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Marcos Caetano
Domingo, 06 Janeiro de 2002, 18h58
terraesportes@terra.com.br

Inimigos íntimos


Há alguns anos, quando esteve ciscando pelo Brasil para fugir do rigoroso inverno portenho, o grande escritor argentino Adolfo Bioy Casares se aventurou por alguns dos nossos programas televisivos de entrevistas. Num deles, perguntado sobre o porquê de tanta rivalidade entre Brasil e Argentina, respondeu que isso é muito natural – que nós, seres humanos, somos assim mesmo. Preferimos odiar sempre quem está próximo. Não brigamos com a sogra do nosso amigo, mas com a nossa. Da mesma forma, nas empresas, os engravatados brigam bastante com os concorrentes, mas brigam ainda mais entre eles mesmos. É o ancestral conceito do inimigo íntimo.

Concordo com Casares. Realmente, fora um ou outro modelo de vestido da Björk, jamais nutri grandes antipatias pelos islandeses. Também não chego a ter particular implicância com os times de futebol de Burkina Faso ou do Uzbequistão. Mas botem uma bola de futebol para rolar na grama e uns cabeludos com camisa celeste e branca do outro lado e, creiam-me, vocês conhecerão o lado mais sinistro da alma deste colunista. É verdade: sem as brigas com os vizinhos, nosso futebol não teria a mesma graça. Digo isso e já me apresso em corrigir a primeira oração deste parágrafo: concordo com Casares – apesar dele ser argentino.

Mas deixemos os portenhos de lado e vamos falar de Brasil. Pergunte aos músicos de chorinho, discípulos do maestro Canhoto, qual o valor de um bom Regional. Tente convencer um baiano a abolir o berimbau, o azeite de dendê ou o vatapá. Pense em proibir o puchero no Rio Grande do Sul, o bolinho de bacalhau no Rio ou o virado em São Paulo. Seria o caminho mais rápido para a guerra civil. Na música popular, como na culinária e no esporte, tudo o que tem sabor regional desperta mais paixões. E aqui chego finalmente ao meu ponto: sou totalmente contra o fim dos campeonatos estaduais.

Sei que minha postura renderá algumas polêmicas, que há muitos cronistas esportivos de boa cepa pregando a extinção dos campeonatos estaduais, que há a questão absolutamente urgente do calendário, que existem aspectos financeiros envolvidos – mas se me pronunciasse a favor da extinção dos estaduais estaria traindo minhas mais doces lembranças e, portanto, minha própria consciência.

É claro que não defendo que os estaduais continuem como estão: inchados, desorganizados, longos. Jamais pregaria a favor de monstrengos paridos nos últimos anos, como o Paulistão do Farah, pródigo em chaves e fases, e o Cariocão do Caixa D´Água, com uma quantidade boçal de equipes. Esses campeonatos são inviáveis, seja financeiramente, seja sob a ótica da capacidade de atrair torcedores.

Revisemos as fórmulas, mas não deixemos de realizar os apaixonantes e quase centenários campeonatos estaduais. O do Rio de Janeiro poderia contar com os quatro grandes mais dois classificados, apontados em prévia disputada por equipes como Bangu, América e Americano. Já o Paulistão deveria ter no máximo 10 equipes. As tradicionais, mais as que se classificassem numa fase preliminar. A presença das equipes tradicionais garantiria o interesse do torcedor – sem o que não se faz dinheiro – enquanto as vagas dos convidados assegurariam o mérito do torneio. Esses campeonatos seriam disputados em, no máximo, 30 dias.

Meu argumento pelos estaduais é muito simples: perguntem a um torcedor do Botafogo se ele vibrou mais com o título brasileiro de 95 que com o estadual de 89. Ou ao santista se ele poderia viver sem aquele Paulistão de 84. Perguntem também aos corintianos o que eles acham do bicampeonato da Democracia Corintiana e aos tricolores se eles trocariam os gols de Assis e Renato Gaúcho sobre o Flamengo pelo gol do Romerito no Campeonato Brasileiro. Não, amigo leitor, eu e você não vivemos sem as singelas vitórias provincianas, sem o prazer sublime de chegar na repartição segunda-feira e gozar o camarada que senta na mesa ao lado.

Não sou contra a Liga Rio-São Paulo, pois acho que há espaço para os dois torneios. Mas imagino que não será a mesma coisa para um vascaíno ganhar o título em cima do Etti Jundiaí ou um para são-paulino ver seu time dar a volta olímpica no estádio Godofredo Cruz, em Campos. Simplifico ainda mais: desafio o amigo leitor a listar, sem pestanejar, os campeões dos últimos cinco torneios Rio-São Paulo. Se tivesse perguntado pelos últimos cinco campeões estaduais teria sido bem mais fácil, não?

Desde que o mundo é mundo o palmeirense quer gozar o corintiano, o tricolor o rubro-negro e assim por diante. “É a ordem natural das coisas”, diria Casares. Que seja para sempre assim, concordo eu. Apesar dele ser argentino.

 

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