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Marcos Caetano
Segunda-feira, 24 Setembro de 2001, 14h48
terraesportes@terra.com.br

Salvadores da pátria


Todo mundo já conhece a história, mas vale a insistência. Foi na disputa da Copa de 1958. Apesar de ter conseguido uma vitória e um empate nos dois primeiros jogos, a Seleção Brasileira ainda não havia convencido. O técnico Vicente Feola, entretanto, estava irredutível: não mudaria o time. Foi então que um grupo de jogadores liderado por Didi e Nílton Santos – não por acaso consagrados mais tarde como grandes gênios táticos – pressionou, brigou e acabou vencendo a queda-de-braço com o treinador, que culminou com a escalação de dois garotos bons de bola para o jogo contra a Rússia: uns tais de Garrincha e Pelé.

O Brasil ganhou o jogo contra os russos, a Copa de 58, a de 62, e daquele dia em diante jamais perdeu uma partida quando teve Pelé e Garrincha em campo. Foram quase 20 anos de uma luminosa e inesquecível invencibilidade.

Pelé e Garrincha foram salvadores da pátria em 58. Da mesma forma, nas Eliminatórias e na Copa de 94, Romário foi o grande redentor das mazelas futebolísticas do país. Até mesmo a protuberante barriga de Renato Gaúcho, cultivada com muito chopp e churrasco da Barra da Tijuca, já foi salvadora da pátria tricolor em 95. E eis aqui o meu ponto: a despeito dos teóricos do futebol como esporte coletivo e de aplicação tática, eu acredito em salvadores da pátria. Acredito que nos gramados, como em qualquer outro campo do conhecimento humano, as pátrias estão aí para ser salvas. Negar isso seria abdicar da crença no indivíduo. E até a Dona Eulália, que não é dada a maiores delongas enquanto prepara suas brevidades, sabe que história da humanidade sempre foi escrita através dos grandes pensadores, artistas, cientistas e políticos. Enfim, pelos salvadores da pátria.

Portanto, ainda que ele acertadamente se recuse a aceitar o papel, considero que Ronaldo pode e deve ser um salvador da nossa pátria de chuteiras. Ou melhor: um salvador de chuteiras para a nossa pátria. Da mesma forma que suas já célebres convulsões acabaram de abalar a pouca convicção do irregular time do Brasil na final de 98, creio que sua volta à Seleção, recuperado e feliz, vai servir para tirar o grupo da letargia de quarta-feira de cinzas em que se encontra.

Só que mesmo os salvadores da pátria devem ter o bom senso de aparecer no momento certo. Alexandre Gontijo, maior frasista brasileiro desde Otto Lara Resende e notável centroavante das peladas de segunda-feira do Moreirão, já vaticinou: Romário é como uma Caterine Deneuve, sempre bela e refinada, por mais que passe o tempo. Já Ronaldo é como a gatinha da praia do Pepê ou as dançarinas dos grupos de pagode: precisa estar no auge da forma física para que seu talento possa luzir.

Com menos de 30 minutos de atuação em jogos oficiais após muitos meses fora dos gramados, a convocação de Ronaldo é evidentemente precipitada. Ora, se era para contar com os dotes do jogador apenas como embaixador da alegria junto ao tristonho plantel da Seleção, bastava convocá-lo para a concentração – sem a obrigação de jogar. Como esse papel já foi interpretado pelo Fenômeno antes do jogo com o Uruguai – e nem assim conseguimos faturar uns pontinhos em Montevidéu – chego à conclusão que para o cargo de animador seria melhor contarmos com os serviços de um profissional do ramo ou, como creio que muitos jogadores prefeririam, de umas profissionais do ramo.

Junte a convocação do convalescente Ronaldo com a dos contundidos Émerson e Rivaldo e dos inativos Dida e Ronaldinho Gaúcho e a conclusão será uma só: pressionado pela classificação, Felipão parece disposto a abrir mão de sua conhecida intransigência para começar a dividir com os jogadores famosos e com a própria torcida a responsabilidade de um eventual tropeço nas eliminatórias. Lamentavelmente, ainda resta uma última barreira a ser superada na teimosia do técnico, que é o esquadrão de cabeças-de-área toscos e apadrinhados, com o qual ele insiste em povoar o meio-campo da Seleção.

Quando será que nosso treinador vai desistir de escalar Cris, Roque Júnior, Tinga, Eduardo Costa e assemelhados para dar chance a jogadores de talento no meio-campo? Basta analisar a lista de não-escalados do Felipão para concluirmos que, definitivamente, não vivemos um momento de penúria como na Copa de 94.

Pedrinho, Juninho Paulista, Juninho Pernambucano, Roger, Ricardinho, Djalminha, Rodrigo, Zinho, Robert... É uma lista impressionante. E se contarmos com dois – apenas dois, não peço mais – desses jogadores para abastecer nosso ataque, mesmo se o Ronaldo jogar sentado vamos vencer o Chile de goleada. Agora, sem qualidade no passe, aí nem com Batistuta, Van Basten e Tostão no auge da forma jogando lá na frente conseguiremos marcar. Insisto nesse ponto: o problema da Seleção Brasileira não é de ataque, mas de meio-campo.

Se o Felipão conseguir ser um pouco menos tinhoso e escalar um time para fazer gols – e não para se defender – quem sabe até ele possa se tornar um salvador da pátria. Posto que cada pátria, que cada época, tem lá o salvador que merece.

 

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