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Marcos Caetano
Segunda-feira, 03 Setembro de 2001, 17h37
terraesportes@terra.com.br

Espírito


Chegou a ser inusitado o tratamento de “Jogo do Século” que todo mundo dispensou ao Brasil x Uruguai de domingo, uma partida que terminasse como terminasse não alteraria a posição do Brasil na classificação. Com empate, vitória ou derrota (salvo por goleada) continuaríamos – como continuamos – na quarta posição da tabela e, por incrível que pareça, ainda entre os classificados para a Copa do Mundo. É claro que ficar em quarto lugar empatados com o Uruguai não é a mesma coisa que a quarta posição na cola de Paraguai e Equador, e com uma confortável distância dos inimigos cisplatinos.

Mas o que posso dizer é que Felipão não foi feliz em sua volta aos grenais. Sim, porque o que se viu no domingo não ficou devendo nada às mais renhidas edições do eterno clássico do Rio Grande – ou às mais sanguinolentas seqüências de batalha de “O Tempo e o Vento”, apenas para manter as coisas circunscritas ao universo “criollo”. Digo mais: com certeza Tarciso, Caçapava, André Catimba, Escurinho e Jandir seriam capazes de nos proporcionar espetáculos muito mais atraentes que o de domingo em Montevidéu. O jogo foi de fato uma tremenda pelada, da qual só quem deve ter gostado mesmo foram nossos perseguidores na tábua de classificação.

E qual foi a razão de tamanha derrocada? A dica talvez esteja, como em muitas outras vezes, no eterno destempero do Galvão Bueno. “Não foi tão mal”, disse o porta-voz da exasperação pátria, “o time ao menos mostrou espírito”. Espírito. Em quase todas as transmissões o nosso Galvão cisma com uma palavrota e a repete à exaustão. A de domingo foi espírito. Tudo muito bonito, tudo muito contrito. Diria até que vivemos um momento esotérico-religioso na história das transmissões esportivas. Mas se a arma para vencer os uruguaios era apenas nosso espírito, tínhamos mesmo que ter quebrado a cara, pois em matéria de espírito a seleção do Uruguai está e sempre esteve mais bem servida que qualquer terreiro da Bahia.

Não dá para vencer um adversário usando apenas e tão somente a única arma que eles sabem manejar bem. Se espírito fosse suficiente para ganhar dos uruguaios eu recomendaria sem medo a convocação da minha avó Eulália para a ponta esquerda, pois pouca gente no mundo é capaz de gritar palavras tão cabeludas e com tanta emoção – ou seja, espírito – como ela nos jogos contra uruguaios e argentinos. Dona Eulália, apenas para citar uma de suas virtudes, é capaz de passar 90 minutos gritando “vai, vai, vai!” quando o Brasil ataca e “volta, volta, volta!” quando o adversário tem a posse de bola. Nenhuma palavra diferente, caro leitor – fora um ou outro palavrão ocasional – mas apenas esse mantra interminável. Isso é que é espírito, Galvão! Mas é claro que isso não basta.

Para ganhar do Uruguai precisamos de um bom time de futebol. Com espírito, claro, pois quem sou eu para atentar contra o sincretismo nacional. Mas de nada serve levarmos o espírito e esquecermos do futebol. Se é para levar só espírito, vamos ao menos levar os de Garrincha, Leônidas e Didi, que acaba de ser escalado para jogar na seleção do andar de cima. Esses são espíritos de verdade, e não as almas penadas que vimos ontem com a bola nos pés.

Ainda assim, acho que a partida serviu para tirarmos algumas conclusões. A primeira é tão óbvia que custo a crer que seja eu o primeiro a formulá-la. Aí vai: quem disse que Roberto Carlos é um grande chutador? Ora, há pelo menos seis anos que eu venho esperando por seu redentor gol de falta ou de fora da área, que venha nos dar um título ou ao menos um resultado importante. Tudo em vão. De chuteira preta ou com a mascaradíssima prateada de domingo, ele jamais fez um mísero gol que tenha representado mais que uma vitória comum num amistosinho besta. Quer outra? Por que será que mesmo quando o técnico decide jogar com três ou quatro atacantes, ainda assim o Rivaldo não passa a jogar no ataque? Será que os técnicos são tão malévolos ou o nosso Rivaldo é que gosta de jogar, digamos, mais escondido na seleção?

No mais, restou-me a tristeza de constatar que estamos nos acostumando não apenas a estrear treinadores com derrota, mas a uma situação mais grave e que talvez quase ninguém esteja percebendo: basta um simples ataque perigoso ou bem tramado, uma jogadinha de nada da nossa seleção, para que nosso coração se encha de um incontrolável orgulho e de esperança de dias melhores. Isso é grave.

Ia terminar dizendo que apesar de tudo não tenho dúvidas da classificação do Brasil. Só que outro locutor de canal de TV acaba de me esfregar um pouco mais de realidade na cara, anunciando que no Mundial Sub-20 outra vez uma seleção africana nos mandou de volta para casa mais cedo, com um “gol de ouro”. Diante da desagradável objetividade dos fatos, decido deixar meu fecho otimista para colunas futuras. Que, tenho certeza, virão muito em breve.

 

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