Estou aqui no moderno e confortável centro de imprensa do Estádio Munsu, assistindo pela TV o jogo entre Camarões e Irlanda, enquanto espero o início de Uruguai e Dinamarca, que promete bastante. Ao meu redor, centenas de jornalistas do mundo inteiro, cada qual com a sua fotografia por enviar, o seu artigo por escrever, o comentário que precisa ser transmitido por telefone ou internet. Felizes daqueles que trabalham com informação ao vivo, pois nós, escribas, temos que conviver constantemente com o problema do fuso horário.
O amigo deve estar lendo esta coluna antes da estréia da Seleção. Se deixar para ler depois, já saberá sobre Brasil x Turquia tudo aquilo que estou aqui tentando adivinhar. Chega a ser injusto. O gol que Mboma acaba de fazer para os “Leões Indomáveis” – bonito, por sinal – já é, para o leitor, tão antigo quanto os 18 do Forte de Copacabana ou o Queremismo. Em compensação, os veículos ao vivo não conseguem proporcionar um décimo do prazer que é saborear calmamente um bom texto, nem têm tempo para a profundidade analítica dos meios impressos.
Feitas as devidas ressalvas, posso dizer que minha expectativa para Brasil x Turquia é de um jogo muito duro. Em todos os sentidos: tático, técnico e disciplinar. A equipe turca tem fama de durona e os discípulos de Scolari também não devem deixar nada barato. Se repetirmos a falta de inspiração dos últimos amistosos, faremos um primeiro tempo amarrado e cauteloso. Também de acordo com a cartilha dos últimos jogos, Denílson deve entrar no segundo tempo, o time deve passar para o 4-4-2 e aí poderemos melhorar. Tomara que não seja assim. Torço para que o leitor esteja agora comemorando uma retumbante goleada e dando gargalhadas com o meu excesso de cautela.
De qualquer forma, cuidarei da nossa estréia na próxima coluna, pois agora preciso comentar uma outra estréia: a dos campeões do mundo. Tenho certeza que a turma do “não tem mais bobo no futebol” deve estar soltando rojões com a derrota da França, mas não é bem assim. Em primeiro lugar, é preciso dizer que no esporte a coisa não funciona da mesma forma que na geopolítica tradicional. Como já escrevi aqui, no Planeta Futebol, governado por um rei negro que atende pelo nome de Pelé, potências econômicas como Estados Unidos, Japão, Canadá e Suíça são o terceiro mundo. Por outro lado, Brasil, Argentina e muitas nações africanas, apesar de toda a crise, fazem parte da elite, do primeiro mundo.
Bendito seja o esporte, que possibilita a uma ex-colônia a chance de acabar com a banca dos antigos colonizadores. Nos tempos mais duros do racismo americano, era comum ouvir que “o único lugar onde um negro pode se aproximar de um branco com um bastão na mão, sem ir preso, é um campo de beisebol”. No futebol, felizmente, não há racismo – e o Senegal não é bobo. Fiel ao estilo das nações africanas, que mescla habilidade e alegria de jogar com um impressionante preparo físico, era perfeitamente possível que eles batessem os franceses, que sem o seu principal organizador – Zidane – tornam-se uma equipe bastante previsível. E assim aconteceu.
Via de regra, os bobos já ficaram pelo caminho, nas eliminatórias. Quem chegou à Copa tem méritos. Mas, uma China aqui, uma Costa Rica ali, ainda podemos encontrar equipes frágeis. Nada que recomende uma postura arrogante por parte de qualquer um, mas os bobos ainda existem. O que já está mais do que provado, no entanto, não é a inexistência de bobos, mas a ausência de bichos-papões. A derrota dos franceses, os tropeços de ingleses, brasileiros e argentinos nos amistosos de preparação, tudo isso mostra que quem quiser ganhar a Copa vai ter que jogar. No nome, no grito, não vai dar. Aliás, nunca deu. A França, se continuar previsível como na estréia, não chegará muito longe.
Como decidi deixar para enviar esta coluna quando chegasse ao hotel, tive tempo de conferir o resultado do jogo da Alemanha contra a Arábia Saudita – aquela, que mesmo com seis reservas deu trabalho para o Brasil. Terminou 8 x 0 para os alemães. Mais uma prova de que os bobos não morreram. Especialmente para quem os enfrenta com coragem, e jogando para a frente.