No mês passado fiz aniversário e decidi celebrar a data com os amigos, numa pista de kart. Coisa de quem está ficando velho e acredita, inutilmente, que conseguirá parar o tempo se correr mais do que ele. E como a pretensão do ser humano parece crescer na razão inversa do seu conhecimento, ainda que sem saber nada de pilotagem, fomos justamente para a mais profissional de todas as pistas do Brasil: a da Granja Viana, em São Paulo.
Lá, devidamente montados em velozes carrinhos de 13 cavalos – que comparados a um Fórmula 1 de 870 cavalos são uns rolimãs - , partimos em busca de emoções baratas, das quais, afinal de contas, a vida é feita.
No final da prova, vencida por um amigo sem consideração pelo aniversariante, o saldo foi o seguinte: um pole position enjoado, que abandonou no final da segunda
volta para tomar uma injeção de Plasil; um camarada que voou sobre a pilha de pneus e quase quebrou o pescoço; e um amigo que passou reto numa curva e acabou engessado, pois rompeu o tendão do polegar.
Isso antes de começar a chover. Porque quando a chuva chegou, caro amigo, passamos todos a conduzir no melhor estilo “Buster Keaton bêbado”. Foi tão ridículo que juntou gente no paddock para rir da nossa cara. No final da prova, lembrando de como o nosso Rubinho dirige bem na chuva, prometi
solenemente: “nunca mais falo mal desse cara”.
Um excelente piloto
Contei toda a minha desventura sobre quatro rodas apenas para deixar bem claro o quão bom tem que ser um sujeito para que lhe entreguem uma Ferrari de 300 milhões de dólares. E para dizer que Rubinho é um excelente piloto.
Sei que nós brasileiros temos uma profunda ojeriza por quem não é o melhor no que faz. Até admito a idiossincrasia, mas daí a tachar de sem talento alguém que não é o número um em sua modalidade vai uma distância enorme. Tão grande, que não há outra palavra para classificá-la, senão esta: injustiça.
Rubens Barrichello foi considerado um fenômeno quando pilotou karts, quando esteve na Fórmula 3 e também na Fórmula Opel. Terá ele desaprendido o que sabia quando entrou na Fórmula 1? Duvido muito. O que sempre lhe faltou foi estrela. E o Grande Prêmio Brasil de ontem escancarou isso uma vez mais.
Quem quis ver, viu. Rubinho, com uma Ferrari inferior, chamada de “velhinha” pelos próprios técnicos da equipe, saiu da oitava posição do grid para a liderança, em menos de 15 voltas. Com direito a uma ultrapassagem sobre ninguém menos do que Michael Schumacher.
Por falar no alemão, esse sim é um piloto genial – e que também tem estrela. Nem é preciso ir além das estatísticas: em 11 anos correndo em Interlagos, Schumacher ganhou 4 vezes e pontuou em todas as provas. Já Rubinho, em 10 corridas, só conseguiu terminar uma. Mais afortunado que o alemão, só os brasileiros, que em cinco décadas de Fórmula 1 foram agraciados com três maravilhosos campeões. E mais sortudos do que nós, só mesmo o senhor e a
senhora Schumacher, que conseguiram gerar dois grandes pilotos debaixo de um mesmo teto.
Um grande prêmio bem brasileiro
Na prova de domingo, quando uma prosaica pipa pegou rabiola-e-linha e deu um cabresto no carro do Montoya, fazendo-o debicar até os boxes, cheguei a achar que a tarde seria brasileira. Que nada. De tipicamente brasileira, só o atraso do Pelé na bandeirada final (quem mandou botar um cracaço para atuar de bandeirinha?) e os camelôs vendendo muamba falsificada da Ferrari do lado de fora. “Bonezinho do burrinho, na minha mão só paga R$ 5, freguesa!”, gritava um deles, para exasperação dos herdeiros do Comendador Enzo.
A realidade é que Rubinho comete apenas um grande erro: ficar se comparando com Schumacher, em vez de assumir a condição de “amigo do rei” e curtir em sua Passárgada os 7 milhões de dólares que ganha por ano para dirigir o carro que é o sonho de todo piloto. O brasileiro não é o melhor do mundo, mas pode perfeitamente ganhar corridas – e até títulos. Pilotos piores que ele – como Hill e Villeneuve, para mencionar apenas casos recentes – já
conquistaram campeonatos.
Michael Schumacher já é um dos cinco maiores pilotos da história do automobilismo. Pilotando a nova Ferrari, é um campeão virtualmente invencível. Mas ontem, por fugazes 17 voltas, Rubens Barrichello nos fez acreditar na utopia de que a sorte poderia estar, finalmente, mudando de
mãos.