O ato de escrever, para mim, sempre foi um grande prazer. Sinto-me
invadido por um ânimo adolescente cada vez que ligo o computador e
olho para a tela em branco, convidando-me a preenchê-la com palavras
que façam sentido e, principalmente, entretenham quem as lê. Hoje,
tenho que confessar, não estou me sentindo exatamente assim. Por
quê? – perguntará o leitor, já temendo pelo pior, ou seja, chegar
até o pé da coluna sem obter o mais básico dos direitos dos leitores: encontrar textos que divirtam, informem, instiguem
a reflexão ou ao menos façam o tempo passar mais depressa. E, de
preferência, tudo isso ao mesmo tempo.
Ao preocupado amigo, devo informar que a razão de tal frouxidão
anímica é simples: preciso escrever sobre o Brasil x Catalunha de
sábado. Como, por dever jornalístico, não poderei enaltecer nossa
atuação, já sei que amanhã toparei com mensagens de torcedores
acusando-me de ser antipatriota e não estar ajudando a Seleção em
seu esforço pelo penta. Essas avaliações, especialmente no dia
seguinte àquele em que festejei o aniversário da minha filha
Clarissa com a casa toda enfeitada de verde-e-amarelo – sim, o tema
da festinha foi a Seleção – terão sabor particularmente injusto.
Há quem confunda crítica com desamor. Para esses, dou sempre o mesmo
exemplo: imagine o mais apaixonado torcedor do nosso Ameriquinha, um
sujeito que, mesmo lutando contra a procela em tantos anos de
sofrimento, preservou sua fé no clube amado. Ora, estaria esse
torcedor impedido de criticar a equipe que fez vergonha no Rio-SP? É
claro que não. E é por isso que não posso escrever aqui que a
Seleção Brasileira jogou bem, ainda que torça com todas as minhas
forças para que voltemos de Yokohama com aquela taça debaixo do
braço.
Quais foram, então, as virtudes e defeitos da nossa Seleção no jogo
contra os catalães? As virtudes foram bem poucas, como qualquer
pessoa desprovida de fanatismo – se é que as há, nesses idos de
maio – pôde observar. Elas atendiam pelos nomes de Ronaldinho Gaúcho
e Denílson. Virtudes individuais, portanto, não de equipe. Tanto que
os gols saíram de bola parada ou dos pés de nosso solista pampeiro.
Gol de bola parada, claro, também vale – e se temos um jogador que é
grande candidato a terminar a Copa como o craque do torneio, sorte
nossa. Mas grandes times são aqueles que não dependem apenas dos
lampejos do craque – mesmo se esse craque for o Pelé.
Uma seleção que pretende ganhar uma competição importante precisa,
por exemplo, de um centroavante ameaçador, coisa que Luizão e
Ronaldinho Carioca – permitam-me chamá-lo assim, já que foi o único
convocado da Cidade Maravilhosa – não foram no sábado. Lentos,
previsíveis, errando cabeçadas, sem poder de finalização, foram
presas fáceis mesmo para os marcadores catalães, que atuam juntos
apenas uma vez por ano. As cavadas de faltas do habilidoso Denílson
foram nossa principal jogada de ataque. Apenas para não parecer
insistente, juro que não vou fazer comparações entre os dois
centroavantes chamados por Scolari e vocês-sabem-quem. Lembro,
entretanto, que para tal posição a Argentina poderá escolher entre
os perigosos Batistuta, Caniggia, Crespo, Piojo Lopez e Killy
Gonzalez.
Um time verdadeiramente poderoso também não pode falhar tanto na
retaguarda. Anderson Polga e Edmílson conseguiram a façanha de errar
mais do que Roque Júnior – e isso é preocupante. Tão preocupante
quanto o frango engolido pelo Marcos. Mas a maior das obviedades é
que não podemos atuar sem um jogador de articulação. Candidatos
existem: Ricardinho, Juninho Pernambucano, Felipe e Zinho. Kléberson
e Émerson – que, provocação máxima, jogou com a sete de Garrincha –
jamais farão essa função.
No fim das contas, fiquei com a sensação de que o gaúcho que pode
realmente ganhar essa copa para nós estará em campo, com a camisa
10, e não gritando do banco. E que, ao menos até aqui, os
integrantes da família Scolari se mostram muito unidos e entrosados –
até a hora em que alguém coloca uma bola de futebol entre eles.
Talvez por concordar um pouco comigo, nosso treinador tenha usado no
sábado um agasalho com o nome do Brasil... com b minúsculo.