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Marcos Caetano
Domingo, 25 Novembro de 2001, 21h02
terraesportes@terra.com.br

Ironias futeboleiras


O velho esporte das botinadas sempre se destacou dos demais por suas ironias, das mais diferentes classes e estilos. Inventado pelos sarcásticos ingleses, não poderia mesmo ser diferente. Só que nem mesmo o meu amigo Anacoreta – inglês de várias encarnações, que apenas para purgar erros de vidas pregressas pediu para nascer carioca e botafoguense na presente lida – poderia conceber uma rodada mais irônica para o Campeonato Brasileiro do que a do último domingo.

O Anacoreta está meio sumido das minhas crônicas, pois anda mais preocupado em discutir o final dos tempos com as salamandras e gafanhotos que habitam sua caverna – e que, quando a fome aperta, lhe fazem as vezes de alimento – do que propriamente discutir o seu Botafogo. Mas mesmo ele, triste e sério ermitão, diante de uma rodada assim, deve ter interrompido a leitura de seus poemas de Augusto dos Anjos para sacudir o pó dos andrajos e dar umas boas gargalhadas. Vejam só quantos exemplos da mais pura ironia futeboleira:

1) A rodada foi excelente para o São Paulo. Parece loucura dizer isso, mas, se fosse possível para os tricolores esquecer o que passaram em São Januário, eles até que poderiam celebrar um pouquinho. Mesmo com os sete gols no balaio trazidos de lá, todos os resultados lhes foram favoráveis, e agora seu time precisa apenas de um empate na última rodada para garantir a classificação.

2) Apesar da exibição de gala – ainda que facilitada pela expulsão questionável de Rogério Ceni – a rodada foi péssima para o Vasco, que deixou de ter chances de classificação para a próxima fase, mesmo tendo o melhor ataque do campeonato.

3) O artilheiro isolado do campeonato, que comandou com gols e passes de calcanhar a grande exibição vascaína – Romário, rumo ao milésimo gol da carreira –, não vem sendo tratado como merece nem pela Seleção Brasileira nem pelo seu clube. Mesmo tendo média próxima ou maior que um gol por jogo em qualquer estatística de qualquer momento de sua carreira, o Baixinho é desprezado pela teimosia orgulhosa de Felipão e deixado sem salário pelos desmandos administrativos do dono do Vasco. Sem contrato e sem seguro, o craque talvez não jogue a última partida da temporada, tão importante para que possa concretizar um antigo sonho: a artilharia do Brasileirão.

4) O Flamengo, acreditem se quiser, não tem do que reclamar. Apesar da derrota óbvia e esperada para o excelente São Caetano, graças aos tropeços de seus fraquíssimos perseguidores, o time depende apenas de si para garantir a sofrida permanência na divisão de elite do futebol brasileiro. Basta vencer o eliminado Palmeiras jogando no Maracanã – se é que não vão levar o jogo para Altamira ou Quixeramubim.

5) Botafogo e Cruzeiro jogaram muito mal e perderam, mas escaparam do tão comentado fantasma do rebaixamento.

6) O Bahia, que havia chorado os mais dolorosos prantos depois do empate em casa com o Coritiba, acabou ficando numa ótima posição para ir à segunda fase. Só tem que bater o lanterninha e já rebaixado Sport na Fonte Nova.

7) Outra grande ironia é constatar que os festejados favoritos – Cruzeiro, Flamengo, Corinthians, Santos e Vasco – apontados como possíveis finalistas em dez entre dez reportagens que faziam previsões sobre o campeonato, jamais freqüentaram o topo da tabela de classificação. Por outro lado, Fluminense, Atlético-PR, Ponte Preta e Bahia – tratados como zebras felpudas e de penacho – nunca deixaram de flertar com as quartas-de-final.

8) Como derradeira ironia da rodada, não tenho como deixar de mencionar a defesa do Internacional. Que coisa de loucos! Desde os tempos das comédias do cinema mudo, quando uns guardinhas malucos – os Keystone Capers – escorregavam no chão ensaboado e trombavam uns com os outros enquanto tentavam prender os bandidos, que eu não via algo tão patético quanto os dois gols que o Inter levou em pleno Beira-Rio.

Felizmente, para os que cultivam as tradições desse esporte tão louco, mas tão encantador, ao menos uma partida do domingo se encerrou sem ironias: o Uruguai meteu três gols na Austrália – o time que havia marcado setenta e tantos e sofrido apenas um até aqui – se classificou para a Copa do Mundo e provou que, apesar do que muitos dizem por aí, ainda tem bobo no futebol sim. Vai ser lindo ver uma copa com todos os sete campeões mundiais em ação. E, como as ironias existem, por que não achar que o Brasil tem chance?

 

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