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Marcos Caetano
Domingo, 28 Abril de 2002, 20h01
terraesportes@terra.com.br

Regras esdrúxulas


A Liga de Futebol de Botão da Vila da Light, em Madureira, não tinha tapetão. Formada por cerca de 20 garotos, todos filhos ou netos de alguém que possuía algum vínculo com a tradicional companhia elétrica – meu avô, por exemplo, era fiscal de bonde – a Liga resolvia as questões disciplinares ou de regras puramente na base do bom senso. Jamais houve quebra-pau.

Trinta anos depois e do outro lado do mundo, os campeonatos nacionais europeus chegam às suas emocionantes rodadas finais, com muitos clubes ainda na briga pelo título. E o título é decidido com base num regulamento tão simples quanto efetivo: todos jogam contra todos e, no final, quem terminar em primeiro é o campeão.

Já os americanos não gostam de pontos corridos. Pragmáticos e orientados exclusivamente ao retorno financeiro dos seus quatro principais esportes, eles inventaram os playoffs – sistema no qual dois times se enfrentam em séries de partidas (sempre em número ímpar, para que não haja empate), divididos em chaves que vão se fechando até a finalíssima. A dificuldade dos torcedores americanos para entender tal sistema é a mesma enfrentada pelos fãs do futebol europeu ou pela molecada que jogava botão comigo: nenhuma.

Não importa a complexidade do torneio, a época da história ou a modalidade desportiva que se esteja praticando. Entre os meninos de cara suja das vilas suburbanas, os vetustos integrantes das ligas européias de futebol e os desalmados executivos americanos com seus ternos de cinco mil dólares, paira a mesma e fatal certeza: regras claras e regulamentos simples representam grande parte das chances de êxito de qualquer torneio.

Após esse passeio pelo mundo, chego, por fim, aos dirigentes esportivos do Brasil. Peço desculpas a americanos e europeus – e até aos meninos de Madureira – por tão ultrajante comparação. Entretanto, creiam-me, ela é necessária. Começarei pelo Rio de Janeiro, onde recentemente os dois dirigentes que pareciam representar um sopro de renovação na administração esportiva do Estado – David Fischel e Mauro Ney Palmeiro – decidiram jogar fora o bom-senso e as respectivas biografias e cair nos braços de Eurico Miranda e Edmundo Santos Silva, conhecidos freqüentadores da CPI do Futebol.

Em terras cariocas, o primeiro turno do Caixão 2002, iniciado em fevereiro e acompanhado por platéias inferiores a 100 testemunhas, só terminou ontem, com a vitória de 2 x 1 do Americano do Caixa D´Água sobre o Vasco do Eurico. Um jogo que, aliás, não valeu nada, pois os quatro clubes grandes – exceto se um deles ficar em último no total acumulado de pontos, possibilidade que ameaça concretamente o Flamengo – estarão automaticamente no octogonal decisivo, a ser disputado, claro, durante a Copa do Mundo. Campeonato estadual com três turnos só pode ser piada – e se era para garantir os grandes no turno final, por que não botar as equipes medianas para disputar as vagas e livrar os maiores de tantos vexames e prejuízos?

Já na Liga Rio-São Paulo, esta comandada pelo Farah, graças a uma esdrúxula regra de cartões que valem gols, o São Paulo se classificou para a final mesmo sem ter vencido sequer um clássico local. É bem verdade que as reclamações de Alex (que lhe custaram dois cartões) e a falta de sensibilidade de Luxemburgo (que pôs em campo o “delicado” Galeano para, 60 segundos depois, vê-lo receber amarelo), também ajudaram bastante.

Sorte melhor teve o Corinthians, que resolveu a sua classificação com três belos gols. E gols, ao menos por enquanto, valem mais que cartões. Mas não se fiem nisso, pois Caixa e Farah podem perfeitamente acabar com essa farra a partir do ano que vem.

É por essas e outras que eu recomendo o nome de Cabeção e Sabará, dois moleques que organizavam os torneios de botão na Vila da Light, para a presidência das federações do Rio e de São Paulo. Duvido que eles fossem capazes de aprovar regulamentos tão imbecis.

 

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