De que são feitos os campeões? Essa pergunta começou a rondar minha cabeça a
partir do momento em que meus olhos incrédulos viram o tetracampeão mundial,
recordista de vitórias e colecionador de recordes na Fórmula 1, Michael
Schumacher, se valer de uma ordem dos boxes para ultrapassar o companheiro
de equipe Rubens Barrichello – o legítimo vencedor do Grande Prêmio da
Áustria.
Vaias, polegares voltados para baixo, xingamentos em seu próprio idioma,
tudo isso poderia ter sido evitado pelo alemão – que foi o principal
responsável por um dos mais lamentáveis episódios de falta de esportividade
da história do automobilismo. Sim, ninguém foi mais culpado pela fraudulenta
vitória de Schumacher do que ele mesmo. A equipe, com sua lógica fria e
matemática, dificilmente deixaria de ordenar a inversão de posições.
Entretanto, cabia ao próprio Schumacher acatar ou não tal ordem. E o
campeão, mesmo com uma confortável distância para o segundo colocado na luta
pelo título, preferiu cumprir a determinação.
Rubinho, cujo acordo com a Ferrari foi renovado há alguns dias, estava
contratualmente obrigado a consentir a ultrapassagem. Na pista e nos
elegantes depoimentos na entrevista coletiva, nosso piloto mostrou apenas
uma coisa: maturidade. Schumacher bem que tentou consertar o estrago em sua
imagem: pôs o brasileiro no topo do pódio, entregou-lhe o troféu de vencedor
e disse que não estava contente com a decisão da escuderia. Tudo fingimento.
Com a banca que tem na equipe, ele poderia perfeitamente desacatar a ordem e
terminar a corrida com a cabeça erguida. Ninguém, nem o comendador Enzo
Ferrari, se vivo fosse, teria coragem de repreender um tetracampeão que
teimasse em chegar ao penta apenas pelos próprios méritos.
Schumacher e a Ferrari não tiveram a grandeza de deixar Barrichello vencer a
segunda prova de sua carreira. Grandeza que Ayrton Senna e a McLaren
demonstraram há muitos anos, quando fizeram justamente o contrário: o
brasileiro desacelerou e permitiu que seu escudeiro, Gherard Berger,
conquistasse a primeira vitória. A enorme distância que observamos entre a
altivez de Senna e a frieza de Schumacher só serve para provar que o alemão
pode até quebrar todos os recordes da categoria, mas jamais conseguirá
alcançar o brasileiro em sua dimensão de mito.
Os campeões não têm exatamente o mesmo estofo, pois há muitas sutilezas a
diferenciá-los. O Corinthians de Carlos Alberto Parreira, que conquistou com
todos os méritos o título da Liga Rio - São Paulo, por exemplo, se não chega
a ter a aura mágica de Ayrton Senna ou a impressionante técnica de Michael
Schumacher, ao menos possui de sobra dois atributos dos mais importantes num
esporte como o futebol: coração e jogo coletivo.
Na pré-temporada, ao topar com nomes como Deivid, Gil, Leandro, Kleber e
Rogério entre os prováveis titulares da equipe do Parque São Jorge para a
disputa do Rio - São Paulo e da Copa do Brasil, pouca gente se atreveria a
apostar que eles seriam finalistas dos dois torneios. Poucos também pareciam
acreditar no sucesso do discreto Carlos Alberto Parreira à frente de uma
equipe de massa, com um grupo de jogadores inexperientes – a exceção de
Ricardinho, Vampeta e Dida.
Pois o Corinthians, com três atacantes, um toque de bola envolvente – tão
envolvente que às vezes parece que o time gosta mais de trabalhar a bola do
que fazer gols – está prestes a terminar o semestre com cem por cento de
aproveitamento nos títulos que disputou. Quem considerava o time imaturo,
precisou rever sua posição. Quem dizia que seu técnico era retranqueiro,
teve que voltar atrás. Na verdade, os campeões da Liga Rio - São Paulo
exemplificaram mais uma vez a velha máxima, tão cara a Parreira: no futebol,
ganha o time que ataca com a máxima eficiência e se defende com a máxima
eficiência.
Melhor ainda que campeonato foi decidido com gols – e não com regulamentos
esquisitos, cartões amarelos, manobras de bastidores e cartolagem. Pena que
na Fórmula 1 não seja assim. Não é mesmo, Rubinho?