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Marcos Caetano
Domingo, 10 Março de 2002, 19h52
terraesportes@terra.com.br

Viagem fantástica


Isaac Asimov, escritor russo naturalizado americano, ficou famoso por suas obras de ficção científica. Entre elas, se destacava "Viagem Fantástica", que narrava o périplo de um grupo de cientistas em uma nave miniaturizada pelo interior do corpo humano. O livro fez tanto sucesso que o autor se viu estimulado a escrever uma continuação – chamada "Viagem Fantástica II – O Cérebro".

Exercício semelhante ao de Asimov é o que eu gostaria de propor hoje ao leitor: uma viagem pelos recônditos misteriosos da mente do Felipão. Em que estará pensando o bardo de Passo Fundo depois de ganhar a "pelada" – a expressão é do próprio – contra a seleção amadora da Islândia? Quais seriam seus sonhos, seus temores, seus desejos secretos? Pedindo licença aos psicanalistas juramentados, aqui vamos nós.

Complexo de Tim Maia

O sonho de Felipão, sabemos todos, é ganhar a Copa. Até aí, tudo certo. Quem entre nós, os tais 160 milhões de técnicos do comercial de refrigerante, não pensaria igual? Mas o que ocorre com o Felipão – posso ver perfeitamente do console da nossa nave miniaturizada – é que ele quer ganhar sozinho. Quer dizer que ele vai entrar em campo para, com sua classe de zagueirão de roça, encarar franceses e argentinos sem ajuda de ninguém? Não exatamente.

Ele vai precisar de 23 jogadores, claro. Mas nada de líderes ou gente muito carismática, que possa embaçar-lhe o brilho. Rogério Ceni, Juninho Pernambucano, Romário? Nada disso. O "professor" quer cordeirinhos. Gente que venha lamber-lhe as botinas depois de fazer um gol e que guarde a personalidade para as canelas dos adversários. Até o seu isolamento voluntário, barrando Romário, cumpre o papel de tornar a possível conquista ainda mais pessoal.

Felipão é vaidoso. E isso fica claro no sorrisinho e na deferência especialíssima com que trata aqueles jornalistas que, nas coletivas de imprensa, enaltecem a excelência do trabalho do "professor" e dão-lhe efusivos parabéns, antes de perguntar o óbvio. A preferência pelos puxa-sacos fica ainda mais clara se contraposta ao enfado e dificuldade auditiva crônica com que ele contesta aos que não são felipistas de longa data. Chega a ser engraçado como ele jamais consegue ouvir bem as perguntas que não lhe interessam. Parece um Tim Maia: "Cadê o retorno!" – diz, enquanto faz caretas. Mas os sensores da nossa nave indicam que o escutador de chulas e guarânias do homem está em perfeito estado.

O que farei com Romário?

Após analisarmos os sonhos, nossa expedição chega ao espaço mental onde Felipão guarda seus desejos ocultos. Observação de nossos cientistas: ele fará qualquer coisa para chegar à Copa. Isso inclui convocar Romário, engolir um Falcão, um Lopes e tudo o que Ricardo Teixeira mandar. Felipão acalenta o desejo legítimo de, depois do Japão, treinar uma equipe européia e faturar mais uns caraminguás. Nossas sondas mostram algumas fotos cerebrais em que o La Coruña aparece com bastante clareza.

O outro desejo, subordinado ao de não cair fora de jeito algum, é não levar Romário. Seu plano: não convocá-lo para o jogo contra a Iugoslávia, seleção eliminada da Copa que não deve dar trabalho. Sua lógica é não dar moleza para o Peixe, pois contra times mais fracos ele poderá meter uns seis – e aí não sairia mais. Romário poderá até jogar contra Portugal – desde que Ronaldinho não se erga como um Lázaro e os demais atacantes continuem decepcionando. Os portugueses, com uma das melhores seleções do mundo, poderão fazer o Baixinho passar em branco. Uma reuniãozinha com seus protegidos – Rivaldo, Émerson, Roberto Carlos – e uma preleção com frases do tipo "não quero o time jogando em função de ninguém", podem ajudá-lo a conseguir o que deseja.

Mas o que todo brasileiro quer saber é: quais serão os tais 18 que ele vai convocar para o jogo contra a Iugoslávia? E os 23 da Copa? É uma leitura difícil de ser realizada por nossos sensores. Tudo muito turvo, submetido a muitos interesses. Mas conseguimos algo, passível de pequenos reparos. Os titulares serão: Marcos, Anderson Polga, Lúcio e Juan; Cafu, Emerson (capitão), Gilberto Silva, Rivaldo e Roberto Carlos; Edílson e Ronaldinho. E os reservas: Dida, Roque Júnior, Edmílson, Paulo César, Kléberson, Djalminha e Denílson. Pelas outras cinco vagas para a Copa brigam: Rogério Ceni, Júlio César, Cris, Júnior, Serginho, Juninho Paulista, Ronaldinho Gaúcho, Luizão, Kaká e Romário. Beletti, Vampeta, Alex e França estão fora.

Foi difícil entender os motivos que levam o técnico da Seleção a agir como age. Mas, o leitor há de convir comigo, nada que se compare a explicar R$ 1,3 milhão num cofre de uma consultoria em São Luís, não é mesmo?

 

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