Ao longo da vida, fiquei por diversas vezes frente a frente com o que as revistas de fofocas convencionaram chamar de “celebridades”. Houve uma época em que para ser celebridade o sujeito precisava ser um Proust. Hoje, basta ser um pagodeiro bom de vendas para fazer jus ao título. Mas essa é uma outra história. O fato é que já estive diante de atores, políticos, milionários, embaixadores, escritores, cineastas, vedetes, presidentes da república, o diabo. Bem, o diabo é apenas modo de dizer, pois que eu me lembre jamais estive na presença do cão – fora um ou outro vira-lata aqui da rua. Sem querer parecer pretensioso, o que posso garantir é o seguinte: jamais senti qualquer emoção especial diante desse pessoal.
Serei eu então um insensível, um indiferente, um fingidor, um Fernando Pessoa das relações humanas? Nada disso. E quem quiser conferir basta analisar meu comportamento quando diante de uma lenda do futebol. Tremores, suores, engasgos e olhares esgazeados de personagem de folhetim são reações que um observador mais atento poderá encontrar no meu comportamento. E eis aqui o meu ponto: nenhuma pessoa é mais venerável para mim que um grande craque do passado. Num país no qual as figuras históricas têm a estranha mania de cultivar biografias mescladas a episódios espúrios, nossos únicos heróis de mãos limpas – mãos e pés – parecem mesmo ser nossos craques do esporte.
Pois foi numa dessas situações de deslumbramento diante do herói histórico que durante minha participação naquele que viria a ser o documentário definitivo sobre o esporte das multidões – Futebol, de João Moreira Salles, Arthur Fontes e Rudi Lagemann – me tocou almoçar com Zizinho.
Ele nos contou inúmeras e deliciosas histórias. Mas uma delas só eu ouvi. E ela transformou aquele almoço num momento eterno. Foi do lado de fora do restaurante na Lapa, antes das despedidas. Ele me chamou num canto, sei lá porquê, e enquanto os meus amigos documentaristas falavam entre si, me disse baixinho: “Olha, sabe o que mais me dói? A maior frustração da minha carreira? É que meu pai foi meu exemplo, meu herói. Foi ele quem mais me incentivou a jogar bola. Só que no momento em que eu me consagrei, em que passei a jogar em grandes times, ele tinha acabado de morrer. Meu pai não viu eu virar o craque Zizinho. Não me viu jogar na Seleção. Essa é a maior mágoa da minha vida. A derrota para o Uruguai perto disso não é nada”.
Ele terminou de contar isso e eu juro por Deus que vi, no seu olho esquerdo, o cristal de uma lágrima rolar. O durão Zizinho enxugou o canto do olho e, em um tom ao mesmo tempo ameaçador, malandro e paternal, se despediu assim: “E tu não vai contar para ninguém que me viu chorando, viu garoto?”
Pusilânime que sou, acabo de contar aqui a história do Mestre Ziza. Mas estou certo que ele saberá me perdoar. Especialmente se eu lhe disser que essa foi a maneira que encontrei para desejar um feliz dia dos pais aos leitores do Terra Esportes.
Sobre o atual Campeonato Brasileiro e, de forma mais abrangente sobre o futebol em si, uma constatação: há quem não concorde, mas eu adoro o velho esporte das botinadas exatamente porque ele tem muito pouca – e às vezes nenhuma – lógica aparente. Raciocine comigo. Antes do início da competição, poucos discordavam que Flamengo, Grêmio, São Paulo, Cruzeiro, Vasco e Corinthians eram os favoritos para levantar a taça. Quatro rodadas depois, constatamos que todos esses times estão fazendo campanhas fraquíssimas, e o que é pior, sem mostrar um pingo do bom futebol que exibiram no primeiro semestre. O Flamengo sequer conseguiu marcar gol.
Por outro lado, Atlético Paranaense, Paraná, Coritiba, Palmeiras, Atlético Mineiro, e até Fluminense e Botafogo vêm mantendo uma certa regularidade e estão embolados na parte de cima da tabela. Só que futebol que é bom, nada. Pois se os favoritos do início do torneio não estão jogando bem, o mesmo acontece com os atuais líderes – que apesar dos pontos conquistados passaram longe, longe mesmo, de grandes exibições no torneio. É muito cedo, no entanto, para tirar qualquer conclusão, mas o mais provável é que os favoritos consigam sua recuperação, já que um torneio de longo prazo favorece um pouco mais a lógica.
O futebol é tão imprevisível que não ficaria surpreso se na quarta-feira a gente meter uns quatro no Paraguai. Mesmo com o Felipão jogando com oito lá atrás.
Mas, para terminar falando de coisa boa, no tênis - um esporte bem mais lógico que o futebol – nosso Guga reina cada vez mais absoluto. Assisti-lo botando o Rafter para sambar de um lado para o outro numa quadra rápida é algo em que há alguns anos pouca gente apostaria. Com a evolução fantástica de seu jogo, a conclusão é uma só: Guga vai ser uma das cinco ou seis maiores lendas do tênis em toda história. A nós, caberá a deliciosa tarefa de assistir cada etapa da construção desse novo mito do esporte. Outro que quando eu conhecer pessoalmente, como o Mestre Ziza, vai me deixar engasgado de emoção.