Para onde vão as coisas que poderiam ter sido mas não
foram? Haverá uma dimensão paralela, uma cidade
perdida, um reino do faz-de-conta ou um lugar assim,
onde o que quase aconteceu possa finalmente existir em
paz, longe da frieza dos historiadores e das
estatísticas?
Talvez por conta do ofício de escritor ou quem sabe
pelo fato de ser um renhido otimista, acredito que
exista uma esquina do universo, uma contramão do
tempo, onde Deus guarda – talvez apenas para deleite
particular – os fatos que estiveram a um passo de
existir no mundo concreto, e que por um capricho
qualquer não vingaram. Lá devem repousar as glórias
que teriam chegado às páginas dos jornais e dos livros
de história, registradas para sempre com cores de
verdade – e não com as tintas da nossa imaginação –,
não fosse por uma palavra, uma singela condicional,
que esconde sua força descomunal por trás de duas
letrinhas: se.
Os mais antigos diziam que se ‘se’ jogasse, ‘se’ era
artilheiro. É uma frase divertida – até porque começa
justamente com a inexorável condicional – mas discordo
dela. Discordo e digo mais: ‘se’ joga sim, e joga uma
barbaridade. Ao menos nas minhas crônicas sempre
haverá lugar para um ‘se’ artilheiro, um ‘se’ campeão.
Nos meus textos o herói da semana sempre poderá ser um
‘se’. Um ‘se’ ou um de seus irmãos fraternos: o
‘talvez’, o ‘quem sabe’, o ‘por que não?’, ou outros
menos votados.
Mas, retomando minha questão inicial, me pergunto
neste último dia do ano – um ano com enorme vocação
para autor de tragédia grega ou roteirista de filme
noir: para onde vão os momentos mágicos do esporte que
tantas vezes foram pressentidos, sem jamais terem sido
realmente vividos? Por exemplo: onde estará a medalha
olímpica de ouro do nosso João do Pulo – seu maior
consolo nos anos difíceis após o trágico acidente –
que quase foi roubada por aqueles juízes soviéticos?
Falando em medalha de ouro, em que prateleira estará a
nossa, a do futebol, única conquista que faltava à
Seleção Brasileira?
Onde terá ido parar a força superior que deteve, no
último segundo, as botinadas imbecis que encurtariam
as carreiras de gênios como Garrincha, Reinaldo e
Zico. Qual terá sido o destino da rajada de vento que
desviou a bola que atingiria o olho de Tostão,
permitindo que ele desfilasse sua classe e visão de
jogo por mais duas copas? Onde viverá o anjo que
impediu que Castilho, inexplicavelmente esquecido pelo
Fluminense, tivesse dado da janela de seu apartamento
o último salto de sua vida? E onde andarão os fiscais
de pista que impediram o acidente de Ayrton Senna –
que hoje já quebrou o recorde de cinco títulos mundias
do Fangio.
Onde encontraremos o piloto que conseguiu evitar a
queda do avião com o glorioso time do Torino, base da
Squadra Azurra – a primeira tetracampeã mundial de
futebol? Em que lugar poderemos ver o brilhante
Atlético Mineiro, campeão brasileiro de 1977, e o São
Paulo tricampeão do mundo? Talvez ao lado da Máquina
do Flu, de Carlos Alberto, Paulo César, Doval e
Rivellino – que não perdeu nos pênaltis aquela
semifinal com o Corinthians e fez com o Internacional
de Falcão, Caçapava e Figueroa a maior decisão da
história dos brasileirões. Que fim levaram os títulos
de times inesquecíveis como a Ponte Preta e o Cruzeiro
dos anos 70, o São Caetano da virada do milênio, o
Bangu dos anos 80, o América dos anos 60, a Hungria de
54, a Holanda de 74 e a França de 86? As inesquecíveis
atuações de Pelé na copa de 74 e Romário nas duas
últimas olimpíadas, onde andarão? E, principalmente,
onde estarão guardados os campeonatos da Seleção
Brasileira de 50 e 82 e a taça que escapou de ser
derretida?
Eu poderia escrever mil laudas com histórias assim,
mas encerremos por aqui esse inventário sentimental
das glórias que não chegaram. Pensando bem, esses
momentos só foram mágicos porque foram apenas ‘quase’.
O Brasil não seria o mesmo sem a derrota na Copa de 50
– que o garoto Pelé, diante das lágrimas do pai, jurou
vingar e vingou, poucos anos mais tarde. O que eu
queria dizer ao amigo leitor é que, se existir esse
mundo onde os sonhos não desaparecem, é exatamente lá
que eu desejo que passemos o ano de 2002. E se isso
não for possível, que o ano que chega hoje à noite
possa ao menos vir carregado de grandes emoções
esportivas. Tão grandes quanto todas essas, que foram
sem jamais ter sido.