Como pode ser que o time tricampeão carioca, campeão da Copa dos Campeões e pré-classificado para a Copa Libertadores esteja, poucas semanas depois dessas importantes conquistas, entre os últimos colocados do Campeonato Brasileiro? Como é possível que um clube com a tradição do Flamengo esteja correndo o risco de estar na lista dos quatro times que cairão para a segunda divisão ao final do campeonato? Nós cronistas temos uma longa tradição de perguntas pertinentes. Lamentavelmente, não posso dizer que tenhamos o mesmo retrospecto quando o tratamos de encontrar respostas.
No caso da derrocada do Flamengo, entretanto, não é preciso ser um Houdini
para adivinhar-lhe as causas. Na verdade, qualquer indivíduo com um mínimo
de bagagem boleira pode posar de pitonisa. Perguntem ao milionário da Vieira
Souto, ao Chico do Bracarense ou ao uruguaio que faz malabarismos com tochas
no sinal do Humaitá por que o Flamengo caiu tanto de produção. “Não tinham
que ter vendido o Gamarra. Nem o Leandro. Nem o Adriano” – dirão eles, num
improvável jogral.
De fato, não há como deixar de culpar os dirigentes rubro-negros pelo crime
de desmontar a espinha dorsal do melhor time brasileiro do primeiro
semestre, ao lado do Grêmio. Ainda mais se considerarmos que eles tiveram o
requinte de negociar jogadores de todos os setores do time: Gamarra, que
liderava e dava solidez à defesa; Leandro, que protegia a zaga e iniciava as
jogadas de ataque; e Adriano, que era o referencial que todo time que se
preze precisa ter na grande área.
A coisa se complica ainda mais se observarmos que os três jogadores que
formam a nova espinha dorsal do time – Juan, Vampeta e Edílson – são
continuamente convocados para servir à Seleção Brasileira, que no segundo
semestre está com a agenda cheia e não pode perder nem o cara-ou-coroa do
início das partidas.
Qual é, então, a terceira espinha dorsal do Flamengo? Não sabemos. Nem eu,
nem o leitor, nem o cada vez mais estressado Zagallo – que poderia esperar
tudo a essa altura da carreira, menos encerrá-la como o comandante do
rubro-negro no ano em que esse foi rebaixado pela primeira vez na história.
Exagero? Pode ser. Mas se há alguém que talvez possa alertar os rubro-negros
sobre a dura viagem às catacumbas do rebaixamento, esse alguém é este
tricolor apaixonado, que ralou os joelhos até os ossos nas três quedas
seguidas de seu time – façanha impensável, num país onde existem apenas três
divisões no futebol. E se pude tirar uma lição do gosto amargo que a lama
podre do fundo do poço deixou em minha boca – talvez para sempre – essa
lição foi a seguinte: quanto maior o time, mais difícil será para ele lidar
com a mistura de ópera alemã e novela mexicana que é a luta contra o
fantasma da segundona.
Começa pela negação. Dou um exemplo: no jogo de ontem, analistas e
dirigentes rubro-negros só falavam das chances de classificação, mesmo que
remotas. Agora perguntem a Guarani, Botafogo, Sport, Gama e Juventude, que
estão ali embolados com o Flamengo, qual a sua prioridade. A resposta de
todos será: “não cair para a segunda divisão”. Essa é a diferença. E por
incrível que pareça, mesmo após a derrota, ainda ouvi gente dizendo que se
ganhar os oito jogos que faltam o Flamengo ainda pode se classificar.
Não é só a negação. Competições paralelas, a pressão de uma gigantesca
torcida-estado, a desmotivação de craques acostumados às grandes glórias e
uma certa cobrança para apresentar um futebol bonito completam o baú de
maldades que os deuses do futebol reservam para os gigantes que ousam
desafiar o bom-senso, se considerando à prova de burrice administrativa.
Tenho certeza que se o Flamengo cair, a CBF e os demais clubes jamais
permitirão que o time dispute a segunda divisão. Mas não é isso que está em jogo. O que está em jogo é a honra do poderoso rubro-negro, de tantas
vitórias e conquistas. Os dirigentes do Flamengo precisam entender que,
independente de tapetões e viradas de mesa, os 35 milhões de torcedores não querem essa mancha na história do clube. Resta saber se esses dirigentes vão querer essa mancha em suas consciências.