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Marcos Caetano
Domingo, 21 Abril de 2002, 19h19
terraesportes@terra.com.br

Futebol não é socialista


Não faz muito tempo, participei do programa Bola da Vez, da ESPN Brasil, no qual o entrevistado foi o técnico tetracampeão mundial, Carlos Alberto Parreira. Uma das perguntas que lhe foram feitas tratava da diferença entre dirigir um clube e a Seleção Brasileira. Com campanhas vitoriosas nas duas situações, Parreira foi direto ao ponto. Para ele, a principal diferença é que, enquanto num clube o treinador precisa adotar uma tática que se ajuste aos poucos craques disponíveis, na Seleção ele pode se dar ao luxo de colocar o time para jogar com a estratégia que mais lhe agrade, visto que para cada posição existem sempre dois ou três grandes jogadores.

Por acreditar que ainda temos os melhores e mais habilidosos jogadores do mundo, mesmo que sem a categórica vantagem de décadas passadas, admito concordar com o técnico do Corinthians. Realmente, com exceção do crônico problema da lateral direita, é possível a qualquer treinador armar pelo menos três seleções brasileiras, todas com excepcional nível técnico, independente da formação tática escolhida.

Essa fartura de jogadores talentosos, evidentemente, não existe nos clubes. Se uma determinada equipe contasse com apenas um grande atacante em seu plantel, de nada adiantaria seu treinador insistir em montar o time no 4-3-3. O mesmo se aplicaria a um clube que tivesse somente um zagueiro decente e que tentasse adotar o 3-5-2.

Como disse, concordo com Parreira quanto às diferenças entre clube e Seleção – e admito que um treinador pode, no caso desta, optar por encontrar os jogadores que melhor se adaptem à sua tática preferida. Só que, mesmo no escrete nacional, tendo a achar que todos são iguais, sim – no entanto, como escreveu George Orwell, alguns serão sempre “mais iguais do que os outros”.

Individualismo predominou em Lisboa

Graças a destacadas atuações individuais, o Brasil conseguiu um bom empate ante Portugal, na última quarta-feira. Justamente por isso, me confesso um tanto aturdido com o entusiasmo de boa parte da mídia ao avaliar nossa atuação contra os patrícios. Minhas dúvidas apóiam- se no seguinte: se é verdade que alguns craques brilharam em campo, o jogo de conjunto e o sincronismo tático pretendido por Felipão estiveram longe de dar as caras em Lisboa.

Compreenderia perfeitamente o entusiasmo da mídia se ele fosse dirigido à excepcional atuação de Ronaldinho Gaúcho – candidatíssimo ao título de melhor jogador da Copa –, à recuperação cada vez mais palpável de Ronaldinho Fenômeno e a alguns lampejos de Rivaldo. Mas daí a dizer que “o time” atuou muito bem vai uma grande distância, pois ficou claro que a Seleção ainda não possui padrão de jogo. Ao menos fora da cabeça do nosso treinador.

A defesa, tida como eficiente, mostrou-se frágil. O ataque, tido como frágil, até que mostrou boa movimentação. Faltou-lhe poder de finalização, mas isso, desde aquelas longínquas partidas contra Bolívia e Venezuela em 2001 – no mandato-tampão de Candinho e com Romário em campo –, que nunca mais voltamos a ver na Seleção. Já o meio-campo continua sem inspiração e batendo muito, especialmente o exasperado capitão Émerson, que se jogar daquela forma na Copa do Mundo vai acabar expulso e suspenso por algumas partidas.

Nada substitui o craque

Uma defesa insegura, um meio-campo travado e um ataque que não marca gols. Quer dizer então que nossa atuação foi tão terrível assim? Não, até que não fomos tão mal, especialmente no primeiro tempo. Mas, que fique claro, isso se deveu a dois ou três craques, aqueles tais que “são mais iguais do que os outros”.

Na verdade, a dificuldade de dar padrão de jogo ao time, mesmo depois de tantos jogos, reforça a tese, defendida por muitos, de que Felipão tem mais talento para treinar clubes do que a Seleção Brasileira. Não concordo integralmente com isso, até porque falta- lhe tempo para preparar o time antes das partidas. Mas acho que ele daria uma prova de maturidade se falasse menos em “grupo” e na “família Scolari” e se preocupasse em abrir espaço para que os jogadores que fazem a diferença – como os dois Ronaldinhos – pudessem brilhar ainda mais.

Porque será desses craques, dessas individualidades, que dependerá nossa sorte na Coréia. Nosso futebol vai viver, como sempre viveu, de craques, não de famílias. Enquanto houver um Ronaldinho Gaúcho, capaz de subverter as determinações táticas e romper esquemas e convenções de técnicos sabichões, o futebol continuará sendo um jogo em que uns são mais importantes do que outros. Pois o socialismo no velho esporte bretão, felizmente ainda não foi inventado.

 

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