Do sujeito que vende dogão a 50 centavos ali na esquina ao flanelinha do
estacionamento, do camarada que empurra o carrinho da costela de boi na
churrascaria à dançarina de cabaré, vivemos todos num mundo de
profissionais. Quando falo em profissionais me refiro a pessoas que, como
você e eu, vivem da remuneração que recebem em troca daquilo que fazem. Por
incrível que possa parecer, há muita gente que acha que a função de
dirigente esportivo não foi feita para ser exercida por profissionais. São
as viúvas do amadorismo, que por ingenuidade ou malandragem – não
necessariamente nesta ordem – acreditam que a tarefa de gerir o bilionário
negócio do futebol deve ser executada por pessoas que trabalham apenas por
amor aos seus clubes.
Os clubes cariocas vivem uma situação paradoxal, que na minha opinião é a
principal causa da lavada que vêm levando dos paulistas após sete rodadas da
Liga Rio – São Paulo. Enquanto Fluminense e Botafogo, clubes que buscam se
profissionalizar, não encontram parceiros da iniciativa privada, Vasco e
Flamengo, que têm calafrios só de pensar em gestão profissional, conseguiram
investidores. Conseguiram e perderam. Por vários motivos, mas especialmente
pela total falta de vontade política de seus folclóricos dirigentes de
contar com um vestígio que seja de profissionalismo em suas administrações.
Os parceiros que encontraram não eram os mais hábeis e sólidos, é verdade,
mas a escolha do parceiro é responsabilidade dos presidentes, pois não?
Flamengo e Vasco, o primeiro pelas dimensões bíblicas de sua torcida e o
segundo por ter um excelente estádio, foram os preferidos dos investidores.
Já Fluminense, primeiro clube S.A., e Botafogo, que acaba de contratar o
competente Bebeto de Freitas para gerir profissionalmente seu departamento
de futebol, por não terem bons estádios nem as maiores torcidas do Rio,
acabaram preteridos. Esse, o grande paradoxo. Junte-se a tudo isso a
interminável e conturbada gestão do Caixa D´Água no futebol carioca e
chegaremos ao resultado que está refletido na tabela do campeonato, onde as
cinco últimas posições são ocupadas por clubes do Rio.
Os dirigentes que querem ver preservados os privilégios monárquicos que têm
em seus clubes, espertamente falam em amor à camisa. Bradam aos quatro
ventos que não é possível que um profissional comande um clube pelo qual não
seja apaixonado. Dizem sempre que fizeram muito mais pelo clube que o clube
por eles. Escutei gente no Flamengo falando até em Zico, como exemplo dessa
dedicação “amadora”. Ora, Zico é exemplo de amor à camisa sim, mas não usem
o seu nome como exemplo de amadorismo, pois ele ficaria ofendido. Zico
sempre foi profissional – e bem remunerado. Ganhava para jogar no Flamengo,
como é justo que ganhem aqueles que o administram o futebol. O fato do
Galinho amar o Flamengo é um belo complemento biográfico, mas duvido que um
profissional como ele deixaria de ter feito o que fez pelo clube da Gávea,
mesmo se fosse botafoguense de carteirinha.
Só que não basta receber salário. Eu adoraria ser centroavante do
Fluminense. Jogaria de graça ou até pagaria uns caraminguás para vestir a
camisa 9 tricolor. Mas não serviria para o time. Além da remuneração é
preciso competência. E competência não exige paixão. Consta que Pelé nasceu
Vasco e há quem jure que Romário é Flamengo. Que importa? O que não pode
existir é esse amadorismo velhaco, amador na hora de rechaçar os ventos de
modernidade no futebol, mas profissional na hora de receber salários e
comissões sobre as vendas dos jogadores. Não agüento mais aquela conversa do
dirigente que diz que colocou dinheiro do próprio bolso no clube. Isso é
mentira. E se fosse verdade, estaria errado. Os clubes precisam sobreviver
com seus próprios recursos – e para isso existem os profissionais.
O Flamengo, cujos dirigentes “amadores” são mais amadores do que os outros,
é o clube que mais sofre com esse modelo fracassado de gestão. Mas, cedo ou
tarde, todos os clubes que não se profissionalizarem também pagarão por
isso. Não se iludam: o profissionalismo, que existe há muitas décadas dentro
do campo e na imprensa esportiva, chegará à administração dos clubes. O
ciclo que acaba de se encerrar, com a saída de várias empresas de alguns
grandes clubes, foi só o primeiro capítulo. Um capítulo de desorganização,
supervalorização de cifras e boicotes dos dirigentes. Mas a maior paixão
nacional, com potencial bilionário de receitas, não vai ficar muito tempo
longe dos olhos de empresas que querem lucrar, de forma sadia, com ela. Os
clubes que aceitarem isso, sairão vencedores. Os que se recusarem a expulsar
os dirigentes de carreira – carreira que muitas vezes começa nas violentas
torcidas organizadas – desaparecerão. Ou se transformarão em tristes sombras
do que foram no passado. Pois o amadorismo sim, amigo leitor, é que mata.