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Marcos Caetano
Segunda-feira, 25 Fevereiro de 2002, 00h13
terraesportes@terra.com.br

Profissionalismo mata?


Do sujeito que vende dogão a 50 centavos ali na esquina ao flanelinha do estacionamento, do camarada que empurra o carrinho da costela de boi na churrascaria à dançarina de cabaré, vivemos todos num mundo de profissionais. Quando falo em profissionais me refiro a pessoas que, como você e eu, vivem da remuneração que recebem em troca daquilo que fazem. Por incrível que possa parecer, há muita gente que acha que a função de dirigente esportivo não foi feita para ser exercida por profissionais. São as viúvas do amadorismo, que por ingenuidade ou malandragem – não necessariamente nesta ordem – acreditam que a tarefa de gerir o bilionário negócio do futebol deve ser executada por pessoas que trabalham apenas por amor aos seus clubes.

Os clubes cariocas vivem uma situação paradoxal, que na minha opinião é a principal causa da lavada que vêm levando dos paulistas após sete rodadas da Liga Rio – São Paulo. Enquanto Fluminense e Botafogo, clubes que buscam se profissionalizar, não encontram parceiros da iniciativa privada, Vasco e Flamengo, que têm calafrios só de pensar em gestão profissional, conseguiram investidores. Conseguiram e perderam. Por vários motivos, mas especialmente pela total falta de vontade política de seus folclóricos dirigentes de contar com um vestígio que seja de profissionalismo em suas administrações. Os parceiros que encontraram não eram os mais hábeis e sólidos, é verdade, mas a escolha do parceiro é responsabilidade dos presidentes, pois não?

Flamengo e Vasco, o primeiro pelas dimensões bíblicas de sua torcida e o segundo por ter um excelente estádio, foram os preferidos dos investidores. Já Fluminense, primeiro clube S.A., e Botafogo, que acaba de contratar o competente Bebeto de Freitas para gerir profissionalmente seu departamento de futebol, por não terem bons estádios nem as maiores torcidas do Rio, acabaram preteridos. Esse, o grande paradoxo. Junte-se a tudo isso a interminável e conturbada gestão do Caixa D´Água no futebol carioca e chegaremos ao resultado que está refletido na tabela do campeonato, onde as cinco últimas posições são ocupadas por clubes do Rio.

Os dirigentes que querem ver preservados os privilégios monárquicos que têm em seus clubes, espertamente falam em amor à camisa. Bradam aos quatro ventos que não é possível que um profissional comande um clube pelo qual não seja apaixonado. Dizem sempre que fizeram muito mais pelo clube que o clube por eles. Escutei gente no Flamengo falando até em Zico, como exemplo dessa dedicação “amadora”. Ora, Zico é exemplo de amor à camisa sim, mas não usem o seu nome como exemplo de amadorismo, pois ele ficaria ofendido. Zico sempre foi profissional – e bem remunerado. Ganhava para jogar no Flamengo, como é justo que ganhem aqueles que o administram o futebol. O fato do Galinho amar o Flamengo é um belo complemento biográfico, mas duvido que um profissional como ele deixaria de ter feito o que fez pelo clube da Gávea, mesmo se fosse botafoguense de carteirinha.

Só que não basta receber salário. Eu adoraria ser centroavante do Fluminense. Jogaria de graça ou até pagaria uns caraminguás para vestir a camisa 9 tricolor. Mas não serviria para o time. Além da remuneração é preciso competência. E competência não exige paixão. Consta que Pelé nasceu Vasco e há quem jure que Romário é Flamengo. Que importa? O que não pode existir é esse amadorismo velhaco, amador na hora de rechaçar os ventos de modernidade no futebol, mas profissional na hora de receber salários e comissões sobre as vendas dos jogadores. Não agüento mais aquela conversa do dirigente que diz que colocou dinheiro do próprio bolso no clube. Isso é mentira. E se fosse verdade, estaria errado. Os clubes precisam sobreviver com seus próprios recursos – e para isso existem os profissionais.

O Flamengo, cujos dirigentes “amadores” são mais amadores do que os outros, é o clube que mais sofre com esse modelo fracassado de gestão. Mas, cedo ou tarde, todos os clubes que não se profissionalizarem também pagarão por isso. Não se iludam: o profissionalismo, que existe há muitas décadas dentro do campo e na imprensa esportiva, chegará à administração dos clubes. O ciclo que acaba de se encerrar, com a saída de várias empresas de alguns grandes clubes, foi só o primeiro capítulo. Um capítulo de desorganização, supervalorização de cifras e boicotes dos dirigentes. Mas a maior paixão nacional, com potencial bilionário de receitas, não vai ficar muito tempo longe dos olhos de empresas que querem lucrar, de forma sadia, com ela. Os clubes que aceitarem isso, sairão vencedores. Os que se recusarem a expulsar os dirigentes de carreira – carreira que muitas vezes começa nas violentas torcidas organizadas – desaparecerão. Ou se transformarão em tristes sombras do que foram no passado. Pois o amadorismo sim, amigo leitor, é que mata.

 

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