“Existem três coisas que os Estados Unidos sabem fazer melhor que qualquer
outra nação: tocar jazz, fazer tortas de maçã e ganhar torneios de
basquete”, escreveu um indignado editorialista do principal jornal de
Indianápolis, a capital do basquetebol, após a incrível final dos Jogos
Panamericanos de 87, quando seu time “borrou-se em copas” – como diria a Dona Eulália – frente ao azarão Brasil. O líder daquela façanha foi um jogador que ainda faria muitas outras ao longo de sua vida de jogador: Oscar
Schmidt.
Sábado, no outono de sua carreira, o nosso gigante Oscar entregou-nos o que talvez seja sua última façanha dentro das quadras: ultrapassou a marca de
46.725 pontos de Kareen Abdul-Jabbar e tornou-se o maior cestinha da história do esporte. Como sempre – no título de Indianápolis, quando deixou a Seleção e em tantas outras ocasiões – chorou como um menino, perdeu a voz, esganiçou-se e celebrou com torcedores, companheiros e familiares. No último sábado, isso aconteceu em meio a uma festa que foi uma grande metáfora de como os dirigentes brasileiros tratam nossos ídolos.
Em primeiro lugar, o jogo foi realizado num Maracanãzinho com lotação parcial e em mau estado de conservação. Mas não foi só isso. Feita a cesta do recorde, o campo foi invadido por centenas de pessoas, entre jornalistas
e apaniguados dos cartolas, que literalmente soterraram o nosso ídolo – não o deixando sequer verter suas lágrimas de esguicho sem ensopar os microfones invasivos.
Após a turba enfurecida ter sido controlada, vieram as homenagens dos
clubes, das federações, dos políticos, num beija-mão interminável. Entre os mimos que os reis magos fajutos entregavam, uma camisa do Flamengo que dizia: “Recorde mundial, 47.000 pontos” – marca que não era o recorde
mundial. Fico imaginando a cena de repartição pública: “Ô Peixoto, o que eu escrevo aqui na camisa, hein? Qual é o tal recorde?”. E o Peixoto: “Ah,
Paranhos, sei lá. Arredonda pra 47 mil e tamos conversados. De qualquer jeito é ponto pra burro e ninguém vai prestar atenção nessas coisas...”.
Quando parecia que tínhamos visto tudo, o pau comeu em quadra, os reservas foram expulsos e o jogo foi vencido pelo Flamengo contra um Fluminense com apenas três jogadores em quadra. Pano rápido. E agora o meu ponto: será que o amigo leitor pode imaginar quantos canhões de laser, quantos ingressos de
500 dólares, quantas homenagens de gente realmente relevante e quanta organização deve ter havido quando o Kareen quebrou seu recorde? Melhor
deixar isso para lá. Fiquemos com o essencial: o recorde foi batido por um brasileiro, no bairro do Maracanã como no Milésimo gol, e em cima do
Fluminense como no Gol de Placa. Portanto, Oscar é nosso Pelé do basquete – e tudo mais é paisagem.Vamos então deixar de lado o desrespeito dos cartolas
e ver se conseguimos, ao menos, defender a honra dos colunistas: elogiemos
Oscar, como ele merece.
Ele, que tem um coração maior até que seu corpanzil, joga por amor. É um
lutador. Um atleta que, mesmo num ambiente capaz de produzir vexames como o de sábado, jamais se permitiu cinco minutos de mediocridade. Ama vencer, mas não a qualquer preço. Nosso grandalhão emotivo é também desavergonhadamente fominha. E que característica maravilhosa! – cumpre esclarecer, antes que
alguém invente a dupla de cabeças-de-área nas quadras e passe a falar de basquetebol-força.
Mas acima de tudo, Oscar é um brasileiro – como fez questão de gritar sábado aos 400 microfones que o agrediam sem bola. Brasileiro mesmo, daqueles que
vai morrer jurando que a festa de sábado, com seu filhão chegando de
surpresa foi, apesar de tudo, a melhor do mundo. Ele só não gostou do final do jogo. Não pelo resultado, mas pelo fato do time ter desrespeitado um dos códigos de honra do basquetebol, que manda que o time em vantagem numérica tire tantos jogadores de quadra quantos forem necessários para restabelecer
o equilíbrio do jogo. O Flamengo não fez isso – e Oscar chegou a empurrar um
companheiro para fora da quadra, para que a tradição fosse preservada. Oscar
é assim: um cavalheiro do esporte. E mesmo amando as vitórias, ao final do jogo lamentou: “Ganhar assim não está certo”.
Nós vamos sentir sua falta, Mão-Santa, santa mão. Há quem diga que Kareen Abdul-Jabbar foi mais importante, pois os pontos dele foram marcados num
campeonato mais competitivo. Eu discordo. Senão por outra razão, ao menos por essa: jamais vi Kareen Abdul-Jabbar chorar. E eu sempre vou preferir os heróis que choram.