Isaac Asimov, escritor russo naturalizado americano, ficou famoso por suas
obras de ficção científica. Entre elas, se destacava "Viagem Fantástica",
que narrava o périplo de um grupo de cientistas em uma nave miniaturizada
pelo interior do corpo humano. O livro fez tanto sucesso que o autor se viu
estimulado a escrever uma continuação – chamada "Viagem Fantástica II – O
Cérebro".
Exercício semelhante ao de Asimov é o que eu gostaria de propor hoje ao
leitor: uma viagem pelos recônditos misteriosos da mente do Felipão. Em que
estará pensando o bardo de Passo Fundo depois de ganhar a "pelada" – a
expressão é do próprio – contra a seleção amadora da Islândia? Quais seriam
seus sonhos, seus temores, seus desejos secretos? Pedindo licença aos
psicanalistas juramentados, aqui vamos nós.
Complexo de Tim Maia
O sonho de Felipão, sabemos todos, é ganhar a Copa. Até aí, tudo certo. Quem
entre nós, os tais 160 milhões de técnicos do comercial de refrigerante, não
pensaria igual? Mas o que ocorre com o Felipão – posso ver perfeitamente do
console da nossa nave miniaturizada – é que ele quer ganhar sozinho. Quer
dizer que ele vai entrar em campo para, com sua classe de zagueirão de roça,
encarar franceses e argentinos sem ajuda de ninguém? Não exatamente.
Ele vai precisar de 23 jogadores, claro. Mas nada de líderes ou gente muito
carismática, que possa embaçar-lhe o brilho. Rogério Ceni, Juninho
Pernambucano, Romário? Nada disso. O "professor" quer cordeirinhos. Gente
que venha lamber-lhe as botinas depois de fazer um gol e que guarde a
personalidade para as canelas dos adversários. Até o seu isolamento
voluntário, barrando Romário, cumpre o papel de tornar a possível conquista
ainda mais pessoal.
Felipão é vaidoso. E isso fica claro no sorrisinho e na deferência
especialíssima com que trata aqueles jornalistas que, nas coletivas de
imprensa, enaltecem a excelência do trabalho do "professor" e dão-lhe
efusivos parabéns, antes de perguntar o óbvio. A preferência pelos
puxa-sacos fica ainda mais clara se contraposta ao enfado e dificuldade
auditiva crônica com que ele contesta aos que não são felipistas de longa
data. Chega a ser engraçado como ele jamais consegue ouvir bem as perguntas
que não lhe interessam. Parece um Tim Maia: "Cadê o retorno!" – diz,
enquanto faz caretas. Mas os sensores da nossa nave indicam que o escutador
de chulas e guarânias do homem está em perfeito estado.
O que farei com Romário?
Após analisarmos os sonhos, nossa expedição chega ao espaço mental onde
Felipão guarda seus desejos ocultos. Observação de nossos cientistas: ele
fará qualquer coisa para chegar à Copa. Isso inclui convocar Romário,
engolir um Falcão, um Lopes e tudo o que Ricardo Teixeira mandar. Felipão
acalenta o desejo legítimo de, depois do Japão, treinar uma equipe européia
e faturar mais uns caraminguás. Nossas sondas mostram algumas fotos
cerebrais em que o La Coruña aparece com bastante clareza.
O outro desejo, subordinado ao de não cair fora de jeito algum, é não levar
Romário. Seu plano: não convocá-lo para o jogo contra a Iugoslávia, seleção
eliminada da Copa que não deve dar trabalho. Sua lógica é não dar moleza
para o Peixe, pois contra times mais fracos ele poderá meter uns seis – e aí
não sairia mais. Romário poderá até jogar contra Portugal – desde que
Ronaldinho não se erga como um Lázaro e os demais atacantes continuem
decepcionando. Os portugueses, com uma das melhores seleções do mundo,
poderão fazer o Baixinho passar em branco. Uma reuniãozinha com seus
protegidos – Rivaldo, Émerson, Roberto Carlos – e uma preleção com frases do
tipo "não quero o time jogando em função de ninguém", podem ajudá-lo a
conseguir o que deseja.
Mas o que todo brasileiro quer saber é: quais serão os tais 18 que ele vai
convocar para o jogo contra a Iugoslávia? E os 23 da Copa? É uma leitura
difícil de ser realizada por nossos sensores. Tudo muito turvo, submetido a
muitos interesses. Mas conseguimos algo, passível de pequenos reparos. Os
titulares serão: Marcos, Anderson Polga, Lúcio e Juan; Cafu, Emerson
(capitão), Gilberto Silva, Rivaldo e Roberto Carlos; Edílson e Ronaldinho. E
os reservas: Dida, Roque Júnior, Edmílson, Paulo César, Kléberson, Djalminha
e Denílson. Pelas outras cinco vagas para a Copa brigam: Rogério Ceni, Júlio
César, Cris, Júnior, Serginho, Juninho Paulista, Ronaldinho Gaúcho, Luizão,
Kaká e Romário. Beletti, Vampeta, Alex e França estão fora.
Foi difícil entender os motivos que levam o técnico da Seleção a agir como age. Mas,
o leitor há de convir comigo, nada que se compare a explicar R$ 1,3 milhão
num cofre de uma consultoria em São Luís, não é mesmo?