Ainda que no mundo inteiro essa discussão esteja ultrapassada, aqui no Brasil, muito em função de termos um técnico retranqueiro no comando da Seleção, continuamos a gastar muita saliva, tinta e papel com essa história de defesa versus ataque, de futebol força versus futebol arte.
Basta assistir aos jogos dos clubes ou seleções da Espanha, Argentina, Portugal, França e – pasmem! – até Inglaterra, para constatarmos que essa balela de retranca e bandos de cabeças-de-área é assunto encerrado. Futebol não é uma questão de predomínio da defesa ou do ataque, mas de atacar e defender com a
força máxima. E o atual time do São Paulo é um exemplo pronto e acabado de como isso pode, a um só tempo, ser não apenas possível, mas, principalmente, delicioso.
Poderia escrever páginas e páginas com conceitos que a Seleção Brasileira poderia aprender com o São Paulo, mas vou destacar aqui apenas os mais significativos. Em primeiríssimo lugar, o time do São Paulo gosta de ter a posse de bola. A bola não queima nos pés dos jogadores, ainda que, por mais paradoxal que possa parecer, os jogadores do tricolor paulista não fiquem muito tempo com ela nos pés. Preferem tocar de primeira – e não para os
lados, mas para a frente, em direção ao gol.
Muitas vezes vemos os jogadores da Selipão (a seleção do Felipão) tocando de primeira, mas isso é muito mais
para se livrar da bola, da angústia de atuar em um time que joga
encaixotado, do que propriamente uma estratégia para fazer gols.
A volúpia do ataque
Falei em gol e aqui nos deparamos com uma maravilhosa tara do elenco são-paulino. A turma lá gosta de fazer gols. O Felipão diz: em primeiro lugar, não tomar gols. Mas Kaká, França e companhia desprezam solenemente o conselho do gaúcho. Para eles, fazer gols é a maior das prioridades, com o resto da estratégia se subordinando ao ataque. E é por isso que seu time, apesar de não ter a melhor defesa do torneio, está na ponta da tabela, com uma voluptuosa média de 3,7 gols por partida.
Outro aspecto que precisa ser ressaltado com respeito ao time do São Paulo é a alegria, o prazer de jogar futebol, estampado nos sorrisos de seus jogadores – especialmente Kaká. Há muito tempo eu não via um time tentar tantas jogadas de efeito e tabelinhas. A experiência me ensinou que os times que fazem muitas tabelinhas normalmente são vencedores, pois a tabelinha é um grande indício de entrosamento de uma equipe.
Por conta de tudo isso, o ‘cracaço’ Rivelino não hesitou em se referir ao time comandado por Nelsinho
como "carrossel tricolor". Ainda que seja incrível constatar que Nelsinho tenha sido chamado de burro pela torcida na primeira metade do torneio.
Individualidades
Para arrematar, o São Paulo tem individualidades – palavra abominada por Felipão, que vive pregando que ninguém é melhor que ninguém, que o conjunto é tudo, que o time não pode jogar em função de um jogador (ainda que ele mesmo paute sua vida em função do Ronaldinho). Pois o São Paulo tem em Rogério Ceni, Souza, Kaká e França a sua espinha dorsal. Esses quatro são os
destaques, os jogadores decisivos, e o resto do elenco aceita isso sem ciumeiras tolas.
O resultado é que, liderados pelos quatro, os demais jogadores se soltam e conseguem atuar também em alto nível. Dou dois exemplos: Reinaldo, que no Flamengo era um botinudo e agora está jogando bem, e Belletti, jogador questionado, que teve uma grande atuação, fazendo até dois gols… de pé esquerdo.
O treinador da Seleção Brasileira demonstra não querer aproveitar a base do São Paulo. Parece que vai barrar França, enquanto Rogério e Kaká, se forem convocados, deverão ficar na reserva. A ele, recomendo rever o tape dos 7 x 0 deste domingo. Mas, ainda mais importante que rever o jogo, é rever seus conceitos sobre futebol.
No meio da semana, haverá outra chance para que
Scolari observe o melhor do futebol brasileiro em ação. Estarão se
enfrentando as melhores equipes paulistas, São Paulo e Palmeiras, e os melhores cariocas, Vasco e Botafogo. Botafogo este que, liderado por Dodô, se não é a melhor equipe do torneio, ao menos vem sendo a maior surpresa da competição. Só que isso é assunto para uma outra coluna.
O fato é que Mestre Telê adoraria treinar essa equipe do São Paulo. E a torcida brasileira adoraria ver essa base do São Paulo ajudando a nossa Seleção. Pena que o mundo esteja mudando, o carrossel esteja girando, e só Felipão não esteja vendo.