Se o amigo leitor acredita como eu que, ao lado do futebol, o maior legado dos brasileiros à humanidade é a nossa MPB, certamente já se deve ter se encantado com a poesia madura de Vinícius de Moraes e a harmonia tranqüila do parceiro Toquinho na “Carta ao Tom 74” – aquela canção que começava lembrando a famosa Rua Nascimento Silva, 107.
Pois inspirado na Bossa Nova e esperançoso de ver nosso futebol recobrar sua memória e voltar a viver tempos brilhantes – tão brilhantes quanto aqueles em que “Ipanema era só felicidade” e tínhamos o Poetinha para cantar nossas alegrias –, mando aqui
esta singela carta ao comandante da Seleção Brasileira.
Caro Felipão,
Nunca nos encontramos pessoalmente, mas permita que eu me apresente: me chamo Marcos Caetano, como você pode ler aí no topo da coluna, e sou cronista esportivo. Mas isso não é importante, pois além de cronista fui, sou e morrerei torcedor. Apesar de respeitar os colegas que pensam diferente, confesso que não entendo os comentaristas que não declaram sua predileção por um time. Se não fosse torcedor do meu sofrido Tricolor das
Laranjeiras, jamais teria me apaixonado por futebol. E, sem essa paixão, dificilmente teria pensado em escrever sobre o assunto que é a minha cachaça. Minha e de outros 160 milhões de brasileiros. Do trabalhador da fábrica da Móoca ao menino de rua que cheira cola na Candelária e do catador de papel do Recife ao padre da paróquia da sua Caxias do Sul somos, acredite, todos seguidores da mesma religião: a Seleção Brasileira.
Também não sou hipócrita de imaginar que você tenha decidido fazer do esporte o seu ganha pão – primeiro como jogador e agora como técnico – se não fosse por amor. Somos, portanto, dois apaixonados por futebol. E é puramente nessa condição, de um apaixonado que vê no velho esporte das botinadas um ponto de referência e identidade cultural dos brasileiros, que te escrevo estas mal traçadas.
Em primeiro lugar, sei que eu e os colegas da crônica esportiva vivemos pegando no seu pé. Mas também sei que você traz no caráter uma qualidade que anda escassa nesses tempos de crise moral nas lideranças do futebol: você é honesto. E é impossível deixar de notar o carinho e o respeito que todos os jogadores que trabalharam contigo têm por você. Portanto, quando escrevo críticas sobre o seu trabalho, o faço com a certeza de estar me dirigindo a
um homem sincero, preocupado em aprender sempre – e não a um arrogante cheio de empáfia.
Certamente você tem acompanhado as excelentes partidas da fase decisiva do Campeonato Brasileiro. E, claro, viu a eletrizante – não há outra palavra para descrever aquilo – final entre Atlético-PR e São Caetano. São dois times, Felipão, que chegam a comover pela bravura com que buscam o ataque em qualquer circunstância. O Atlético buscou mais, e mereceu vencer o jogo. A lógica do esporte – alguns mencionariam os deuses do futebol – quase sempre acaba premiando quem é mais corajoso.
Mas não desprezemos o São Caetano, que está longe de poder ser considerado fora do páreo. O Azulão teve uma incrível média inferior a um gol por partida no ano – isso sem jogar com sete ou oito atrás, mas no bom e velho 4-4-2. Se esses times finalistas, que representam o novo no futebol brasileiro, não fazem retranca, por que a Seleção deveria fazer? Você apostou na retranca contra Bolívia, Uruguai e Argentina. E ousou mais contra Chile, Paraguai e Venezuela. Perdemos as três partidas que jogamos para não perder e ganhamos as três que jogamos para ganhar.
A razão da carta, como você já percebeu, é uma só: te pedir que ponha o Brasil para jogar como os finalistas – no ataque. Essa é a nossa maior tradição, e traí-la será um crime que não ficará sem castigo na Copa do Mundo. Não sabemos jogar de outro jeito – e o partidaço da final provou-nos isso uma vez mais. Se acerte com o Romário. Chame o Djalminha e os Ronaldinhos. Preste atenção no Kaká e no Alex Mineiro. Contrate o Geninho e o Picerni como auxiliares. Vamos para cima deles, Felipão! Os brasileiros confiam em você. Confie também na gente quando pedimos um time ofensivo. Se ainda estiver em dúvida, ligue a televisão de novo no próximo domingo. O Azulão precisa vencer por dois gols de diferença – e vem mais futebol brasileiro por aí.
Porque também no esporte, como dizia o Vinícius, meu amigo, só resta uma certeza: é preciso acabar com essa tristeza. É preciso inventar de novo o amor.