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Marcos Caetano
Domingo, 07 Abril de 2002, 20h30
terraesportes@terra.com.br

O canto do cisne


“Quero morrer com meus calçados de sapateado postos”. A frase de Sammy Davis Jr. resume de forma pungente a quimera de todo artista com um mínimo de alma: dizer adeus nos palcos. Negro, pobre, cego de um olho e um tanto desajeitado, ele venceu todos os preconceitos ao fazer-se crooner, ator e humorista – tendo se consagrando, ao lado dos amigos Frank Sinatra e Dean Martin, como um dos maiores entertainers da história do show business americano. Mas, acima de tudo, Sammy Davis Jr. sabia que era um sapateador. E, como desejava, acabou sepultado com seus sapatos chapeados nos pés.

Um pouco antes de morrer, no entanto, Sammy decidiu apresentar-se pela última vez ao lado daquele que havia escolhido como seu sucessor: o jovem Gregory Hines. O número que o mestre – magro e já devastado pelo câncer – realizou ao lado do pupilo consistia em uma seqüência de passos que um fazia e o outro repetia em seguida. Lá pelas tantas, Sammy emendou umas passadas tão complexas que Hines tentou, tentou, mas simplesmente não conseguiu imitar. Emocionado, ele se ajoelhou, beijou os sapatos do mestre e disse apenas: “obrigado”. Anos mais tarde, Hines comentou aquele momento numa entrevista: “O que vimos ali não foi um velhinho doente, tentando fazer umas visagens para agradar o público. Era um verdadeiro estilista do sapateado, no auge de sua arte”.

Um artista dos gramados

Como Sammy foi um artista da ribalta, Romário é um artista dos gramados. Podem me chamar de obtuso e simplista, mas o fato é que não consigo considerar Marlon Brando um mau ator ou Van Gogh um pintor medíocre pelo fato de ambos terem vivido de forma desregrada. Igualmente, me recuso a julgar um jogador pelo que ele faz fora de campo. E é por pensar assim que considerei ultrajante o episódio que expôs o melhor jogador brasileiro dos últimos tempos, compelido a mendigar um lugar numa seleção de nível mediano – e escalada por um treinador que está longe de figurar entre os mais significativos da história.

O que teria Felipão para contrapor aos quase 900 gols de Romário – segundo maior artilheiro da história – e os inúmeros títulos que conquistou em campo, entre eles uma Copa do Mundo? Algumas copas nacionais? Uma Libertadores? É muito pouco. Scolari poderia até pensar em banir o craque por motivos disciplinares – se ele mesmo não ostentasse vários episódios de indisciplina na carreira. Será que bater num colega de profissão, ofender jornalistas e juízes, jogar bolas dentro de campo para paralisar uma partida e instruir seus jogadores a agredir o hoje queridinho Edílson não são episódios que, levados ao pé da letra da cartilha felipista, o excluiriam de sua própria Seleção?

Eis aqui o meu ponto: julgo os profissionais do futebol pelo que fazem dentro de campo. E dentro de campo Felipão coleciona mais episódios de indisciplina que Romário, que jamais agrediu ou mandou agredir alguém. Esta é a verdade – e só não vê quem não quer. Até porque, quem disse que Edílson, Djalminha e Lúcio – aquele, que deu uma cabeçada na cara do companheiro Roger em plena Olimpíada – são querubins?

Balela maior que essa, só mesmo dizer que Romário não é convocado por motivos técnicos e táticos. Até concordaria, se em seu lugar estivesse um Van Basten, um Jairzinho, um Ronaldinho Fenômeno no auge da forma. Mas Edílson e Luizão? Ora, Luizão joga ainda mais parado do que Romário. O Baixinho não fez mais gols que qualquer outro atacante convocado apenas na última rodada. Fez mais gols nas últimas semanas, nos últimos meses, no último ano e na última década.

Gratidão e respeito

O respeito dispensado aos seus grandes desportistas retrata, como poucas coisas, o verdadeiro caráter de um povo. Já fomos suficientemente canalhas ao barrar gênios como Zizinho e Falcão, preterindo-os por jogadores medíocres. Nos Estados Unidos, se Magic Johnson, do alto de seus quarenta e tantos anos e portador do vírus HIV, pedisse uma vaga no time de basquete da próxima Olimpíada, jogaria na posição que escolhesse. Por uma simples questão de gratidão e respeito.

Muita gente crê que Romário não deveria ter se rebaixado tanto, com declarações dolorosas como “falhei como atleta, homem, pai, filho, amigo e marido”. Mas, como disse acima, ele é um artista. E artistas sempre querem se despedir no palco. Romário vê a Copa da Coréia como o cenário ideal para brilhar pela última vez para as platéias internacionais. Seria sua derradeira grande performance. O canto do cisne de nosso maior craque em atividade.

Deus permita que possamos ver isso. Que Romário possa se despedir com as chuteiras postas. Porque nossos netos merecem que essa história lhes seja contada.

 

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