Acho que foi o João Saldanha que, numa de suas crônicas, pôs na boca de
Neném Prancha a máxima: se macumba ganhasse jogo, todo Campeonato Baiano acabava empatado. Apesar da notoriedade conquistada pela frase, o futebol está longe de poder ser considerado um esporte livre de rituais. O torcedor – esse místico, esse Antônio Conselheiro de cara pintada e bandeira na mão – continua a apelar para as forças do além em busca de títulos e vitórias.
Confesso que não sou supersticioso. Passo embaixo de escadas com a
tranqüilidade de quem toma uma água de coco no Posto 9; acho gato preto um bicho simpático; não tenho nada contra o número treze – a menos que indique a quantidade de pontos na testa ou de credores batendo na porta –; e não creio que Deus iria ficar prestando atenção o tempo todo no que um bando de doidos faz para influenciar seus desígnios. Imagino até a cena, Deus falando com um querubim: “Ih! O cara acabou de visitar uma daquelas videntes que traz a pessoa amada em três dias. Corre lá e dá um jeito de mudar a vontade da mulher, pois ela tem que voltar para ele”. E o querubim: “Mas Senhor, essa mulher já foi reivindicada por outro, conforme despacho número 44.357/2002, depositado na esquina de Santo Amaro com Gomes de Carvalho...”
Sou assim. Vivo fazendo piada com as superstições. Mas só até cruzar o túnel que leva à arquibancada. A partir dali, meu amigo, vale tudo: rezas, benzeduras, descarregos, incenso, pó-de-pirlimpimpim, uma baixaria. Digo mais: se aparecer um bode preto ou uma galinha d´Angola, eles que se cuidem. Mas sou bom no negócio. Poucos tricolores sabem, mas o verdadeiro herói do bi carioca de 75 e 76 não foi Rivelino nem Doval – mas este que aqui escreve.
Creiam-me: se eu não tivesse repetido a mesma cueca verde em todas as
partidas disputadas nos dois campeonatos, o Fluminense jamais teria
conseguido a façanha. O pior é que a cueca em questão era daquele modelo saco-de-limão, tão em voga na época, que vinha num copinho de plástico com três unidades, lembram? Pois bem, além da dita cuja furar com extrema facilidade, o elástico da virilha, fininho, cortava que nem canivete. Mas o sacrifício, como sabemos, fortalece a mandinga. E se a cueca velha de guerra não tivesse dado o último suspiro na hora do gol de cabeça do Doval, na finalíssima de 76 – me permitindo experimentar, digamos, uma incrível sensação de liberdade, que no início eu creditei à vitória –, tenho certeza que teríamos sido tricampeões e, de quebra, faturado um Brasileirão e uma Libertadores.
Durante muito tempo me achei um tresloucado – até descobrir que, em questões ritualísticas, sou dos espécimes mais comedidos. Tomemos o exemplo do Anacoreta, que para quem ainda não conhece, é um camarada rico, culto, bem casado, documentarista famoso, que apesar de tudo prefere viver uma vida reclusa, dedicada apenas às questões do Botafogo. Ele sim é um radical das superstições.
Para não cansar o leitor, contarei apenas algumas de suas manias. A primeira é que ele sempre vai com a camisa do clube – mas jamais a veste. Ela sempre deve pender dobrada sobre seu ombro direito. Tem mais: assiste o jogo inteiro de pé, no lado direito das tribunas. Bem, o jogo inteiro é força de expressão, pois faz parte do seu mantra atitudinal chegar sempre 15 minutos atrasado e sair 15 minutos antes, mesmo que o jogo esteja 6 x 0. Com isso, perdeu diversos gols decisivos e jamais presenciou uma volta olímpica. Não lhe perguntem o tamanho ou a cor das taças que o Botafogo ganhou. Ele simplesmente não sabe. Também cumpre um papel importante no seu rol de quebrantos a destruição furiosa de um radinho de pilha por jogo. Um preço barato, para quem quer ter a certeza íntima de ser o responsável por cada título do time do coração.
E tem ainda o Castor. O Castor é um sujeito pacato, desses que coleciona barbantinhos emendados num rolo e gosta de estourar bolhinhas daqueles sacos plásticos de mudança. Só que, no estádio, ele se transforma num visigodo: grita, briga, diz palavrão na frente das crianças. Acredita piamente que se todos gritarem “Aiaiá!”, a bola jamais entrará no gol do Flu. É tão supersticioso que a turma costumava apelar: “Me compra um picolé? Se não comprar, vai dar azar”. Era a senha para uma rodada de chicabons por conta do pobre coitado. Hoje a gente não faz mais isso. Ficamos com pena. Até porque, vai que isso dá azar...