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Marcos Caetano
Domingo, 24 Março de 2002, 20h38
terraesportes@terra.com.br

Incoerências na Selipão


Imaginem a seguinte situação: uma pesquisa, realizada por um instituto idôneo e com metodologia correta, aponta que 70% dos brasileiros consideram que a redução do preço da gasolina é o assunto que mais os interessa no momento. Dias depois, o presidente da República convoca uma coletiva de imprensa para falar sobre a política de combustíveis do país. Só que, antes de contestar a primeira pergunta, o presidente adverte que, sob nenhuma hipótese, irá comentar o assunto da redução dos preços. Surreal, certo?

Passemos então a um fato concreto. Coletiva de imprensa para a convocação da equipe que vai à Copa. As pesquisas mostram que 70% dos torcedores querem Romário com a amarelinha. O que faz nosso treinador? Diz que não falará sobre jogadores que não foram convocados, para em seguida desmanchar-se em referências a Alex, Cris e Leonardo – todos fora da sua lista. Desrespeito ao torcedor. Algo que só pode ser piorado com a adição de incoerência. E, incoerência – a despeito do que muita gente anda dizendo por aí – é algo que vem sobrando ao técnico da Seleção.

Um rosário de incoerências

Felipão diz que tem uma base. Errado. Ele já convocou quase 60 jogadores diferentes desde que assumiu o cargo, o que prova que estamos longe de saber de cabeça o time para a Copa. Se é verdade que Anderson Polga pode ser titular contra a Iugoslávia, ao lado dos zagueiros que atuam no exterior, veremos no dia 27 a estréia de uma nova zaga. Kléberson e Gilberto Silva, que poderão ser titulares na Copa, nunca jogaram com Rivaldo. Da mesma forma que Ronaldinho da Inter jamais atuou na Seleção atual. Fatos assim completam a constatação de que ainda estaremos estreando formações na defesa, no meio-de-campo e no ataque.

Felipão diz que chama os melhores para a posição. Errado. Luizão e Ronaldinho, por exemplo, não são os melhores centroavantes em atividade – simplesmente porque não estão em atividade. E temos outros casos, como o de Juan, sobre quem o próprio treinador deu a dica de que não o considera entre os melhores, ao afirmar na coletiva que só o chamou porque "precisava dar-lhe uma força, pois o atleta estava em má fase". Mesma coisa fez com Belletti, na coletiva anterior.

Felipão insinuou que Romário só faz gol no Bambala e no Arimatéia, e que contra a Argentina a coisa é diferente. Errado. Romário foi artilheiro do Brasil nas eliminatórias – com 8 gols em 4 jogos – mesmo sendo convocando por Scolari apenas para uma partida. Ele jamais jogou no Sul e, portanto, não marcou contra os citados timecos. Mas já fez gol na Argentina, no Uruguai, na Alemanha, na Holanda, em finais de campeonatos brasileiros, e em Copa do Mundo. Foram cerca de 80 gols pela Seleção, atrás apenas de Pelé – e só não fez mais porque foi injustamente barrado de duas olimpíadas e uma copa. A Selipão sim, é que jamais marcou contra a Argentina, uma vez que nosso golzinho na derrota em Buenos Aires foi, na verdade, um gol contra.

Personalidade ou covardia?

Parte de imprensa afirma que Felipão mostra personalidade ao barrar Romário, mesmo contrariando a opinião pública. Outra incoerência. Personalidade ele mostraria se dissesse, de peito aberto e com todas as letras as letras, que não vai chamar o jogador – contando-nos ainda os seus motivos. Ao evitar encerrar a questão, ele parece apenas querer resguardar-se para, caso receba uma carteirada do Ricardo Teixeira, poder afirmar: "Eu jamais disse para vocês que eu não convocaria o Romário…"

Mas a última incoerência desta crônica de incoerências é a insinuação da falta de "espírito de Seleção" do atacante vascaíno. Felipão não considera Romário um jogador de grupo? Ora, então por que diabos lhe entregou a braçadeira de capitão justo em seu jogo de estréia como treinador da Seleção Brasileira?

Pergunto ao leitor: quem possui mais espírito de Seleção? Um treinador que despreza a opinião da torcida, que no comando da Seleção ganhou apenas três jogos oficiais em casa – contra arimatéias e bambalas – e perdeu 100% das partidas disputadas fora, e que não conseguiu mostrar um bom padrão de jogo após muitos meses no cargo? Ou um artilheiro com quase 900 gols na carreira, que conquistou todos os títulos a nível regional e internacional, que trouxe-nos uma Copa do Mundo e que tem a coragem de, como fez em 94, aliviar o peso dos ombros dos companheiros ao afirmar que assumiria a responsabilidade de uma derrota na Ásia?

Um grupo não é um time, professor Scolari. Um time se faz com líderes. E líderes são pessoas que assumem responsabilidades. Pois liderança não se compra no armarinho da esquina. Nem deve ser dividida em partes iguais com o tal "grupo", numa conveniente posição de socializar eventuais fracassos.

 

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