Os dias estão mais longos, aqueles cupins alados que ninguém sabe de onde vêm ou como se chamam começam a freqüentar as lâmpadas que desafiam o Apagão, os camelôs estão mais ariscos e as filas dos crediários andam em polvorosa. Os sinais são inequívocos: dezembro está chegando. Mais uns poucos dias e as rádios vão inundar nossos ouvidos com sucessos de Roberto Carlos – o que não é lateral-esquerdo – e então todos saberemos que é chegada a hora de ir buscar o pão de rabanada na padaria da esquina, pois a desembestada invasão do exército de cunhados é questão de tempo.
Assim como as folhinhas do calendário, o Campeonato Brasileiro entra também em sua reta final – e nada mais apropriado para retratar o que a competição reserva aos torcedores país afora do que a manjada canção do Rei Roberto: Emoções. Muitas emoções, bicho. São várias disputas simultâneas, e todas prometendo deixar o pessoal mais angustiado que peru em véspera de Natal. Vamos, então, comentar um pouco esses tais campeonatos paralelos.
No topo da tabela, há uma briga para ver quem será o time que ficará com a primeira colocação na fase de classificação. Nos esportes americanos esse negócio é bastante valorizado – eles chamam de "campeão da temporada regular" – e tem até taça. Aqui no Brasil, mesmo sem representar uma honraria especial, a primeira colocação na fase de classificação garante ao clube o direito de decidir sempre em casa – da primeira rodada do mata-mata até a finalíssima. E o destemido São Caetano, que ontem acabou com a banca do Grêmio em pleno Olímpico, é o favorito para ficar com essa excepcional vantagem. A ameaçá-lo, apenas o consistente Atlético Paranaense, que por ter uma tabela mais favorável corre por fora.
Descendo um pouco na tabela de classificação há outra disputa importantíssima, que muita gente ainda não avaliou como deveria. Atlético Mineiro, Fluminense, Grêmio e São Paulo lutam para ver quem jogará em casa a primeira partida da fase eliminatória. Como o quarto colocado da primeira fase enfrentará em casa o quinto colocado, o que está em jogo para essas equipes é escapar de um confronto com um adversário tradicional, com campanha semelhante, frente a 80 ou 100 mil torcedores rivais. Como todos esses times têm excepcional aproveitamento em casa, a diferença entre terminar em quarto ou em quinto é gigantesca.
O mais emocionante de todos os campeonatos paralelos na reta final do Brasileirão é o que definirá os donos das duas últimas vagas para a próxima fase. Bahia, Ponte Preta e Internacional lutam desesperadamente por essas duas vagas. Tudo pode acontecer – e qualquer descuido pode abrir espaço para a turma do grupo que poderia se intitular "no está muerto el que pelea", composto pelos duros de matar Goiás, Palmeiras, Vasco, Santos e Vitória, todos com menos de 1% de chance de classificação, mas ainda esperançosos.
Logo abaixo vêm os únicos clubes que realmente podem dizer que estão "com o boi na sombra" – como diria minha avó, a já famosa Dona Eulália. Quer dizer, sem qualquer chance de classificação, mas também longe do fantasma do rebaixamento. Férias antecipadas – ainda que imerecidas – para Portuguesa, Coritiba e Guarani. O Corinthians está nesse grupo, mas como enfrenta o San Lorenzo pela Mercosul, precisa manter o motor em combustão.
Há um outro grupo bem específico, que posso definir como "cochilou, o cachimbo cai". Paraná, Gama, Botafogo e Cruzeiro estão afastados da zona de rebaixamento, mas se perderem os dois últimos jogos podem cair para a Segundona, bem no apagar das luzes.
Vestindo o incômodo escafandro e respirando com bastante dificuldade, desço às trevas do chamado Torneio da Morte, de onde me chegam informações trazidas por seres abissais dando conta que o Flamengo, após os eletrochoques aplicados pelo paramédico Carlos Alberto Torres, voltou a respirar – mas ainda com a ajuda de aparelhos. O rubro-negro luta com Juventude, Botafogo-SP, América-MG, Santa Cruz e Sport para escapar do vexame histórico do rebaixamento. Como o próximo jogo do Flamengo é fora de casa e exatamente contra o líder São Caetano, é bom que o nosso Capita mantenha a carga dos eletrodos em tensão máxima.
Mas o melhor de tudo é constatar que mesmo com todas as bagunças de praxe – do calendário insano ao Apagão, do regulamento estranho das quartas e semifinais ao drama da Seleção – podemos afirmar sem sombra de dúvida que o Campeonato Brasileiro está, como Roberto Carlos repetirá pela milésima vez daqui a alguns dias, "uma brasa". Morou, bicho?