A Liga de Futebol de Botão da Vila da Light, em Madureira, não tinha tapetão. Formada por cerca de 20 garotos, todos filhos ou netos de alguém que possuía algum vínculo com a tradicional companhia elétrica – meu avô,
por exemplo, era fiscal de bonde – a Liga resolvia as questões disciplinares
ou de regras puramente na base do bom senso. Jamais houve quebra-pau.
Trinta anos depois e do outro lado do mundo, os campeonatos nacionais
europeus chegam às suas emocionantes rodadas finais, com muitos clubes ainda
na briga pelo título. E o título é decidido com base num regulamento tão
simples quanto efetivo: todos jogam contra todos e, no final, quem terminar
em primeiro é o campeão.
Já os americanos não gostam de pontos corridos. Pragmáticos e orientados exclusivamente ao retorno financeiro dos seus quatro principais esportes,
eles inventaram os playoffs – sistema no qual dois times se enfrentam em
séries de partidas (sempre em número ímpar, para que não haja empate),
divididos em chaves que vão se fechando até a finalíssima. A dificuldade
dos torcedores americanos para entender tal sistema é a mesma enfrentada
pelos fãs do futebol europeu ou pela molecada que jogava botão comigo: nenhuma.
Não importa a complexidade do torneio, a época da história ou a modalidade
desportiva que se esteja praticando. Entre os meninos de cara suja das vilas
suburbanas, os vetustos integrantes das ligas européias de futebol e os
desalmados executivos americanos com seus ternos de cinco mil dólares, paira
a mesma e fatal certeza: regras claras e regulamentos simples representam
grande parte das chances de êxito de qualquer torneio.
Após esse passeio pelo mundo, chego, por fim, aos dirigentes esportivos do
Brasil. Peço desculpas a americanos e europeus – e até aos meninos de
Madureira – por tão ultrajante comparação. Entretanto, creiam-me, ela é
necessária. Começarei pelo Rio de Janeiro, onde recentemente os dois
dirigentes que pareciam representar um sopro de renovação na administração
esportiva do Estado – David Fischel e Mauro Ney Palmeiro – decidiram jogar
fora o bom-senso e as respectivas biografias e cair nos braços de Eurico
Miranda e Edmundo Santos Silva, conhecidos freqüentadores da CPI do Futebol.
Em terras cariocas, o primeiro turno do Caixão 2002, iniciado em fevereiro e
acompanhado por platéias inferiores a 100 testemunhas, só terminou ontem,
com a vitória de 2 x 1 do Americano do Caixa D´Água sobre o Vasco do Eurico.
Um jogo que, aliás, não valeu nada, pois os quatro clubes grandes – exceto
se um deles ficar em último no total acumulado de pontos, possibilidade que
ameaça concretamente o Flamengo – estarão automaticamente no octogonal
decisivo, a ser disputado, claro, durante a Copa do Mundo. Campeonato
estadual com três turnos só pode ser piada – e se era para garantir os
grandes no turno final, por que não botar as equipes medianas para disputar
as vagas e livrar os maiores de tantos vexames e prejuízos?
Já na Liga Rio-São Paulo, esta comandada pelo Farah, graças a uma esdrúxula
regra de cartões que valem gols, o São Paulo se classificou para a final
mesmo sem ter vencido sequer um clássico local. É bem verdade que as
reclamações de Alex (que lhe custaram dois cartões) e a falta de
sensibilidade de Luxemburgo (que pôs em campo o “delicado” Galeano para, 60
segundos depois, vê-lo receber amarelo), também ajudaram bastante.
Sorte melhor teve o Corinthians, que resolveu a sua classificação com três
belos gols. E gols, ao menos por enquanto, valem mais que cartões. Mas não
se fiem nisso, pois Caixa e Farah podem perfeitamente acabar com essa farra
a partir do ano que vem.
É por essas e outras que eu recomendo o nome de Cabeção e Sabará, dois
moleques que organizavam os torneios de botão na Vila da Light, para a
presidência das federações do Rio e de São Paulo. Duvido que eles fossem
capazes de aprovar regulamentos tão imbecis.