Não faz muito tempo, participei do programa Bola da Vez, da ESPN
Brasil, no qual o entrevistado foi o técnico tetracampeão mundial,
Carlos Alberto Parreira. Uma das perguntas que lhe foram feitas
tratava da diferença entre dirigir um clube e a Seleção Brasileira.
Com campanhas vitoriosas nas duas situações, Parreira foi direto ao
ponto. Para ele, a principal diferença é que, enquanto num clube o
treinador precisa adotar uma tática que se ajuste aos poucos craques
disponíveis, na Seleção ele pode se dar ao luxo de colocar o time
para jogar com a estratégia que mais lhe agrade, visto que para cada
posição existem sempre dois ou três grandes jogadores.
Por acreditar que ainda temos os melhores e mais habilidosos
jogadores do mundo, mesmo que sem a categórica vantagem de décadas
passadas, admito concordar com o técnico do Corinthians. Realmente,
com exceção do crônico problema da lateral direita, é possível a
qualquer treinador armar pelo menos três seleções brasileiras, todas
com excepcional nível técnico, independente da formação tática
escolhida.
Essa fartura de jogadores talentosos, evidentemente, não existe nos
clubes. Se uma determinada equipe contasse com apenas um grande
atacante em seu plantel, de nada adiantaria seu treinador insistir
em montar o time no 4-3-3. O mesmo se aplicaria a um clube que
tivesse somente um zagueiro decente e que tentasse adotar o 3-5-2.
Como disse, concordo com Parreira quanto às diferenças entre clube e
Seleção – e admito que um treinador pode, no caso desta, optar por
encontrar os jogadores que melhor se adaptem à sua tática preferida.
Só que, mesmo no escrete nacional, tendo a achar que todos são
iguais, sim – no entanto, como escreveu George Orwell, alguns serão
sempre “mais iguais do que os outros”.
Individualismo predominou em Lisboa
Graças a destacadas atuações individuais, o Brasil conseguiu um bom
empate ante Portugal, na última quarta-feira. Justamente por isso,
me confesso um tanto aturdido com o entusiasmo de boa parte da mídia
ao avaliar nossa atuação contra os patrícios. Minhas dúvidas apóiam-
se no seguinte: se é verdade que alguns craques brilharam em campo,
o jogo de conjunto e o sincronismo tático pretendido por Felipão
estiveram longe de dar as caras em Lisboa.
Compreenderia perfeitamente o entusiasmo da mídia se ele fosse
dirigido à excepcional atuação de Ronaldinho Gaúcho – candidatíssimo
ao título de melhor jogador da Copa –, à recuperação cada vez mais
palpável de Ronaldinho Fenômeno e a alguns lampejos de Rivaldo. Mas
daí a dizer que “o time” atuou muito bem vai uma grande distância,
pois ficou claro que a Seleção ainda não possui padrão de jogo. Ao
menos fora da cabeça do nosso treinador.
A defesa, tida como eficiente, mostrou-se frágil. O ataque, tido
como frágil, até que mostrou boa movimentação. Faltou-lhe poder de
finalização, mas isso, desde aquelas longínquas partidas contra
Bolívia e Venezuela em 2001 – no mandato-tampão de Candinho e com
Romário em campo –, que nunca mais voltamos a ver na Seleção. Já o
meio-campo continua sem inspiração e batendo muito, especialmente o
exasperado capitão Émerson, que se jogar daquela forma na Copa do
Mundo vai acabar expulso e suspenso por algumas partidas.
Nada substitui o craque
Uma defesa insegura, um meio-campo travado e um ataque que não marca
gols. Quer dizer então que nossa atuação foi tão terrível assim?
Não, até que não fomos tão mal, especialmente no primeiro tempo.
Mas, que fique claro, isso se deveu a dois ou três craques, aqueles
tais que “são mais iguais do que os outros”.
Na verdade, a dificuldade de dar padrão de jogo ao time, mesmo
depois de tantos jogos, reforça a tese, defendida por muitos, de que
Felipão tem mais talento para treinar clubes do que a Seleção
Brasileira. Não concordo integralmente com isso, até porque falta-
lhe tempo para preparar o time antes das partidas. Mas acho que ele
daria uma prova de maturidade se falasse menos em “grupo” e
na “família Scolari” e se preocupasse em abrir espaço para que os
jogadores que fazem a diferença – como os dois Ronaldinhos –
pudessem brilhar ainda mais.
Porque será desses craques, dessas individualidades, que dependerá
nossa sorte na Coréia. Nosso futebol vai viver, como sempre viveu,
de craques, não de famílias. Enquanto houver um Ronaldinho Gaúcho,
capaz de subverter as determinações táticas e romper esquemas e
convenções de técnicos sabichões, o futebol continuará sendo um jogo
em que uns são mais importantes do que outros. Pois o socialismo no
velho esporte bretão, felizmente ainda não foi inventado.