Decisão do Campeonato Brasileiro de 2003. O Flamengo vai perdendo por 1 x 0,
aos 20 minutos do segundo tempo, quando é marcada uma falta a seu favor na
linha da meia-lua. A torcida, entusiasmada, pede: Zico! Zico! Zico! O
Galinho de Quintino faz um rápido aquecimento e entra em campo para cobrar a
falta. Ele bate com a categoria de sempre: golaço. Antes de deixar o campo
dez minutos depois, Zico ainda faz um lançamento primoroso para um jovem
atacante rubro-negro desempatar a partida. Fim de jogo, Flamengo campeão
brasileiro.
Copa do Mundo de 2002. Brasil x França, a grande revanche. O jogo truncado
termina empatado e a decisão vai para a prorrogação, com morte súbita.
Quando faltam apenas dois minutos para o fim, uma investida de Denílson pela
quina da grande área acaba em pênalti para nós. Ninguém se anima a cobrar.
Estão todos exaustos, com cãibras e no limite do stress psicológico. É aí
que entra em campo um senhor de 60 anos, número 10 às costas. Os japoneses
não podem acreditar no que vêem: Pelé vai cobrar o pênalti. Ele ajeita a
bola, toma distância e chuta. O goleiro francês Barthez bem que tenta, mas,
enganado pela paradinha do Rei, não consegue evitar o gol. A paradinha é
ilegal - mas quem seria capaz de anular um gol de Sua Majestade? Brasil
pentacampeão do mundo.
Essas histórias, que podem soar como ficção científica ao leitor mais
pragmático, são perfeitamente possíveis de acontecer. Para que os delírios
deste colunista possam ter a chance de se tornar realidade, bastaria que os
velhinhos do Board da FIFA mudassem uma única regra do futebol: a que limita
o número de substituições durante as partidas. Não é nada do outro mundo.
Basquete, hóquei, vôlei, entre muitos outros esportes coletivos - a rigor,
quase todos - já são assim. No hóquei no gelo, o esporte mais rápido do
mundo, os jogadores não precisam de autorização do juiz nem esperar o
companheiro sair para entrar no rink. Basta que quem esteja saindo não
participe da jogada para que as substituições sejam feitas, com o disco em
jogo, a mais de 100 km por hora.
A modificação que proponho pode parecer sem grande importância, mas não é
bem assim. Na verdade, uma regra que permita que os jogadores entrem e saiam
da partida tantas e quantas vezes o técnico julgar necessário causaria a
maior transformação da história do esporte. Comentarei aqui apenas algumas
dessas situações, que mudariam para melhor o nosso velho e amado esporte das
botinadas.
Em primeiríssimo lugar, a nova regra tornaria o jogo menos físico e mais
estratégico. Os times dependeriam menos dos cabeças-de-bagre com saúde de
vaca premiada e dos técnicos que privilegiam a "pegada" e a pancada em
detrimento do bom futebol. Os craques poderiam descansar um pouco ao longo
da partida e, com isso, as jogadas geniais apareceriam mais amiúde.
Resumindo: menos juniores baianos e mais mauros galvões. Só isso já
justificaria a adoção da regra. Mas tem muito mais.
Os bons jogadores, que sabem lançar, cobrar faltas e comandar o time,
poderiam jogar por muito mais tempo. No basquete americano, Jordan, Malone,
Ewing, Olajuwon, Stockton, todos na faixa do 40 anos, continuam figurando
entre os melhores da liga. No hóquei, Mario Lemieux, com quase 40 e depois
de um linfoma, acaba de levar o Canadá ao ouro olímpico. Ele foi o "capitain
on ice" - o capitão no gelo - da equipe. O jogador experiente que, de dentro
do campo de batalha, lidera a equipe. É o que Gérson, Pelé e Tostão faziam
na Copa de 70. A nova regra permitiria que os jogadores mais experientes
pudessem ocupar esse espaço, sendo técnicos dentro de campo. De quebra,
quando parassem de vez, estariam mais preparados para ser treinadores.
Os jogadores consagrados, ao permanecerem mais tempo em atividade, além de
orientar e inspirar seus jovens companheiros de equipe, também fariam uma
ponte entre gerações. O ídolo do filho poderia perfeitamente ser o mesmo
ídolo do pai. Isso ajudaria, sem dúvida, a trazer as famílias de volta aos
estádios. Os mais novos iriam aos estádios para dizer que também viram o
grande craque em ação. Os mais velhos, iriam para vê-lo de novo e
homenageá-lo.
Mas a maior revolução da nova regra seria a baixada de bola na arrogância de
muitos dos novos craques, que com poucos meses jogando bem já querem ganhar
1 milhão de dólares por ano. Ora, com um Zico em campo quero ver alguém lá
no Flamengo achar que é mais craque do que todo mundo. Num plantel de 22
jogadores, onde todos efetivamente jogam, a dependência de um ou outro
atleta que não seja realmente um fora de série diminui muito. Isso poderia
ajudar a trazer os salários desse bando de jogadores "mais ou menos" de
volta a uma realidade que não destruiria as finanças dos clubes, como ocorre
hoje.
Poderia listar muitos outros benefícios, mas meu espaço acabou. Isso me
estimula a deixar esse exercício para a imaginação do amigo leitor. Para
concluir, só posso dizer que seria muito bom se a coleção de figurinhas do
meu filho exibisse o mesmo sorriso e o mesmo bigode, ainda que agora meio
grisalho, do Rivellino velho de guerra. Que continua lá, colado no amarelado
álbum da minha infância.