donzela,
que não era donzela desapareceu. Ninguém mais a convidava para festas e
bailes, ninguém mais queria saber sua opinião. Dizem até que na festa de
comemoração do último título conquistado, alguns nobres tentaram insinuar
que os jograis, menestréis, cantadores das feiras livres mudavam muito
facilmente de opinião. Afagavam e faziam reverência com a mesma facilidade
com que apedrejavam. Eram fúteis, volúveis, inconseqüentes. O jovem mancebo,
que já não era tão jovem, pediu para encerrarem o assunto: "A vida é assim
mesmo", afirmou conformado.
Dizem que a partir de agora, ele não será mais o
jovem plebeu de Tingá, mas será ungido o Duque de Luxemburgo. Ah! Em tempo.
Ainda falta um julgamento que será feito pelos nobres que moram no palácio
da corrupção. Mas essa é uma outra história que fica para uma outra vez!