Tinha mesmo que ter nome de passarinho o time que, em meio ao ataque
bacteriológico que os treinadores retranqueiros lançam sobre o nosso
combalido futebol, ousa liderar o Campeonato Brasileiro com dois pontos de
vantagem e um jogo a menos que o segundo colocado.
O audacioso Azulão vem desprezando acintosamente os conselhos de todos os
gênios estratégicos do Brasil ao insistir num negócio meio antiquado, meio
boco-môco – aliás, há algo mais boco-môco que dizer boco-môco? – de jogar
sempre em busca do gol. Os técnicos ditos pragmáticos, regiamente
remunerados por sua arte de adestrar cabeças-de-área para fins de ataque – e
ataque aqui evidentemente aplicado no sentido canino da coisa –, estão
inconformados. Ora, onde já se viu uma coisa dessas? Um time jogar no ataque
e ganhar jogos? É um absurdo! – gritam eles. Ato inconseqüente e ineficaz,
atitude cripto-comunista, herética, do tempo em que se amarrava cachorro com
lingüiça! – complementam, possessos. Pau-de-arara nesses loucos! – bradou um
eficiente defensor do jogo horizontal, aqui evidentemente aplicado no
sentido de estirado na grama.
Urge, rosnam alguns estrategas da nobre arte dos carrinhos, convocar um
concílio. Faz-se necessário acabar logo com isso, cortar o mal pela raiz.
As lingüiças precisam ser retiradas de volta dos pescoços dos cachorros,
para que se restabeleça a ordem natural das coisas, ou seja: técnico bom é
técnico macho, pegador, distribuidor de pancada. E bem pago, claro.
Vista da perspectiva dos Talibã dos gramados, a coisa parece estar realmente
fora de controle – já que uma análise dos ataques dos cinco primeiros
colocados do campeonato mostra que todos têm mais de 30 gols, contra apenas
22 do sexto colocado. A conclusão de tudo isso parece querer provar, para
desespero dos fundamentalistas da retranca, que time que joga no ataque pode
acabar campeão. Em função disso, eles já estão recrutando todos os
estilingues disponíveis para uma guerra santa, pois é necessário exterminar
já esse Azulão atrevido. Para o bem do bolso desses sujeitos, o inocente e
irreverente passarinho precisa ser caçado a pedradas como se fosse um Roger
dos ares.
Só que a coisa está se tornando um fenômeno mundial, uma vez que os
primeiros colocados de virtualmente todos os grupos das eliminatórias da
Copa do Mundo, em todos os continentes, lideram também as estatísticas de
gols marcados.
Não sou do tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça. Mas sou da época
em que o time que atacava mais normalmente vencia. E aqui um comentário
ligeiro: ao menos no meu tempo os cachorros eram dóceis e inteligentes
vira-latas – no máximo um pequenês, que era o cúmulo da sofisticação – e não
pit-bulls feios, burros e agressivos. Definitivamente, cada tempo tem os
cachorros que merece. Mas vamos voltar ao nosso Azulão. Ora, por que diabos
será que um time sem estrelas como o São Caetano pode ousar atacar os
grandes times do país e liderar o campeonato enquanto a Seleção Brasileira,
com tantos craques famosos, treme só de pensar nessa hipótese? O mesmo
raciocínio se aplica às chamadas grandes equipes brasileiras.
Semana passada sugeri organizarmos uma exposição itinerante de Denílson por
todos os clubes e escolinhas de futebol do Brasil, para provar que é
possível jogar para frente e bonito, sem perder a visão de resultado. Agora
proponho fazermos o mesmo com o Azulão. Vamos exibir – não engaiolado, é bom
que se diga – o nosso Azulão país afora. Vamos mostrar para esses caras como
se dança o baião. Vamos deixar bem claro que o melhor caminho do gol ainda é
o ataque. Vamos demonstrar que o futebol sempre foi e, Deus esteja, sempre
será um esporte para ser jogado na vertical – aqui evidentemente entendido
em ambos os sentidos, ou seja, de pé e para frente.
Há cerca de um mês, tive a honra de jantar com Pelé – o exemplo vivo da
supremacia do ataque sobre a defesa. Disse-me ele que uma das primeiras
lições que Seu Dondinho o ensinou sobre a função do meio-campista foi a
seguinte: ao receber a bola, olhe imediatamente para a frente. Busque o mais
adiantado dos atacantes. Ele é a sua prioridade para lançar a bola, pois é o
caminho mais curto para o gol. Somente no caso desse atacante estar marcado
é que você deve passar a bola para outro companheiro.
Que simplicidade, amigo leitor. É mais: que obviedade. Só que agora vem a
dura questão: quantos meio-campistas brasileiros hoje ao menos erguem a
cabeça na hora que recebem a bola? A sorte é que, enquanto um único azulão
voar nos céus brasileiros, eu vou continuar preferindo ter um vira-latas
amarrado com lingüiça que um pit-bull de chuteiras.